terça-feira, junho 14, 2005

Sobre Álvaro Cunhal

Nos discursos produzidos acerca de Álvaro Cunhal nestas horas após a sua morte nos e pelos media, principalmente por figuras políticas mais ou menos relevantes e pelos agentes dos media, continuam a ser visíveis as marcas da discórdia que a figura de Cunhal foi despertando ao longo dos anos.
Personalidade controversa, não imune a muitas críticas sobre determinados posicionamentos políticos, que, do meu ponto de vista são justas e precisas, entendo que não deve ser na sua morte que se deve vedar a capacidade crítica dos outros se pronunciarem sobre a sua pessoa.
Mas a condição individual de se poder exercer o direito à palavra, em frente a um microfone, num ecrã televisivo ou nas páginas de um jornal, para se apontar o dedo a alguém, atribuindo-lhe acções nefastas e perversas para um determinado processo, deveria pressupor duas obrigações éticas:
- a primeira, pressupõe que cada indivíduo, antes de verberar outro indivíduo, fizesse um juízo pessoal de auto-consciência acerca do seu papel pessoal na situação que critica;
- a segunda, que se tivesse presente na memória toda a cronologia desse alguém, de molde a erradicar selectivivades temporais e comportamentais.
São estes dois preceitos que algumas pessoas não têm tido presente quando se abalançam a tecer comentários acintosos sobre a figura de Álvaro Cunhal. Quando elas invocam unicamente a predisposição do histórico líder comunista no período do PREC para a abolição dos direitos, liberdades e garantias do povo português, devem elas julgar-se a si próprias sobre o comportamento por que se pautaram no passado, porque muitas delas já eram bem crescidinhas no Antigo Regime, e portanto conheciam a "massa" de que este era feito.
Se há julgamento maniqueísta que pode ser feito com à vontade, certamente que deve ser sobre a posição, a atitude e o comportamento individual exercido durante a mais longa ditadura da história nas sociedades ocidentais.
Aí, Cunhal, tem as costas muito largas, como muitos anónimos neste país. Lutou e combateu incansavelmente um regime predador, como nenhum outro na história deste país, dos tais direitos, liberdades e garantias. Arriscou a vida inúmeras vezes e pagou um preço muito caro durante mais de uma década, em que esteve aprisionado.
Ao invés, a História não reconhece aos Ribeiros e Castros e às Marias Josés Nogueira Pintos, a miníma atitude contestária ao regime fascista português. Se a ele se opuseram alguma vez, fizeram-no sentados de poltrona, certamente...
A análise histórica dos acontecimentos, dos factos ou das pessoas postula uma observação diacrónica e total, para não ferir de morte a legitimidade de quem a produz. Relevar no passado apenas aquilo que mais nos convém, ao sabor das conveniências pessoais, além de intelectualmente desonesto, contraria o velho ditado de atribuir a "César o que é de César". E a Álvaro Cunhal não devem ser colados apenas os aspectos mais justamente criticáveis, mas igualmente o papel ímpar e incontornável para que hoje os indispensáveis direitos, liberdades e garantias, estejam constitucionalmente consignados em Portugal.
Felizmente, a maioria dos portugueses, sendo comunista ou não, reconhece justiça a quem a merece.