terça-feira, agosto 31, 2004

A oriente tudo de novo

Tenho partilhado a minha condição de estudante no Reino Unido com uma vasta comunidade oriental. Chineses, japoneses, coreanos, tailandeses, etc Temo-nos dado bem e uma japonesa chegou mesmo a dizer-me que eu era parecido com o primo dela, mas para não me preocupar – como se uma comparação com um oriental fosse uma espécie de ofensa. Entre japoneses mais sofisticados e chineses mais tímidos uma coisa em comum: a obsessão com o ocidente e, especialmente, com o american way of life. A China é um caso particularmente interessante. As roupas, as marcas, os gestos, as séries de televisão, o cinema, os carros, são ambicionados por milhões de chineses (muitos milhões digamos). A grande maioria dos chineses que frequentam a SOAS estão a expensas das famílias. Estamos a falar de quase três mil contos por ano de propinas mais os custos da habitação, alimentação, etc. Asseverou-me o chinês que já há muita gente na China a poder pagar tais quantias. As universidades britânicas agradecem.

Portugal Olímpico

Tenho à minha frente o quadro completo das medalhas atribuídas nos jogos olímpicos de Atenas. Portugal situa-se no 61.º lugar entre os setenta e cinco países que ganharam alguma coisa. A equipa nacional alcançou duas medalhas de prata e uma de bronze. Destas, apenas a última me parece poder ser considerada o resultado de um qualquer investimento estrutural. Rui Silva é há muito um valor evidente e, embora não se esperasse dele uma medalha, sabia-se que poderia fazer um bom resultado. O feito de Sérgio Paulinho, sem lhe tirar o mérito, muito dificilmente se voltará a repetir. Foi, de certa forma, um feliz acaso. Francis Obikwelu é um nigeriano que treina em Espanha e que Portugal, e muito bem, acolheu na sua equipa. É fantástico o que fez, mas não se pode considerar o produto da política desportiva do país. Não é preciso recorrer ao quadro de medalhas para perceber o desastre que é a actividade desportiva em Portugal. No país do futebol fala-se muito e pratica-se pouco. Agitam-se bandeirinhas pela pátria mas não se percebe quão efémeras são as conquistas do futebol face à fragilidade de tudo o resto. É certo que as medalhas não são o único, sem sequer o melhor, critério de avaliação da saúde desportiva de uma população. Mas basta ouvir as queixas de atletas, nadadores, judocas, velejadores, corredores, etc, para perceber que o que fazem é quase sempre muito mais do que tinham que fazer. É nestas ocasiões que os argumentos esgrimidos por aqueles que lutaram contra o “país dos dez estádios” parecem realmente válidos.

quinta-feira, agosto 26, 2004

(IV) Madeira - Agosto 2004

Enquanto não podem aceder à SIC e à TVI os madeirenses lá se vão entretendo com as Semanas Gastronómicas dedicadas às especialidades locais (Lapas, Polvo de escabeche, Queijadas, Pudins de maracujá, entre outras), quase sempre fartamente oferecidas em bandeja por belas moçoilas, como acontece no Machico, terra de muitos “comunas”, como carinhosamente e sem desdém nenhum o Jornal da Madeira costuma caricaturar os seus naturais...
Evento já razoavelmente enraizado na história, é apenas mais um dos atractivos da Ilha da Madeira dignos de uma visita.

(III) Madeira - Agosto 2004

Por falar em media, a presença in loco na Madeira permitiu-me ficar a saber que os canais televisivos SIC e TVI, felizmente, não estão disponíveis em sinal aberto, mas apenas para os assinantes das ligações por cabo.
Mas ao que parece, azar dos azares, esta situação será em breve corrigida, por pressão das forças políticas, incluindo o PCP, que na voz do seu líder regional, Edgar Silva invocava ainda o imperativo ético do Estado comparticipar a totalidade do preço do descodificador necessário para tal visualização (15 contos na moda antiga). Ou seja, em breve será possível a todos os madeirenses terem nos seus ecrãs a projecção diária de 17 novelas brasileiras e 15 portuguesas, distribuídas pelos dois canais, reality-shows com farturinha e noticiários televisivos dedicados às aparições de extra-terrestres no Alvito e de fantasmas na casa dos Gomes em Vila Franca das Naves (Guarda).
Estavam os madeirense muito bem até hoje, imunes ao nivelamento por cima que os citados canais televisivos trouxeram ao espaço televisivo e vem o Padre Edgar exigir que o Estado faculte gratuitamente o acesso aos mesmos. Só apetece fazer-lhe o mesmo que a figura do Bordalo.
Ao Padre Edgar propunha, em alternativa, que em vez de andar a defender que o dinheiro dos contribuintes que vá ser desbaratado em descodificadores, com insígnias apregoe que o metal valioso seja melhor afortunado na compra dos primeiros três volumes do Capital para todos os cidadãos da Madeira. Seria uma atitude que contemplava certamente maior valor educativo e cultural do que andar a dar-lhes a SIC e a TVI. E os madeirense agradeciam, com certeza!

terça-feira, agosto 24, 2004

(II) Madeira - Agosto 2004

Retomando a crónica madeirense, e depois da aclaração de alguns dos aspectos passíveis de provocar consideráveis contratempos às pessoas e às viaturas, (tinha-me esquecido da amplitude de remendos no alcatrão em quase tudo o que é estrada!) mesmo àquelas máquinas de grande qualidade e capacidade de resistência, como são o caso do Ford Ka e do Nissan Micra, arriscaria dizer, ainda assim, que nenhum deles consegue concorrer tanto para a má imagem da ilha como o cenário com que nos deparámos na discoteca JAM.
Nesse cenário, nem mais nem menos do que o localmente apelidado de “Quinhentitos”, Presidente do Nacional da Madeira, num estilo muito "à lá Intendente", mirava as moças que bailavam na pista de dança, encostado ao balcão e envergando uma t-shirt sem mangas e uma pulseira verde fluorescente. Atroz imagem para o turismo de qualquer região!
A banir rapidamente, portanto.
Falando de coisas mais propensas a deixarem uma boa impressão nos visitantes, seremos obrigados a mencionar o carácter consideravelmente prolixo da imprensa local.
Com 3 ou 4 jornais diários, e pelo menos um semanário, se não me engano, e com particular destaque para o Diário de Notícias da Madeira, cuja tiragem chega perto dos 20.000 exemplares,(certamente um dos líderes da imprensa regional), depreende-se daqui que a taxa de leitura de jornais na Madeira é francamente superior à da média da população do Continente (embora, por exemplo, a leitura do Jornal de Notícias da Madeira, a julgar pela edições que vimos, quase sempre com um editorial do Presidente do Governo Regional, em topo de página, por sua vez também ele quase sempre secundado por um outro texto de um líder de um organismo público regional a distribuir encómios ao primeiro, não me pareça prefigurar este como uma mais valia de informação isenta...)

Continua...

quinta-feira, agosto 19, 2004

(I) Madeira - Agosto de 2004

Depois da estreia nos palcos madeirenses, é altura de fazer um curto balanço da digressão. Como me movimentei em território conhecido por metade dos leitores deste blog, não vale a pena estar a ser exaustivo na descrição da ilha, pois seria como estar a ensinar a missa ao padre ( à excepção, claro, do Forte do Pico, que parece que quase nenhum dos madeirenses conhece!... Mas depois do árduo esforço que envolveu a sua subida compreendo melhor as reticências para irem visitar o Forte).
Num tom geral, diria que retive bastantes aspectos agradáveis da Madeira, situados essencialmente ao nível da paisagem natural (a Costa Norte, o Paúl da Serra, o Cabo Girão, o Pico do Areeiro, o Ribeiro Frio, o Curral das Freiras, o Santo da Serra, a Ponta de São Lourenço, etc), mas também cultural e patrimonial (a caótica Livraria Esperança, alguns museus e os Fortes de Santiago e do Pico, por exemplo).
Tais virtualidade superam algumas situações que merecem reparos, seja pelo incómodo que provocam aos cidadãos (a quantidade de empreitadas da construção civil a decorrer em simultâneo e a antiguidade dos autocarros que fazem o percurso desde o Funchal até ao interior da ilha), seja por se constituírem como rombos no património natural (aqui o destaque vai para as obras de requalificação (???) da praia de Ponta do Sol).

Continua...

segunda-feira, agosto 09, 2004

Moore & Moore

Fahrenheit 9/11 é um filme importante. A base da democracia é a participação dos indivíduos. Estes só podem participar na vida do seu país se estiverem informados. No que respeita às actividades e intenções do governo americano liderado por Bush Jr. ficamos, com este documentário, mais esclarecidos: percebemos o que está por detrás das guerras do Iraque e do Afeganistão, as ligações da família Bush e seus acólitos com as monarquias do Golfo, nomeadamente a Arábia Saudita (7% da riqueza americana é saudita). Dados importantes, e devidamente comprovados, para o exercício do direito de cidadania. Quem acusa Moore de ser parcial esquece-se da parcialidade das grandes multinacionais da comunicação. O filme de Moore é dedicado ao público americano. É por isso que, para chegar ao cidadão comum, opta, algumas vezes, por um discurso simplista e emocional, bastante visível quando trata da questão do Iraque e da presença dos soldados do Tio Sam. É possível afirmar que certos planos eram dispensáveis, mas Moore sabe bem que são úteis. A vida das pessoas é, neste como em muitos outros casos, mais importante do que arte.

sábado, agosto 07, 2004

Sines 2004 outra vez

Em relação ao meu post anterior o camarada César contestou, informalmente, algumas das minhas afirmações. As suas discordâncias foram em dois sentidos. Por um lado, afirmou ele, a maior parte das pessoas que estava em Sines não era da terra, mas de Lisboa, o que contrariaria a ideia de uma política local de desenvolvimento. Por outro lado, a própria música apresentada no festival teria pouco a ver com o gosto das pessoas da terra. Deste modo, o festival de Sines estaria mais a servir uma população de Lisboa, com determinados gostos, digamos, próximo de certa classe média.
A verdade é que o César tem, em grande parte, razão. O que ele não apresenta, no entanto, é um modelo alternativo que permita que a sua crítica se torne construtiva. Temos um festival com um conjunto de grupos que se inclui no que se chama de World Music (embora, na minha opinião, o festival consiga ir para além deste chapéu), fora, portanto, do registo mais claramente comercial das rádios, televisões, editoras, distribuidoras, etc; um festival cuja entrada, pelos três dias, custa 10 euros; existem, à parte, inúmeras iniciativas gratuitas. A música não será globalmente conhecida mas, com toda a certeza, não apresenta os problemas formais de um concerto de trash metal, ou de música de câmara, ou um espectáculo de dança contemporânea, etc. A lógica do festival de Sines, aliás, não é assim tão diferente da apresentada nas Cantigas de Maio do Seixal, ou mesmo, embora neste caso a questão seja mais complexa, na festa do Avante.
Claro que isto não evita os dois problemas colocados: a invasão da classe média lisboeta (embora seja discutível que as pessoas vindas de Lisboa sejam na sua maioria de classe média) e a dificuldade dos habitantes de Sines, por incompatibilidade formal com a música apresentada, aderirem ao evento.
Assim de repente só me lembro de uma solução para o problema do César: o populismo. Esta solução é, aliás, utilizada em grande parte dos nossos munícipios. Usando aquela velha máxima rangeliana de que «só damos ao povo o que o povo quer», enchamos o Castelo de Sines com o Nel Monteiro e a Mónica Sintra. De certeza que temos adesão maciça à la Chão da Lagoa. Estou em crer que, apesar de tudo, quem organiza o festival de Sines tem o povo em melhor conta. Infelizmente, dirão algumas almas mais intolerantes e desconfiadas, não é possível proibir a classe média de Lisboa de rumar a sul.


terça-feira, agosto 03, 2004

Sines 2004

O festival de Músicas do Mundo realizado em Sines é um exemplo de bom trabalho autárquico na área da cultura. Um festival de inegável qualidade a preços acessíveis. Alguns críticos musicais, denotando dificuldade em pensar para além das notas que semanalmente dão aos discos que vão saindo, não conseguem perceber que a importância do festival é inseparável de uma filosofia de política local. Gerido por uma qualquer produtora, o festivalde Sines proporcionaria um lucro assinalável, bastava aumentar o preço dos bilhetes e, seguindo a doutrina João César das Neves, acabar com o investimento em espectáculos gratuitos. Considera a autarquia, no entanto, que existem benefícios para a população, não contabilizáveis apenas em balanços e balancetes, que justificam a aposta. O festival de Sines levanta muito mais discussões do que aquelas que perspassam em meia página de crítica musical. Houvesse jornalistas capazes de as pensar.