segunda-feira, janeiro 31, 2005

Portugal, 2005

Como é possível, trinta anos depois do 25 de Abril, que uma campanha eleitoral visando a eleição de um parlamento e de um governo esteja centrada na vida privada dos candidatos? Já há muito que grande parte da esquerda, quando quer açoitar Santana, prefere as questões do estilo às de conteúdo. Agora, assistimos a uma campanha inqualificável da direcção do PSD em relação ao cabeça de lista do PS e à sua pretensa homossexualidade. O populismo na sua forma racista. Alguns dirão que é o desespero. No entanto, continuo a pensar que o cuidado é sempre pouco com esta espécie de populistas, especialmente quando dominam com mestria o mundo da linguagem mediática e pouco se importam de mergulhar na sarjeta para chegar aos seus objectivos.

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Emigração outra vez

Por cá, o Partido Conservador, a tentar desesperadamente recuperar os votos que perdeu para a extrema-direita, lá avançou com mais uma proposta de lei para combater a emigração, seja esta causada por motivos económicos ou por motivos políticos. O noticiário da BBC2 resolveu debater a questão. O senhor do partido conservador lá disse que a lei era viável, mesmo que quebrasse convenções internacionais sobre refugiados e leis europeias; disse mesmo que se estava nas tintas para a Europa. Bravo. Uma senhora que defendia os interesses dos refugiados não foi brilhante, já que se preocupou apenas com os refugiados políticos deixando o problema dos refugiados económicos ao critério dos governos. Mas foi uma terceira figura que mais chamou a atenção. Este último cavalheiro, que não consigo perceber por que raio foi convidado para o debate, ficou conhecido por ter ganho um concurso num outro canal televisivo. O concurso, intitulado “vote for me”, consistia, se bem percebi, num género de disputa política fictícia entre vários concorrentes, cabendo aos telespectadores ingleses a decisão quanto ao vencedor. Pois bem, este senhor, que ganhou o tal concurso de popularidade, afirmou que o país “estava fechado para o negócio”, “close for business”, isto é, que ninguém, mas ninguém, deveria poder entrar na Inglaterra. Mas disse mais, perante as provocações do jornalista, o excelente Jeremy Paxman, disse que mesmo numa situação idêntica à resultante dos campos de extermínio nazi, a Inglaterra não deveria receber um único refugiado. Disse-o com convicção e sem qualquer vergonha. Perante a constatação de que são precisos estrangeiros para realizar certos trabalhos em Inglaterra, o senhor afirmou que deveriam ficar até que ingleses fossem especialmente formados para esses trabalhos, mas depois teriam que sair. Perante o nível do debate, o governo trabalhista o mais que consegue dizer, pela boca de Blair, é que o plano dos tories é pouco prático e burocrático. Diga-se que enquanto os conservadores querem impor um quota de 15 000 refugiados por ano na Inglaterra, há países africanos e asiáticos, pouco mais que miseráveis, que recebem milhões de refugiados provenientes de países ainda mais miseráveis do que eles. Assim vai o mundo.

O golo para acabar com o jogo

Estou em crer que quando um jogador marca um golo como o que Paíto marcou ontem no derby da Luz o jogo devia acabar de seguida. O mesmo deveria ter sucedido quando Rui Costa colocou Portugal a vencer a Inglaterra no último Europeu. Acabava. Não havia muito mais a dizer. Ontem na Luz confirmou-se mais uma vez que o futebol é um jogo injusto. E às vezes, como ontem, ainda bem que é assim. Os golos do Benfica surgiram quase todos de lances fortuitos, não há uma ideia, uma jogada combinada, uma estrutura de jogo, nada. Defender, e mal, e pontapé para a frente, são os dois mandamentos de Trapattoni. Salvou-se a narrativa emocional do jogo e o seu final exemplar. Menos mau.

terça-feira, janeiro 25, 2005

FCP

A invasão russa do futebol português parece ser uma realidade incontornável nos dias de hoje. Depois do Dínamo de Moscovo, é agora a vez do Spartak de Boxe de Moscovo e do Locomotiv de Boxe de S. Petersburgo que avançam sem medo para novas contratações, em Portugal.
Extasiados perante as últimas exibições de Benni Mcarthy e Luís Fabiano ao serviço do FC Porto, os responsáveis dos dois clubes russos já estabeleceram os primeiros contactos com os responsáveis da SAD Azul e Branca, no sentido de poderem contratar os dois atletas ainda antes do fecho deste período de inscrições. A intenção dos dirigentes russos é poder contar ainda com os seus valorosos préstimos na segunda fase do campeonato russo de boxe, actualmente muito disputado entre estas duas agremiações.
Entretanto, noutro âmbito, o FC Porto emitiu esta tarde o comunicado tipo em defesa daqueles que, habitualmente, por valorosos actos, pugnam pelas vitórias portistas. Depois de ainda na semana passada o ter feito em prol de Nuno Cardoso, agora é a vez de o fazer em defesa do brio profissional de Luís Tavares, o bandeirinha que não viu a bola a ultrapassar a linha de golo no Estádio de Luz, e que neste fim de semana, coerentemente, também não viu o festival de socos e cotovelos dos avançados do FCP sobre os defesas leirienses mesmo à sua frente.
Assim, num comunicado divulgado no sítio na Internet do clube, o F.C. Porto "assegura, inequivocamente, que a postura do auxiliar Luís Tavares foi rigorosa e exemplar, em nada tendo beneficiado, quer do ponto de vista pessoal, quer patrimonial, com este lapso".
Acrescenta ainda, "o que parece ser penalizante, quer para a pessoa de Luís Tavares, cuja seriedade está neste momento a ser posta em causa, quer para os representantes do F.C. Porto, é que a competência e eficácia sejam sempre motivo de inveja ou de especulação", refere o comunicado do clube "azul-e-branco".

sábado, janeiro 22, 2005

Por mares nunca dantes navegados...

Os Lusíadas são uma das obras-primas da literatura portuguesa e mundial. Há poucos dias atrás concluí finalmente a sua leitura. Só à segunda tentativa visto que, há mais ou menos três anos, fiz uma primeira incursão para ler a obra épica de Camões. Infelizmente,e ao contrário do que é habitual nos meus hábitos de leitura - onde sou incapaz de deixar um livro a meio, mesmo que o ache intragável - interrompi no quinto canto, curiosamente com as naus de Vasco da Gama a aproximarem-se do Cabo da Boa Esperança. Não consegui dobrar o Cabo. O Adamastor não deve ter gostado da minha cara e voltei a pôr o livro na prateleira.

À segunda foi de vez e os dez cantos foram rapidamente percorridos (talvez seja mais correcto dizer navegados), estrofe por estrofe. E aqui deixo o meu elogio a Luís Vaz de Camões porque é de facto notável como se consegue produzir uma obra deste calibre, sempre em oitavas, sempre com o mesmo esquema rimático e sempre com o mesmo número de sílabas métricas. Verdadeiramente assombroso o talento e o engenho deste génio universal que o pequeno rectângulo produziu. E que, tal como outros Portugueses de valor, não viu ainda em vida serem reconhecidos os seus méritos.

Os Lusíadas são muito mais que uma obra em poesia. São o relato de uma viagem, numa época que deve ter sido verdadeiramente fascinante de viver, são um manual de História de Portugal (desde os primórdios até à actualidade do autor) e são igualmente um retrato da sociedade portuguesa do séc. XVI. Só me interrogo como é que o censor do Santo Ofício deixou passar a autêntica sessão de sexo em grupo que decorre na Ilha dos Amores, sublime recompensa dos marinheiros portugueses, desgastados e esgotados de mil e uma peripécias. Eu escrevi desgastados e esgostados? Esqueçam o que eu escrevi.

À laia de reflexão deixo aqui a transcrição da estrofe 145 do canto décimo:

"Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho,
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza."

Intemporal, não é?

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Segunda parte, do lado de dentro

O presidente americano conquistou a última eleição porque falou a um país que, na sua grande parte, é um espaço provinciano, no sentido físico e mental da palavra. Mas a sua eleição é, antes de mais, um aviso para a esquerda, essa esquerda que deixou de conseguir falar com as pessoas “simples”. O que se passou foi extraordinário: Bush conseguiu ganhar em regiões empobrecidas, onde os trabalhadores perdem direitos todos os dias; Bush ganhou retirando direitos de saúde, de educação, destruindo aos poucos a segurança social. Este processo vai continuar, o presidente já o anunciou. Para lutar contra os efeitos eleitorais de tais políticas, Bush usou o nacionalismo, o medo e a ideia de que em cada esquina, em cada casa, em cada rua, pode estar um terrorista a trabalhar para destruir a América. Tudo embrulhado num discurso primário mas absolutamente eficaz. Quem goza com Bush, devia ter atenção à eficácia da sua estupidez. Bush não é estúpido, é um vencedor. A “comunidade internacional”, já se notou, pouco interessa ao presidente e aos seus Homens de mão. Resta então, infelizmente, a política interna americana. Muito do que se passará no mundo passa pela luta que os americanos conseguirem fazer ao seu presidente.

Segunda parte, do lado de fora

George Bush iniciou ontem o seu segundo mandato afirmando que a América iria lutar por levar a liberdade a todo o mundo. Conhecendo o método americano a frase só pode preocupar o mundo. As explicações para o novo imperialismo americano têm sido diversas. Muito se tem falado do idealismo dos neo-conservadores, da recuperação dos valores morais, da influência da sua matriz religiosa radical. Tudo isto é verdade, mas talvez faça sentido juntar a estes factores o preocupante estado da economia americana. Os americanos gastam muito mais do que produzem, importam muito mais do exportam. Parte do dinheiro utilizado para equilibrar a situação é proveniente de títulos da dívida pública que têm sido comprados, em grande parte, por capital saudita e chinês. A situação é artificial e instável. Mas os Estados Unidos sabem que mesmo que percam na economia têm sempre a hipótese coerciva. Infelizmente tudo leva a crer que o futuro próximo passe pelo saque de matérias-primas e recursos naturais. Sabe-se, claro, em que região do mundo estes recursos abundam. Sabe-se, também, qual é o método americano. A máquina de propaganda, claro, irá apregoar os valores da liberdade, do cristianismo e da sociedade da posse.

terça-feira, janeiro 18, 2005

Máxima Sociologia

Mérito do habitual incumprimento de horários, uma espera de umas boas dezenas de minutos num consultório médico possibilita-nos, em face da inexistência de alternativas, dar uma vista de olhos pela literatura colocada ao dispor dos pacientes, designadamente às revistas ditas femininas, Máxima e Activa.
Foi aí que, entre páginas que alternam entre os anúncios de perfumes da Gucci, lingerie La Perla ou cremes anti-rugas da Vichy, com artigos versando os ciúmes, a fidelidade conjugal ou novas formas de sedução, pude constatar que não havia nestes artigos publicados um só que não apresentasse um ou mais sociólogos a debitarem completas vulgaridades sobre a temática mencionada.
Sabemos que a sociologia é uma disciplina recente em termos da sua institucionalização académica, e de ser alvo de um relativo desconhecimento acerca da utilidade do seu contributo em diversas áreas de actividade. Sintoma disso mesmo é a difícil inserção profissional no mercado de trabalho dos sociólogos.
Por outro lado, e não obstante o reconhecimento social e mediático de alguns sociólogos, também é verdade que a transmissão da descoberta científica e reflexividade produzida pela disciplina gira ainda muito no circuito inter-pares, frequentemente veiculada em discursos herméticos e dificilmente descodificáveis pelos leigos.
Diga-se ainda, em abono da verdade, que o trabalho do sociólogo nem sempre é visto com bons olhos por aqueles que receiam a capacidade de intervenção crítica de que muitas vezes a disciplina se faz valer para tentar aclarar determinado fenómeno social.
Agora o que eu duvido muito é que perante este estado de coisas e face ao colete de forças imposto por alguns poderes (político e económico) ao espaço de manobra da disciplina, a melhor forma que alguns sociólogos encontraram para tentar aumentar o reconhecimento social da disciplina seja aquela que ontem me pude aperceber estar a ser basto praticada...

segunda-feira, janeiro 17, 2005

Sobre a estética

Em relação ao último grande momento estético do nosso blogue só posso aconselhar o sensato autor a transformar a brilhante ideia em rubrica semanal. Não sendo uma ruptura radical, aproximamo-nos do ideal estético de separação total da forma e do conteúdo. Estou a imaginar o judeu a entrar para a câmara de gás e perguntar ao simpático nazi – Senhor nazi, que belo fato, têm um costureiro próprio ou vão ao armazém espanhol? – Meu amigo judeu, nós aqui, no terceiro Reich, além de não gostarmos de judeus, também não vamos à bola com latinos e outras raças assim mais pró escuro. Herr Wolf, um génio do corte e costura, é quem faz os fatos, nada de espanholadas. – Senhor nazi, são realmente extraordinários, e as calças estão vincadas e tudo, e que bonita suástica, das melhores que tenho visto – É verdade, nós aqui temos um sentido estético elevado em todas as realizações humanas, é pena que você já não tenha tempo de apreciar um filmezinho da Leni Riefenstahl, senão iria ver como a nossa estética racista, antes de ser racista, já era modernista, olhe mas já que estamos aqui na câmara de gás você, amigo judeu, pode apreciar estas fantásticas linhas arquitectónicas, repare na relação das formas com a luz, e o modo racional como as entradas do gás estão colocadas para você e os seus amigos judeus morrerem democraticamente ao mesmo tempo, não é sublime? – É mesmo sublime senhor nazi.

Sobre a argumentação

Há inúmeras formas de argumentar. A um dos tipos de argumentação podemos chamar de argumentação eucalipto, porque seca tudo à volta. Com esta espécie de argumentação não fica nada de pé, não há ideia aproveitável, não há análise que se salve, não há acumulação de interpretações ou cooperação crítica, tudo fica reduzido a escombros. O especialista no argumento eucalipto utiliza várias técnicas. A mais extraordinária é a de acusar o outro de não se ter referido a algo que o próprio nunca tinha, na sua boa vontade, tencionado referir. Se falamos em batatas, devíamos ter falado de cebolas, se falamos de andorinhas, cai o Carmo e a Trindade, porque omitimos as gaivotas. O utilizador da argumentação eucalipto até pode estar de acordo com o argumento inicial, no entanto o seu objectivo é mostrar que nada daquilo faz sentido porque há sempre um facto qualquer mais relevante para a questão, um imperador romano, um facto histórico esquecido, uma criancinha que ficou por salvar. Alguém escreve alguma coisa sobre o sol e, às duas por três, já lhe foram colados uns quinze rótulos, os mais suaves dos quais balançam entre o colaboracionista e o ignorante. No fundo é divertido.



sexta-feira, janeiro 14, 2005

Adenda factual

Fidel Castro e Che Guevara podem ser acusados de muitas coisas. Ha um terreno grande de discussao que defensores e detractores podem percorrer. No entanto, nao e historicamente correcto considerar que fossem alguma vez assassinos em massa.

O principe burro V

Talvez criar uma comissao de etica para avaliar mascaras e outras indumentarias festivas.
O politicamente correcto e realmente discriminatorio e so dispara para alguns lados. Verdade indiscutivel. No entanto, o que a utilizacao desse argumento - que em teoria esta correcto - acaba por provocar neste caso concreto e considerar-se normal que alguem com responsabilidade publicas e politicas - que sao obviamente avaliadas de acordo com o papel que monarquia desempenha, para o bem ou para o ma,l em Inglaterra - vista um fato de oficial das SS. Nao me parece muito produtivo fazer um ranking dos torcionarios e considerar que afinal o Harry ate podia se ter vestido de coisas muito piores. O contexto do nazismo e algo com uma importancia social extraordinaria, atinge pessoas que estao vivas, foi provocado por seres humanos que, temporal e socialmente, nos sao proximos. Alguem hoje responde pelas mortes provocadas por Nero ou por Caligula. Imaginemos o filho do Sampaio numa festa com mascaras. Podia vestir-se de Afonso Henriques, o nosso primeiro Rei que fartou-se de matar mouros pelo rectangulo abaixo, e ninguem se importaria. Mas se vestisse um fato da mocidade portuguesa, cujos membros, como membros, nao mataram ninguem, o caso fiava mais fino. E obviamente com toda a justificacao.

O Principe burro III

E certo que os media raramente discutem o que importa. O caso Harry e mais um fait-divers para vender jornais. No entanto, apesar de a nossa posicao informada exigir que outros assuntos assumam a actualidade, o facto e que a questao passou para a agenda publica e tornou-se num acontecimento politico, uma optima oportunidade para largar mais umas ferroadas na digna instituicao monarquica. Neste sentido, saudo a oportunidade de O Principe Burro I.
Despindo o filtro sociologico que vive pegado ao meu corpo arrisco uma explicacao genetica. Os geneticistas, que todos os dias descobrem genes para tudo e mais alguma coisa - a homossexualidade, a violencia, a pedofilia, etc - deviam estudar o gene monarquico, o gene por excelencia, nao estivesse em contacto directo com o sagrado. O gene monarquico ingles, por exemplo, esta acometido pelo virus da patetice. E evidente neste sentido, que Harry sai ao pai. Outra persistencia mais preocupante no gene monarquico ingles sao as derivas nazis. O saudoso Eduardo VIII, tio-avo do Harry, conhecido por ter abdicado do trono pelo amor de uma plebeia americana, Wallis Simpson, tinha fortes simpatias pela causa do terceiro Reich razao pela qual, triste versao alternativa ao caso de amor, foi posto a andar.
Diga-se que o choque da foto de Harry reside no facto de o jovem principe nao surgir mascarado, no sentido ironico, ou divertido da mascara (uma caricatura de Hitler nao seria tao ofensiva), mas surgiu uniformizado, tal e qual, um oficial das SS. O rapaz tem vinte anos, nao tem oito nem doze, e descende directamente da rainha Victoria, a mulher que governou quase todo o mundo. E uma responsabilidade.



Metal rules

Uma suave educação sonora, mais ou menos distinta, afasta muitas pessoas dos sons produzidos pelas bandas que compõem o universo multifacetado do heavy metal. Numerosos ouvidos, cuja sensibilidade é socialmente produzida, reagem, opinam, protestam, quando confrontados com um conjunto de sons que reconhecem genericamente como fazendo parte deste universo musical. A cansativa frase “é só barulho” torna-se numa avaliação comum que irrita sobremaneira o militante do metal. Todo o amante de música, independentemente do estilo, se aborrece quando o apreciador não iniciado realiza generalizações abusivas e quase sempre ignorantes. Fortemente enraizado nas práticas culturais de classes sociais baixas, o heavy metal cresceu em grande medida fora dos grandes circuitos da indústria musical. A sua divulgação faz-se quase sempre através do contacto pessoal, por redes imensas através das quais se trocam cassetes, discos e outro material relativo às bandas. Pouco se sabe da grandeza deste universo. Os media passam-lhe ao lado, embora a sua dimensão não seja despicienda.
Na universidade, a cultura popular continua a ser um objecto pouco apreciado, que se encontra na base da pirâmide das hierarquias académicas. O heavy metal é indiscutivelmente substância de cultura popular e merecia um estudo urgente. Infelizmente, pelas regras da reprodução social, não há muitos amantes do género com poder de o estudar nos níveis de investigação mais altos da academia.
Deixo uma sugestão de não especialista que se dirige apenas, obviamente, a não iniciados: o intemporal primeiro álbum dos Metallica carinhosamente intitulado Kill ‘Em All. Uma obra-prima da cultura popular.

O Príncipe Burro

É comum os monárquicos invocarem, com jactância, a precoce e exclusiva preparação dos monarcas para o desempenho do seu cargo, como a característica distintiva que os separa do comum dos restantes mortais. Desde pequeninos lhes é torcido o pepino, desde tenra idade são embebidos numa esmerada e polida educação, desde pequeninos são socializados tendo em vista o superior exercício das suas funções.
Tal argumento, quando historicamente verificado, revela-se francamente falacioso. Figuras reais, como o imberbe e tolinho D. Sebastião, o medroso e fugitivo D. João VI, o esbanjador D. João V, ou o aspirante a absolutista D. Miguel, só para dar alguns exemplos, deixaram muito a desejar no capítulo da preparação superior para o exercício das funções governativas que exerceram ou a que aspiraram..
Mas as falhas na preparação não são um exclusivo da realeza portuguesa. Famílias reais europeias mais famosas e mediáticas possuem entre os seus membros indivíduos ainda mais acéfalos. O melhor exemplo vem da família real inglesa, mais concretamente do Príncipe Harry.
O Princípe Harry, depois ter sido submetido durante uma vintena de anos a uma sublime preparação tendo em vista o desempenho potencial de monarca da Coroa Britânica, conseguiu cometer o feito, que apenas está ao alcance dos eleitos pelo divino, de acorrer a uma festa envergando um uniforme nazi e uma braçadeira com a respectiva cruz suástica...
Depois da droga, do álcool, o príncipe remata em grande, insultando de forma execrável, e sem perdão, milhões de súbditos que sofreram as agruras daqueles que envergaram a indumentária que o rapaz pelos vistos tanto aprecia. Imagine-se o que poderia fazer o rapaz se não tivesse sido bafejado por uma educação superior, apenas possível a um grande dignitário da Coroa.

terça-feira, janeiro 11, 2005

A alegria do povo

O futebol é cada vez mais uma actividade pensada a regra e esquadro. Isto é e não é verdade ao mesmo tempo. O erro da contratação de Trapattoni foi ninguém ter percebido que o “seu futebol”, pensado a regra e esquadro, não encaixa no mundo do Benfica. Mesmo que o italiano vencesse, não servia o Benfica. O Benfica cresceu a ganhar e a jogar para a frente. É assim que os adeptos o entendem e é assim que apreciam as exibições da equipa. Um tipo de jogo cobarde - alguns dirão pensado, racional - como o que o Benfica praticou em Alvalade, é insuportável para o adepto do clube. Absolutamente insuportável. Os adeptos do Benfica não vão perder um minuto a protestar contra as sucessivas simulações de Liedson porque a sua ira está voltada contra a cobardia do seu clube, contra aquele número inconcebível de passes laterais, contra os jogadores que abdicam de qualquer ousadia porque têm que defender, de respeitar a táctica do mestre italiano. Jogadores diminuídos, profissionais diminuídos que deviam fazer queixa ao sindicato. Era preferível perder por 7-1 do que fazer um jogo cobarde. É por isso que Camacho deixou saudades. Porque o clube até podia defender mal, cometer erros estúpidos, jogar contra o Inter em San Siro como se estivesse a jogar contra o Alverca na Luz, com os laterais loucos a subirem como extremos, mas ao menos jogava de cabeça erguida, para a frente e marcava golos e rematava e quase sempre foi melhor do que adversário e ainda teve tempo de ganhar ao Mourinho. E Camacho berrava, esbracejava e defendia os seus jogadores. O Sporting mereceu ganhar em Alvalade e devia ter sido por mais.
Trapattoni para perceber o Benfica devia interpretar a relação do adepto com Mantorras. Mantorras é, como indica a expressão que adjectivava o brasileiro Garrincha, a alegria do povo. Bastaram dez minutos e os milhões de benfiquistas estavam dispostos a perdoar todos os disparates anteriores, bastou o angolano, com o seu jeito gingão, o drible rápido, a cabeça dirigida à baliza, a perna pronta a rematar. Mas vá lá o italiano perceber isto.

Futebol Zen

A quem repete constantemente que Mourinho é o melhor treinador do mundo falta a sensibilidade para perscrutar a verdadeira revolução. Arrisco afirmar que Giovanni Trapattoni é o maior génio de futebol de todos os tempos. Ao contrário de Mourinho, que se limita a afinar uma lógica já centenária, o italiano propõe que se olhe o futebol de uma perspectiva completamente diferente. Copérnico pôs a terra a girar à volta do Sol, Marx virou Hegel de cabeça para baixo e Trapattoni inventou um novo futebol. E fê-lo com uma simples frase: “perder não é um mau resultado”. Parece ridículo, mas é extraordinário. Retirando a importância da vitória ao jogo, Trapattoni impõe uma nova lógica ao desporto-rei. Como perder não é um mau resultado deixam de existir maus resultados. É um verdadeiro ovo de Colombo: os adeptos ficam sempre contentes, os jogadores felizes por não serem pressionados, os árbitros deixam de interessar. Fiquem os adversários com as emoções, as tristezas, os vedetismos, os egoísmos. No fundo, é uma espécie de futebol Zen, tudo flui, perder é fixe, somos todos amigos, destrói o teu orgulho, dá cá um bacalhau, passe senhor avançado, atacar para quê, está-se bem, a vida é bela. O Benfica sempre na vanguarda.

Como o vinho do Porto...

Os R.E.M. tocaram em Lisboa, no Pavilhão Atlântico, na noite de 7 de Janeiro. Uma noite fria num reencontro quente com os fãs. De todas as idades. Vi desde crianças de 9 ou 10 anos até homens e mulheres na casa dos quarenta ou cinquenta anos. Os pais levaram os filhos. É lógico. Porque os R.E.M. são daquelas bandas universais e transversais. Agradam a quase toda a gente. Até os que não gostam dizem sempre que há um ou dois temas do seu vasto catálogo que lhes agradam.
O concerto foi bom, muito bom mesmo. Muito melhor do que o de há cinco anos e meio atrás. Mike Mills, Peter Buck e Michael Stipe (um verdadeiro animal de palco) continuam em grande forma e a mostrar o porquê da sua longevidade no sucesso. São como o vinho do Porto. E continuam fortemente empenhados em lutar por um mundo melhor, apesar dos esforços da administração Bush em sentido contrário.
No que à música diz respeito, há dez anos atrás, eu consumia avidamente tudo o que estes simpáticos rapazes de Athens, no estado da Geórgia, produziam. Hoje, mercê da passagem inexorável do tempo, sou um ouvinte mais maduro mas sempre atento. Mas a qualidade continua lá e não engana. Não sou crítico de música nem nunca tive ambição a tal. Sei apenas aquilo que gosto. E eu gostei muito.

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Teté - Uma Mulher em Acção?

A propósito da recente tragédia ocorrida na Ásia, interrogava-me aqui há uns dias acerca do paradeiro das Tetés, Titis e Tótos deste país. Via os Médicos sem Fronteiras, a Cruz Vermelha, a AMI, etc, a voluntariarem-se para se deslocarem de imediato para os funestos locais atingidos e aí prestarem o seu auxílio descomprometido às populações, mas quanto aos mais ilustres defensores da vida humana nesta pátria, um manto cerrado de nuvens cobria a visibilidade da sua acção.
Ainda coloquei como hipótese que os media, no meio da voragem das sucessivas notícias, teriam, inadvertidamente, esquecido de dar cobertura às acções desenvolvidas por tais distintas personalidades em prol daquilo que mais gostam de se apregoar como paladinos, i.e, a vida humana.
Todavia, a julgar por um artigo inserto no “Público” de hoje, as Tétes, as Titis e as Tótos, “Mulheres em Acção” deste Portugal (acção só de nome, pelos vistos...), afinal sempre devem ter ficado cá pela terrinha, a escrever textos para os jornais.
E que textos redigem tão esclarecidas personalidades? Textos sobre a catástrofe natural, a condição humana, as vidas humanas perdidas? Não. Dissertam nacos de prosa maviosa sobre os “valores” em perigo no mundo ocidental, a saber, a família heterossexual monogâmica, a superioridade das religiões monoteístas, designadamente o cristianismo, o divino património judaico-cristão, e claro, a vida humana.
Ela vergasta “o recrudescimento agressivo do laicismo anticristão”, a "recusa da referência ao património cultural judaico-cristão no Preâmbulo do Tratado Constitucional”, “o triste episódio de raiva sectária contra Rocco Buttiglione que não augura nada de bom”, divaga sobre o ódio do PCP e do Bloco às “sociedades democráticas liberais de tipo ocidental”, asseverando que estes dois partidos “não gostam da pessoa humana tal como ela é - acham que o homem e a mulher estão mal feitos”, crítica quem defende “a sacralidade da mãe-terra e os "direitos" dos animais (de todos, menos um).”
Em síntese, a “Mulher em Acção” Alexandra Teté consegue fazer corar de inveja qualquer digno representante inquisitorial do século XVII, pelo rico obscurantismo que povoa aquela mente, pela intolerância fulminante que a caracteriza.
Tão grande é o chorilho de dislates históricos que inundam a escrita daquela moça castrada, que se algum dia quiserem atribuir um nome aos algozes da Modernidade, chamem-lhes Tetés, por elementar justiça.

Quinta das Celebridades

O PSD pensou em colocar como número dois da sua lista do Porto o advogado Pôncio Monteiro. O país conheceu esta personagem num programa de televisão sobre futebol. Neste programa, o amigo Pôncio defendia as suas causas através de argumentos impensáveis, que por serem tão idiotas proporcionavam ao telespectador incrédulo um riso desbragado. Estas características especiais, e o facto do senhor ser adepto do FC Porto, clube com o qual o PSD não está de boas relações, são suficientes para o partido considerar Pôncio Monteiro um homem ideal para servir os cidadãos portugueses e o país. O PSD, depois de muitas congeminações, considerou também que a escritora Margarida Rebelo Pinto daria uma boa deputada. Porventura seria tão boa como o Saramago ou o Lobo Antunes ou aqueles deputados dos grandes partidos que nunca põem os pés na Assembleia. Sabemos, porém, qual a razão que levou Santana a pensar nela. A Margarida rejeitou. Mas Santana que não fique triste, porque a cultura popular portuguesa made in TVI criou dezenas de possíveis parlamentares. Talvez o burro Pavarotti possa ele mesmo liderar uma lista qualquer ou aparecer numa fotografia ao lado do Cavaco.