quarta-feira, junho 01, 2005

Sô Nicolau

Desde há longos anos é uma aparição nocturna habitual na Estrada Nacional 337/1. Não é um vulto estranho naquele período, pois que a sua actividade profissional exige que ele se faça à estrada durante a noite. Padeiro há muito anos, o Sô Nicolau pedala diariamente, pelas bordas do alcatrão, uns bons quilómetros na sua eterna e inconfundível bicicleta amarela, desde a aldeia de Tondelinha até Viseu, ainda que perigosamente o faça sem iluminação no seu veículo...
É um percurso relativamente sinuoso, com um subida considerável quando se vai em direcção a Viseu, mas quando a força para pedalar esmorece o Sô Nicolau continua sempre, caminhando e levando a bicicleta à mão, à chuva, ao frio ou ao calor. Se há algo que não se pode acusar o Sô Nicolau é de fazer gazeta aos seus compromissos profissionais.
Para sempre marcado por uma doença que em criança o atacou (consta que terá sido a meningite) e que nele deixou sequelas permanentes, o Sô Nicolau precocemente viu morrer o seu pai, ficando a cargo da mãe até à falecimento desta. Com o desaparecimento da progenitora, o Sô Nicolau ficou entregue a si próprio numa época em que o apoio e a assistência médica e material eram um privilégio ao qual a sua condição social não permitia aspirar.
Alguém que acreditou na sua capacidade, não obstante a perda de faculdades mentais que assolou o Sô Nicolau após a doença, empregou-o como padeiro. Até hoje, continua a abraçar a mesma profissão que o ocupa na maior parte do tempo, seja na actividade propriamente dita, seja nos tempos de deslocação para o local de trabalho. O resto do seu tempo é passado em confraternização com os seus conterrâneos e cumprindo rigorosamente dois rituais, que, passe o pleonasmo, são o pão de muitos dos seus dia-a-dias:
Marcar presença em todos os funerais de da freguesia, ainda que o faça, por vezes, com alguns minutos de atraso, que o obrigam a acelerar vertiginosamente a velocidade com que se desloca, proporcionando a execução de manobras na bicicleta somente ao alcance de poucos, cabriolando por entre magotes de pessoas e fazendo rápidos piões para saltar da bicicleta em movimento e assim mais rapidamente chegar à Igreja, e vestir o seu fato domingueiro no respectivo dia.