O Portugal real deu lugar ao Portugal virtual. Os técnicos de marketing juntaram-se às elites políticas e económicas e até mesmo a algumas personalidades da cultura nacional (veja-se o concurso promovido pelo Instituto das Artes para projectos sobre o futebol) para criar uma grande montra. Esta montra, última de uma série recente, dá pelo nome de Euro 2004. Desenganem-se aqueles que pensam que o Euro 2004 é um simples campeonato de futebol entre nações europeias. O evento é a última encenação de um país que não existe. Os que pensaram esta encenação pedem, todos os dias, pelas mais variadas formas, a colaboração do povo. O desígnio nacional serve para mostrar à Europa e ao Mundo quão capazes somos, mas também, claro, para sacar uns cobres. O portuguesinho, tão bem descrito em vários anúncios de televisão, está cá para receber o turista, sorrir subservientemente, aturar os holigans com complacência e sacar algum. Fomos todos convocados a receber convenientemente: os portugueses ricos, os pobres, os empregados, os desempregados, os que pagam impostos os que não pagam impostos, os velhotes, as criancinhas. Todos unidos na grande encenação.
Mas claro que nem todos os actores são perfeitos. Há uns malandros, evidentemente traidores à pátria, que acham que esta encenação é uma treta e que a pátria que são obrigados a amar sem condição não é representada por onze marmanjos a correr atrás de uma bola, mas pelos salários e as pensões mais miseráveis da Europa, os níveis educativos mais vergonhosos, o poder central e local mais corrupto, as elites mais tontas do hemisfério norte. É por este país que somos obrigados a actuar no palco do grande evento, nesta montra organizada pelos madaís e pelos arnauts desta terra, versões engravatadas de caciques como o Ferreira Torres. Como dizia uma personagem do Cardoso Pires, isto não é um país é um lugar mal frequentado.