O cenário “arrasador” das escolas traçado pela Ministra da Educação acerca da orientação para o sucesso que elas vertem nas suas práticas de organização, só surpreende quem tem estado completamente desatento ou involuntariamente mal-informado do modo de funcionamento de muitas escolas.
A imagem idealista da escola como instância equalizadora de oportunidades sociais, e por conseguinte, mecanismo nivelador das desigualdades sociais, económicas e culturais herdadas, não conseguiu ainda arrancar na maioria das vezes do papel, em Portugal.
Pese embora a melhoria indiscutível do panorama educativo ao longo das últimas décadas, traduzida em indicadores como as taxas de escolaridade da população e de abandono escolar, continuam a permanecer práticas e comportamentos ao nível da sua organização que obstaculizam a sua assumpção plena em termos do cumprimento da sua missão de cidadania.
Um dos principais, senão mesmo o principal escolho nesta matéria, foi agora ventilado, por fim, por alguém com funções ministeriais: a “distinção” social, económica e cultural de muitos alunos exercida pela Escola.
Essa “distinção” vai no sentido de ser assegurada uma homogamia das condições materiais de existência, no que diz respeito à configuração das turmas e aos horários atribuídos. Estudantes com capitais similares são agrupados em turmas quase estanques ao longo do percurso escolar, beneficiam de horários compatíveis com a abertura de um campo de possibilidades de estudo que se estende para além daquele que é definido pela escola, e, numa relação dialética de interesse comum, são tutelados pelos professores mais experientes, os quais por sua vez fazem recair a sua preferência lectiva, na altura do “desenho” das turmas, naquelas que lhes asseguram uma actividade lectiva mais direccionada para o seu focus de actividade e menos para questões estudantis mais problemáticas e que extravasam a realidade escolar mais concreta.
O resultado destas práticas generalizadas tendentes a estigmatizar os alunos menos habilitados em matéria de status herdado, traduz-se, inevitavelmente, na reprodução social caucionada e legitimada pela Escola, ou seja, na inversão daquilo que seria a sua função enquanto instância suprema de equalização de oportunidades.
Daí não perceber o espanto dos professores quando a ministra tocou por fim na ferida... Quem lá anda e quem lá andou, como eu, e não há muito tempo, facilmente se apercebe de que o cenário “arrasador” posto a descoberto pela ministra, limita-se a revelar um fundo de verdade inegável, infelizmente para prejuízo de muitos alunos, que vêem assim o futuro cerceado pelo usufruto de condições escolares desiguais.