Existindo há uns bons séculos os muçulmanos foram dramaticamente reinventados nas últimas duas décadas. Antigamente os muçulmanos eram designados de forma diferente. Havia os regimes amigos a quem se podia vender armas porque tinham uma posição estratégica, como o Iraque de Saddam, ou os regimes perigosos, focos de potenciais comunismos, como O Egipto de Nasser ou a Síria ou mesmo na altura o Afeganistão. É certo que a revolução islâmica no Irão lembrou que havia muçulmanos, mas quem se lembrava da religião quando o mundo era disputado, território a território, entre dois tabuleiros políticos. Mesmo o conflito entre Israel e a Palestina era, antes de tudo, político, ou se quisermos, geo-estratégico. Hoje as divisões políticas parecem pouco importantes, trata-se, como advogam os grandes defensores do factor de explicação cultural/religioso, de uma batalha entre civilizações. É certo que esta visão implica uma amnésia em relação certas amizades, a mais evidente das quais a da Arábia Saudita. O quadro cultural/religioso redefiniu a representação do mapa mundo, com algumas limitações, substituindo o proeminente quadro político/económico. Mas não o fez apenas a um nível macro-estrutural. No que respeita a indivíduos com determinada origem nacional, como se passa neste momento em França, eles deixaram de ser operários, agricultores, desempregados, consumidores de bens e serviços ou mesmo cidadãos, para passarem a ser muçulmanos. Do outro lado da barreira estão os ocidentais, também eles violentamente uniformizados.
Antes da queda do muro de Berlim ser muçulmano era uma coisa diferente. O império soviético veio dar lugar, nas imaginações do "ocidente", ao império muçulmano. O hiper-racionalizado Homem soviético, frito e falho de emoções, veio dar lugar ao irracionalismo religioso do barbudo bombista suicida. E é assim que nos vão contando histórias.