segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Martina Topley-Bird

Companheira de Tricky desde "Maxinquaye", era ela que se encarregava de suavizar as sonoridades mais cruas do artista britânico. Nesta missão de polimento musical se manteve durante vários anos, até que, em 2003, Martina Topley-Bird publicou o seu primeiro álbum a solo, "Quixotic" de seu nome.
Só agora, por cortesia do camarada João Santos, ouvi o álbum, e o resultado final é francamente de enaltecer. Por entre uma míriade de estilos - do metal à eletrónica, dos blues ao jazz, da soul ao rock- o único elemento transversal de todo o albúm, realmente, é a versátil mas sempre inconfundível presença vocal de Martina.
Ainda que o albúm possa "pecar" um pouco em termos de coesão devido à incursão por estilos tão ecléticos, essa circunstância não deixa de ser um defeito menor quando nos confrontamos perante a qualidade global das canções.
Com Beth Gibbons e Martina Topley-Bird o universo musical de Bristol continua a dizer presente.

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Da politização

O efeitos políticos da Internet não são fáceis de medir. (Continuamos a esperar pela grande obra do camarada Vasco Palouro) Há, no entanto, diversos movimentos digitais extremamente positivos. Tenho recebido vários e-mails, provenientes de círculos que não se confundem com universos educados de classe média ou mundos universitários, mas que normalmente são originários de redes de trabalhadores do terciário, onde se faz um verdadeiro exercício de politização e cidadania. O mais interessante nestes e-mails é o modo como utilizam a informação para explicar de forma simples mas bastante eficaz inúmeros processos quotidianos, como por exemplo a questão fiscal no nosso país (recebi, por exemplo, via um trabalhador de uma conhecida empresa privada, um e-mail com origem na Comissão para a Equidade Fiscal onde, de forma bastante pedagógica, se falava da importância política de pedir um recibo aquando de uma transação). Este tipo de politização é bastante animador. Os seus métodos são em certo sentido contrários a formas de politização que não passam pelo conhecimento sobre os assuntos mas por uma adesão dogmática a slogans e palavras de ordem. Não há actividade política esclarecida sem conhecimento. Infelizmente mesmo alguma esquerda dita moderna e mais viajada utiliza, através de slogans sofisticados, métodos antigos. Continuamos com o mundo dividido primariamente entre os bons e os maus, prosseguem os berreiros estridentes das grandes frases retóricas que não oferecem ao receptor informação sobre os assuntos mas que lhe exigem uma adesão emocional (com alguns casos individuais pelo meio, género noticiário da TVI), que não o tornam capaz de pensar pelas sua própria cabeça e que afastam das boas causas qualquer pessoa com dúvidas sobre o assunto. Por estas e por outras é que os rapazes que foram de extrema-direita e que hoje até são de esquerda são muito menos que os operários que eram de esquerda e que hoje celebram os movimentos racistas e nacionalistas por toda a Europa.

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Dúvida

Passou despercebido nas análises eleitorais, mas a verdade é não foi apenas o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda que viram subir o número de preferências eleitorais, no passado domingo.
O partido Garcia Pereira, vulgo PCTP-MRPP, passou de 36183 votos (0,66%), em 2002, para 47745 (0,84), em 2005.
Sempre gostava de saber destes 47 mil e picos votos, quantos correspondem a séniores que apõem a cruzinha no quadradinho da foice e do martelo do partido Garcia Pereira, pensando que estão a votar no PCP...

Conflito na Terra Santa - Até quando?

Há alguns dias atrás acabei de ler as "Entrevistas no Centro do Mundo", do Henrique Cymerman, jornalista correspondente da SIC que há muitos anos vive em Israel. O livro dá-nos a oportunidade de conhecer os pontos de vista de figuras da esfera política mas também de cidadãos anónimos, de ambos os lados da barricada.

Constatei através da minha leitura que, felizmente, a questão religiosa não é a essencial para todos aqueles que habitam aqueles escassos quilómetros quadrados, excepção feita aos fundamentalistas que existem nos dois lados. Se é verdade que há quem leve o Corão e a Torah demasiado a sério, impedindo que a tolerância pelo próximo possa florescer, também é verdade que há muçulmanos que declaram claramente que não odeiam os israelitas por estes serem judeus, mas sim por estes estarem a ocupar os territórios que habitavam (um dos líderes das Brigadas de Al Aqsa refere inclusivé que não só não odeia os israelitas como até tem amigos em Israel por quem tem muita estima). Da mesma forma, há israelitas que compreendem perfeitamente o drama dos palestinianos.

Pais muçulmanos e pais judeus que perderam filhos em atentados e operações militares, declaram abertamente que não desejam a morte a nenhuma criança, seja de que credo for.

Por um lado é o sinal de que algo poderá efectivamente mudar, embora não saibamos quanto tempo mais teremos de esperar para que a paz se implante de vez no berço das três principais religiões que existem à face da Terra. Quanto tempo mais até haver uma Palestina e um Israel, com fronteiras bem definidas e governos soberanos a coexistirem pacificamente? Em que o Mohamed e o Abraham poderão reunir os seus amigos e, juntos, disputar uma futebolada sem receio de coisa nenhuma?

Ópticas

A história das realidades estatísticas dos resultados eleitorais da Madeira assemelha-se com a história do copo meio cheio ou meio vazio.
Pode o PS ter tido na Madeira o seu pior resultado no todo nacional e o PSD o seu melhor, mas também pode o PS ter tido na Madeira o seu melhor resultado em 30 anos e o PSD o pior, como pode o PS pela primeira vez ter tido o mesmo número de deputados eleitos que o PSD, and so on...

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Fantasias

O Correio da Manhã tem afixado em muitas paragens dos autocarros em Lisboa uns placards publicitários que tentam persuadir os progenitores a adquirirem para os seus rebentos o último brinde que acompanha o respectivo jornal, uma Bíblia em animação, para que assim os pobres pequenos "não acreditem apenas em monstros felpudos”.
Como prova do carácter não-ficcional desta Bíblia, em contraponto com o mundo irreal da fantasia infantil, os anúncios mostram a capa do DVD ou do vídeo que estará à venda, nada mais nada menos do que Moisés com um cajado a dividir o Mar Vermelho ao meio!...

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Eleições III

O positivo nestas eleições foi a rejeição de certo tipo de populismo, do boato, da maledicência, do culto insuportável da personalidade, do aproveitamento religioso etc. Em contrapartida, percebemos que para obter uma maioria absoluta basta apenas ser vago, pouco preciso, e não ter ideias fracturantes, ou mesmo ideias algumas.

Eleições II

Infelizmente não se deve esperar muito da maioria absoluta do PS. É expectável que o Estado seja novamente tomado pelo critério da clientela e não pelo do mérito. Algumas excepções serão animadoras. Aqui e ali teremos um bom ministro, um secretário-de-estado competente, algumas boas medidas. Isso é bom e o PS tem condições de ser melhor que o PSD. No entanto, sem querer pedir emprestada a amargura ao Vasco Pulido Valente, quem conhece a história do país, as suas estruturas profundas e persistentes, não fica muito esperançado. Sabe-se que hoje, as burocracias políticas do PSD e do PS não andam muito longe de olhar o mundo da mesma maneira.

Eleições I

Para manter viva a discussão, de certa forma a essência do Grupo do Pato, avanço com algumas considerações sobre o argumento escolhido pelo PSD para justificar a derrota: a decisão de Jorge Sampaio. Tomar Sampaio como um indivíduo separado do mundo que, por capricho, toma uma decisão não serve de explicação. Há várias forma de perceber a atitude de Sampaio e, porventura, todas elas tiveram o seu peso. Uma primeira parte das próprias explicações por ele avançadas: o governo dava mostras de não conseguir governar. Dissidência interna, má gestão pública de alguns assuntos. Esta foi a explicação pública, de certa forma uma explicação débil. Uma teoria mais conspiratória sugere que Sampaio quis entregar o governo ao seu partido. Mas se foi assim por que não convocar eleições quando Durão Barroso saiu? Porque, dirão alguns, Sampaio escolheu o momento em que o governo de coligação estava mais frágil, ferindo-o de morte. Talvez. Outras razões existiram fora do domínio público. E essas serão, tendo em conta o país em que vivemos, as mais importantes. Falo do que passou no seio de um restrito número de pessoas que gere, nas mais diversas áreas, Portugal. Entre estas pessoas, políticos, banqueiros, empresários, representantes de empresas estrangeiras, o alto funcionalismo público, algum poder local, a comunicação social, e outros interesses corporativos etc, decorreram jantares, reuniões, comunicações telefónicas, etc. De tudo isto resultou a ideia de que o governo de Santana Lopes não estava a funcionar. Esta ideia foi tão forte que mesmo dentro do PSD surgiram inúmeras frentes contra Santana, algo que se revelou fatal para o primeiro-ministro. Claro que os inúmeros interesses intermédios, médias clientelas, não concordaram com o afastamento do PSD do aparelho de estado, maná de tachos e tachinhos. São estes que estão a protestar. Mas outros valores mais altos se levantaram. Quem decidiu que Santana tinha que sair foram os interesses que o PSD sempre defendeu e vai continuar a defender.

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Aí vem a Chuva!

Olho para as previsões meteorológicas do Weather.co.uk para os próximos dias e reparo que Viseu vai fazer finalmente jus ao seu epíteto de "peniquinho do céu" já a partir de amanhã e pelo menos até ao dia 2 de Março.
Note-se que isto acontece logo após o distrito ter quebrado o mito do Cavaquistão ou do Laranjistão! Simples coincidência eleitoral? Não creio.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Palpite

Palpita assim o centro de sondagens de Elephant and Castle.

PS: 42%; PSD: 34%; PP: 8%; CDU: 7.5%; BE: 5%. PCTP: 1.2%, etc
Há ainda que interpretar com atenção os resultados da abstenção e do voto Saramago. A ver.

O Rei do Sinónimo

Quase tão saliente como o excelente resultado que o Benfica alcançou ontem em Krasnodar – desta vez levámos só dois – foi o comentário da RTP. De entre algumas pérolas da banalidade levada a quinta-essência, recordo-me com carinho de uma tirada do distinto comentador (acabei por não conseguir perceber de quem se tratava). Disse então o senhor, reflectindo sobre as dificuldades que o Benfica irá atravessar nos jogos de Março: “Para o Benfica, mais do que decisivo, Março vai ser determinante.” Bonito.

Qual Seinfeld qual carapuça

João César das Neves, dixit, no Independente:
"Hoje temos livros de educação sexual que incitam as crianças do ensino básico à masturbação".
"Com o preservativo a relação sexual passa a ser mesma coisa que comer um pastel de nata".
"A Igreja não condena o presevativo. Condena o deboche".
"Antes da Igreja era o deboche, com regras muito sortidas".
"Estamos a viver os problemas da droga, do suícidio, da desorganização das famílias, do abandono dos mais velhos...Uma enorme quantidade de estudos sociológicos mostram que estão relacionados com a destruição da família e com a sede de prazer!".
...

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

POUS!!!!

É verdade!!! A Carmelinda Pereira tem jovens seguidoras!!!! O POUS tem jovens!!!!

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

O Choque de Civilizações

ATHENS (Reuters) - A clutch of complaints by U.S. viewers that the Athens Olympics opening ceremony featured lewd nudity has incensed the Games chief, who warned American regulators to back off from policing ancient Greek culture.Male nudity, a woman's breast and simulated sex were the subjects of shrill complaints about the opening ceremony on Aug. 13 which were posted by the FCC on its Web site.

"Far from being indecent, the opening ceremonies were beautiful, enlightening, uplifting and enjoyable," Angelopoulos, President ATHENS 2004 Organising Committee for the Olympic Games, wrote in a weekend letter to the Los Angeles Times.

"Greece does not wish to be drawn into an American culture war. Yet that is exactly what is happening," she said.

Complaints focused on a parade of actors portraying naked statues. Among them were the Satyr and the nude Kouros male statues, both emblems of ancient Greece's golden age.

Angelopoulos, who said the handful of U.S. complaints were dwarfed by the 3.9 billion people who watched the ceremony, had a blunt message.

"As Americans surely are aware, there is great hostility in the world today to cultural domination in which a single value system created elsewhere diminishes and degrades local cultures," she said in her letter.

"In this context, it is astonishingly unwise for an agency of the U.S. government to engage in an investigation that could label a presentation of the Greek origins of civilization as unfit for television viewing."

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

100 anos de luto

Um dia e pouco. Facam-se cem anos de luto, adiem-se as eleicoes e entregue-se o rectangulo a um comissao administrativa chefiada pelo Valentim Loureiro e o padre Melicias. Depois do pais estar em ordem restauramos a monarquia e invadimos Ceuta. Ta feito. Viva a irma Lucia, que tanto deu ao nosso pais. Amen.

A Irmã Lúcia

A melhor prova de que não está a haver aproveitamento político foi dada por Santana Lapes, ontem à noite, em declarações à Radio Renascença:
"Estive há meia hora a falar sobre ela", foi "a última conversa que tive antes de vir para aqui", disse Santana Lopes à saída de um comício em Guimarães.
Depois de Portas aparecer em público com os olhos lacrimejantes, Santana remata desta maneira sublime só ao alcance de uns poucos predestinados...

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Assim se vê a força do PP

Tem sido quase unanimemente reconhecido que esta campanha eleitoral tem proporcionado como nunca antes momentos inolvidáveis de galhofa. O ritmo das estultices, sejam em cartazes, em frases proferidas nos comícios, nas aparições televisivas dos candidatos, nas poses de estado forçadas, etc, etc., é tão elevado que somos virtualmente ultrapassados por elas.
Por isso vou agora apenas aqui falar do mais recente momento de assombro a que fui acometido nesta campanha e que tem como seu autor, sem espanto, um putativo candidato a ministro de um elenco governativo chefiado pelo PP, Pires de Lima de seu nome.
Primeiro, certamente inspirado no apelo à sublevação popular das gentes de Coimbra e ao fecho dos portões da cidade defendido por um seu colega de partido na passada semana, considerou que o PP é o partido revolucionário do século XXI! Bem que me tinha parecido que o tinha visto a ele e ao seu presidente de partido na semana passada no Porto a cantar alegremente o clássico slogan do PCP, adaptado agora por estes novos revolucionários, para “Assim se vê a força do PP”.
Logo de seguida, veio opinar que a causa dos salários baixos dos trabalhadores portugueses deve ser imputada às forças de esquerda do PREC. Só para confirmar esta asserção (a minha memória podia já não ser o que era...) fui ao site da CNE para verificar a vigência governativa destas obscurantistas forças ao longo da história da democracia portuguesa.
Segundo o CNE, que pode estar a desvirtuar a verdade, a maior parcela de tempo da democracia portuguesa passou-se sob a vigência governativa de partidos de direita, incluindo o CDS/PP do doutor Pires de Lima, que formou a AD no governo entre 79 e 83 e depois entre 2002 e 2004, quando esteve coligado com o PSD.
Mas concerteza, a julgar pelo vice do PP, que tais partidos não devem ter responsabilidade nenhuma no panorama reinante, no que diz respeito aos baixos salários dos trabalhadores portugueses, pois a culpa aqui morre solteira com as forças do PREC...

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Just do it

Gary Neville pôs o dedo na ferida. O defesa do Manchester United desconfia que a campanha anti-racismo que caracterizou os jogos entre selecções que ontem tiveram lugar por toda a Europa foi, mais do que outra coisa qualquer, um inteligente golpe publicitário. A Nike, à custa de uma ideia e umas quantas camisolas, conseguiu publicidade gratuita em milhares de meios de comunicação social. Dirão os mais cépticos em relação a este argumento: mas será que não é possível que uma multinacional tenha princípios humanistas independentes do lucro imediato? A verdade é que o resultado positivo nas mentes adequa-se bem ao resultado positivo no balanço da contabilidade. Lembrei-me do documentário que Mariana Otero realizou sobre a SIC. Numa reunião de direcção a que a realizadora teve acesso, Rangel idealizava a relação produtiva entre os telejornais do operador televisivo e um conjunto de notícias sobre a luta contra o cancro. O cancro vendia, argumentava Rangel

Os clientes

Os distraídos que continuam a acreditar que o ensino universitário é um mundo definido pela transmissão desinteressada dos saberes deveriam passar os olhos por um artigo que o Guardian publicou nesta última segunda-feira (que encontrarão com facilidade na edição on-line do diário inglês). As universidades inglesas recebem por ano 300 mil estudantes estrangeiros, parte considerável oriunda de países de fora da União Europeia. O contingente estrangeiro permeia a economia inglesa com 5 biliões de libras por ano. Como devem imaginar este tipo de «emigrantes» é bem-vindo por cá. Afortunados árabes, japoneses, malaios, tailandeses, coreanos, africanos e, acima de tudo, chineses, enviam os filhos para «o centro do mundo» e pagam três a quatro vezes mais propinas que alunos ingleses e de outros países da União Europeia. Os reitores das faculdades preparam-se para reduzir as vagas destinadas aos alunos locais em detrimento dos rebentos das referidas fortunas internacionais. Argumentam eles que o ambiente multicultural e cosmopolita é muito positivo e que todos têm aprendido imenso com a experiência. Claro que aos ingleses, além da experiência e das loas ao multiculturalismo, também agradam as propinas, o alojamento, e todo o dinheiro que, indirectamente, é investido na economia: transportes, comunicações, alimentação, industrias culturais, etc. Diga-se que os ingleses têm apenas 23% do comércio da educação na sua língua. Os americanos dominam 58% do mercado. Se é certo que as universidades, nomeadamente as mais prestigiadas, são espaços multiculturais, não é menos real que são lugares extremamente homogéneos em relação à origem social dos alunos, mundos de classe média e média alta, para não falar de algumas fortunas inacreditáveis. Perante este contexto de comercialização do ensino, os critérios de selecção dos alunos são muito frágeis e o mérito é cada vez mais o do extracto bancário. A universidade é uma indústria e os alunos, os que podem claro, os seus clientes.

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

O Código Da Vinci à lupa

Durante duas horas de documentário, o já aqui aclamado Tony Robinson, procedeu, para desgosto de livrarias e editores, a uma análise precisa do maior best-seller dos nossos tempos: o Código da Vinci, escrito por Dan Brown. O método foi simples: Robinson isolou os mais importantes argumentos do livro e resolveu testar a sua verosimilhança. O resultado foi um divertido desfilar de bengaladas que, peça por peça, foi derrubando a trama de Brown até nada restar de pé. Como Robinson acabou por aconselhar, quem desejar uma abordagem surreal à lenda do cálice sagrado fica melhor servido com o exercício cinematográfico dos Monty Phyton sobre o tema. O documentário começou com uma afirmação do próprio Dan Brown – que parece um daqueles senhores que vendem máquinas para os abdominais no teleshop às três da manhã – asseverando que o seu livro se baseava em evidências históricas. Pois bem, desde o facto de provar não existirem registos da existência de um qualquer enigma original envolvendo o cálice, problema que só terá nascido numa ficção no século XI, tornando-se tema literário, até à desmontagem de fantasias sobre a acção de grupos e seitas religiosas, um deles, o Priorado do Sião, que foi inventado nos anos sessenta por alguém que também queria vender livros, passando pela exclamação quanto às explicações imaginativas de quadros do Da Vinci, o documentário é claro quanto ao excesso de interpretação do livro de Brown. Sobra a dúvida, embora sustentada por outras fontes, do possível papel de Maria Madalena na história da cristandade e da possível omissão de textos sagrados pela hierarquia da igreja católica. Não li o livro de Brown nem pretendo avaliar o seu talento. Acho, porém, que tratando-se de uma ficção, a obra não está sujeita a qualquer tipo de constrangimento, podendo o autor dizer o que bem quiser e entender. O problema reside no facto de a obra estar a ser vendida e consumida como uma verdade histórica minimamente sustentada. Neste aspecto, Brown é um vendedor de banha da cobra que se limitou a romancear um livro do princípio dos anos oitenta (Holy grail, Holy blood) onde a tese foi arquitectada por dois aldrabões que também podiam estar vender máquinas para os abdominais. O autor utilizou a história – que lembre-se é uma ciência empírica que exige fiabilidade nas provas e nas fontes - como Paulo Coelho cozinha a sua psicologia barata com o esoterismo e o misticismo, sustentando assim uma indústria. Ficção por ficção, prefiro a Bíblia.

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Liga dos Últimos

Já aqui me referi, há algum tempo, a um dos exemplos de excelência e vanguarda televisiva transmitido pela RTPN, de seu nome “Na Roça com os Tachos”. No entanto, seria injusto deixar passar em claro e não fazer qualquer referência a outros dos expoentes da pantalha televisiva, também ele emitido pela mesma estação, o programa desportivo “Liga dos Últimos”.
Dedicado ao futebol amador, o programa focaliza a sua atenção nos últimos classificados dos campeonatos das divisões mais distantes da Superliga, ou seja, no Baguim do Monte, no Montezelos, no Lamas, no Arguedeira, no Nespereira, no Minhocas, entre muitas outras nobres agremiações desportivas.
Ontem, um dos destaques foi para o derby gondomarense, Montezelo vs Baguim do Monte, respectivamente penúltimo e último classificados da campeonato da 3ª divisão distrital do Porto.
Disputado num pelado marciano, debaixo de uma forte ventania, na reportagem efectuada a este derby tivemos oportunidade de deslindar o complexo processo de tomada de decisões ao nível da equipa técnica, através de momentos únicos, como aquele em que o Técnico Adjunto do Montezelos ordenava ao jogador Nuno para avançar rapidamente no terreno e o Técnico Principal ao lado pedia ao Nuno para ter calma...
Também ao nível directivo ali apercebemo-nos que a comunicação de uma Direcção com os associados ocorre muitas vezes com ruído. Assim se explica a divergência dos adeptos do Montezelos acerca da profundidade do furo hertziano mandado construir pela Direcção para aplacar as nuvens de pó que assolam o pelado terreno de jogo, sempre que o vento se levanta para aqueles lados. 22 metros dizia um adepto, 58 metros asseverava outro, 98 corrigia o terceiro. Por fim, o Presidente lá informou que o furo chegava aos 108 metros, tinha custado 500 contos, mas ainda precisavam de uma bomba de água para elevá-la até à superfície.
No que diz respeito ao processo de explanação táctica, em nenhum lado como ali é possível ver tão claramente um treinador a gritar para os pupilos ao intervalo, na cabine, que o empate, ainda por cima com aquela equipa do Montezelos era uma vergonha para todos, carago, incluindo para ele próprio. Ironia das ironias, o Montezelos, na segunda parte, mesmo reduzido a 9 briosos jogadores conseguiu aguentar o empate a uma bola!
Se a essência do futebol mora em algum lado, é ali naqueles pelados marcianos como o do Montezelos. É mantida por jogadores e dirigentes que se movem apenas e exclusivamente por amor ao jogo e aos clubes, e que não se dobram nem quebram perante as adversidades. Como dizia o Presidente do Lamas de Macedo de Cavaleiros: “Aqui a gente nunca desiste, até já vamos em penúltimo!”