terça-feira, novembro 29, 2005

Chef

O indivíduo entrava nas habitações, durante a noite e, quase como ponto de honra, "matava a fome". Não raras ocasiões, de acordo com as autoridades, terá mesmo ido a ponto de confeccionar as refeições, usando os ingredientes e a cozinha alheios. Depois de alimentado, "aproveitava" para assaltar essas mesmas residências, levando tudo quanto pudesse e lhe parecesse valioso.

Com a carência de "chefs" no país capazes de aguçar o paladar dos portugueses a preços em conta, aprisionar versáteis cozinheiros não creio que seja a solução. O homem ainda por cima "limpava" tachos, panelas e muitos outros objectos de cozinha que o comum dos mortais não tem paciência para limpar e desengordurar no final das refeições...Gente mal agradecida é o que é.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Guns of Brixton

Os defensores da excelência do modelo de integração britânico sofrem de amnésia histórica e quando falam da excelência de Londres é porque nunca foram muito para sul do Tamisa. Independentemente da origem cultural, como agora se diz, basta um desemprego alto e a usual discriminação racial para inflamar a situação. Em 1981, quando o sul de Londres explodiu, a multidão foi apelidada de "black crowd". Não houve grande conversa sobre a origem religiosa ou mesmo cultural dos que protestaram, filhos e netos de jamaicanos, nigerianos e de outras proveniências. O relatório oficial falava de "serious social and economic problems affecting Britain's inner cities" e ainda de "racial disadvantage that is a fact of British life". Nem sombra do grande satã muçulmano. Os The Clash escreveram sobre Brixton. Seguem as primeiras estrofes.

Guns of Brixton

When they kick at your front door
How you gonna come?
With your hands on your head
Or on the trigger of your gun

When the law break in
How you gonna go?
Shot down on the pavement
Or waiting on death row

You can crush us
You can bruise us
But you'll have to answer to
Oh, the guns of Brixton

terça-feira, novembro 15, 2005

Ainda as culturas

Por alturas em que o "Público" tomou a iniciativa de fechar grande parte dos seus conteúdos on-line a todos aqueles que não aderissem à assinatura mensal paga, levantou-se uma onda de cizânia aqui no ciberespaço. Inclusivé, à data, tive oportunidade de deixar aqui umas palavras de forte desconfiança quanto ao sucesso da operação.
Devido às características da génese da criação da Internet e do caldo de culturas que desde o início lhe deram forma e nela estão enraízadas, pareceu-me que seria uma iniciativa condenado ao fracasso.
A Internet foi moldada desde cedo, entre outras, pela cultura hacker, que, ao contrário da imagem tradicionalmente veiculada pelos media, valoriza os quadros informais de transmissão gratuita da informação, a livre partilha da descoberta e a cooperação em rede.
Obviamente, este modus de acção está nos antípodas da iniciativa do "Público", que apostou no custeamento do acesso à informação. Até hoje, que eu tenha conhecimento, o jornal nunca deu a conhecer o state of art da sua iniciativa. Contudo, a julgar pelos indicadores apurados recentemente por uma empresas de sondagens sobre a Web, o panorama não deve ser muito risonho quanto ao número de adesões à assinatura paga da edição on-line...
A confirmar-se esta tendência (tudo o leva a crer) na assinatura do "Público on-line", não deixa de ser uma pena que o seu director, actualmente tão envolto na destrinça das questões culturais, tenha descurado uma análise mais aprofundada da(s) cultura(s) da Internet...

segunda-feira, novembro 14, 2005

O último e mais esperado candidato

A coisa está ainda no começo mas uma onda imparável poderá varrer as próximas eleições. Vieira is back.
www.vieira2006.com

quinta-feira, novembro 10, 2005

A "invenção" dos muçulmanos

Existindo há uns bons séculos os muçulmanos foram dramaticamente reinventados nas últimas duas décadas. Antigamente os muçulmanos eram designados de forma diferente. Havia os regimes amigos a quem se podia vender armas porque tinham uma posição estratégica, como o Iraque de Saddam, ou os regimes perigosos, focos de potenciais comunismos, como O Egipto de Nasser ou a Síria ou mesmo na altura o Afeganistão. É certo que a revolução islâmica no Irão lembrou que havia muçulmanos, mas quem se lembrava da religião quando o mundo era disputado, território a território, entre dois tabuleiros políticos. Mesmo o conflito entre Israel e a Palestina era, antes de tudo, político, ou se quisermos, geo-estratégico. Hoje as divisões políticas parecem pouco importantes, trata-se, como advogam os grandes defensores do factor de explicação cultural/religioso, de uma batalha entre civilizações. É certo que esta visão implica uma amnésia em relação certas amizades, a mais evidente das quais a da Arábia Saudita. O quadro cultural/religioso redefiniu a representação do mapa mundo, com algumas limitações, substituindo o proeminente quadro político/económico. Mas não o fez apenas a um nível macro-estrutural. No que respeita a indivíduos com determinada origem nacional, como se passa neste momento em França, eles deixaram de ser operários, agricultores, desempregados, consumidores de bens e serviços ou mesmo cidadãos, para passarem a ser muçulmanos. Do outro lado da barreira estão os ocidentais, também eles violentamente uniformizados.
Antes da queda do muro de Berlim ser muçulmano era uma coisa diferente. O império soviético veio dar lugar, nas imaginações do "ocidente", ao império muçulmano. O hiper-racionalizado Homem soviético, frito e falho de emoções, veio dar lugar ao irracionalismo religioso do barbudo bombista suicida. E é assim que nos vão contando histórias.

Cromos da Bola

Não tenho por hábito deixar aqui referências de outros blogs. Mas como a regra comporta por vezes a excepção, ainda para mais somos portugueses, e esse arrojo transgressor faz parte do nosso ethos, vou aproveitar para habilitar todos aqueles que assim o queiram com a possibilidade de arrematar o prémio de uma nostálgica e bem disposta viagem às memórias do nosso desporto-rei.
Cromos da Bola, assim se chama o blog no qual dei por mim a reviver lembranças de antigas "glórias do futebol português", sob o patrocínio de espirituosos textos de dissertação a acompanhar. Desde Eskilsson a Zé d'Angola, de Bandeirinha a Folha, de Vata a Vlk, passando por já vetustos players do saudoso Académico de Viseu, como o inquebrável defesa jugoslavo Mirko Soc ou o prolífico avançado brasileiro Marcelo Sofia, sósia de Lionel Richie para os autores do texto, diversas são as referências que nos fazem sorrir acerca de personagens "clássicas" que fizeram história, nem que tenha sido apenas com letra pequena e deixaram recordações a somente alguns, no futebol português.
Eis os cromos da bola

terça-feira, novembro 08, 2005

O Estúpido

O director do jornal Público escreveu hoje, a propósito dos acontecimentos em França, um editorial intitulado, Não é o social, estúpido: é a cultura. Enfiei o barrete. Sou precisamente desses estúpidos que, considerando a importância de algumas variáveis culturais, atribuo ao que Fernandes chama de "social" a origem do sucedido. Gostava de argumentar que o estúpido é ele. Confesso, porém, que não o acho estúpido, mas simplesmente perigoso. Atribuir a manifestações violentas uma origem cultural é absurdo. Claro que Fernandes, como outros, não diz isto directamente, eufemiza a questão, fala das dificuldades de integração, mascara um discurso que, sem máscara, quer fazer regressar a ideia de combate civilizacional. Eles são muçulmanos, emigrantes de segunda geração, mas nunca "franceses" socializados na sociedade francesa. O seu problema é que não se conseguem adaptar à "nossa cultura". As culturas tornam-se assim dois blocos unificados, sem fracturas, apenas intermutáveis quando eles, os outros, abdicam do que é seu e se integram. A coisa lembra um pouco as políticas coloniais de assimilação. Esta abdicação implica, se não formos hipócritas como Fernandes, aceitar a vida sem futuro das classes baixas ocidentais, acrescentando-se a isso o estigma proveniente da discriminação de origem cultural. Mas a questão da cultura não resiste a análise mais atenta. Desde logo, pelas informações mais cuidadas, se percebe que não se tratam em grande parte de jovens muçulmanos, que nem todos são de origem emigrante e que o que realmente partilham é o subúrbio francês, esse espaço de desemprego, esse espaço que o Estado abandonou aos poucos. O discurso da "cultura" mascara o discurso da "classe". Não que a classe resolva tudo. Há variáveis culturais e mesmo geracionais que interessa observar, mas a origem de classe é factor determinante. O que sucede, tal como acontece nos Estados Unidos, é que em certas áreas urbanas a classe etnicizou-se.
O discurso de Fernandes é perigoso socialmente porque a "cultura" não é mais do que uma forma sofisticada de regressarmos ao racismo mais primário e à ideia de que os Homens não depende das condições em que são criados mas de uma qualquer essência cultural que, note-se, nunca é explicada senão através de um conjunto de estereótipos ignorantes sobre o "outro".
Mas a grande discussão por detrás da "cultura" é claramente económica. Atribuindo à cultura a responsabilidade de muitos problemas quotidianos, anula-se qualquer ideia de repensar os serviços sociais do Estado. Ao Estado, deste modo, cabe defender a "boa cultura", o que implica quase sempre a lei e a ordem. Não tendo os problemas uma origem social não há razão para parar a progressiva erosão da participação do Estado social na vida dos cidadãos.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Paris

Os senhores que controlam a economia do mundo e seus modelos dominantes deviam olhar para a história e começar rapidamente a acabar com a conversa sobre o colapso do Estado Social e de suas instituições. Se não o fizerem, pode ser que a coisa comece aos poucos a correr realmente mal. Nisto, os franceses costumam ter algum pioneirismo. É esperar.

Karagounis

Jornalistas e comentadores de futebol esquecem-se por vezes do poder que têm como intermediários da informação sobre o jogo para um público vasto. Partindo muitas vezes da sua ignorância crassa sobre os fundamentos do jogo, proferem sentenças sobre jogador A ou jogador B, arriscam interpretações sobre o modo como jogam as equipas e sobre as opções dos treinadores e as exibições dos árbitros. Muitos vezes terão razão, mas há outras em que não têm. Discordo quase totalmente do que se tem dito sobre o jogador do Benfica Karagounis. Embora esteja fora de forma física e por vezes faça uma finta a mais, Karagounis é dos poucos jogadores que levanta a cabeça para analisar o espaço, que hesita antes de passar porque quer fazer a melhor opção, que ataca os jogadores contrários de frente e que faz quebras de movimento que abrem espaços e confundem os adversários. Neste aspecto é um jogador raro. Há o perigo, já evidenciado no estádio da Luz, do jogador ser queimado pelo público, como muitos já foram, e como outros, como Geovanni ou João Pereira, estão a ser. Se os jornalistas e comentadores continuam a incendiar os espectadores não faltará tempo para que a vida de Karagounis se torne um inferno. Infelizmente, por ignorância.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Riquelme

Na ressaca da derrota, entre o desgosto do resultado e a má exibição do Benfica, que nunca conseguiu encaixar no esquema dinâmico do adversário, resta a alegria de ver jogar Riquelme, o argentino do Villareal . Atleta estranho, atípico nos tempo que correm, sem a competitividade de um campeão, algo lento, Riquelme olha o jogo de cima, diverte-se a fazer passes difíceis, gosta de adornar as jogadas, de executar mais uma finta, de provocar os adversários com a sua imbatível destreza técnica, de tocar na bola e de dançar como ela como poucos conseguem. Um número dez numa altura em que vão rareando. Não é, obviamente, o mestre Diego, mas tivemos um cheirinho.