segunda-feira, março 14, 2005

CAF

Assistir na “Superior” a um jogo local do Académico de Viseu, ainda hoje, permite uma experiência de regresso ao passado. Revêem-se muitas caras de antanho e reconhecem-se bastantes palavras de ordem de apoio à equipa de um público fiel, cujo perfil social, essencialmente, se enquadra em classes sociais mais desfavorecidas em termos económicos.
Para além dos afectos que os ligam ao clube há décadas, outros motivos conduzem à sua presença quinzenal no Estádio do Fontelo. A possibilidade de accionarem mecanismos de catarse das rotinas de um dia-dia envolvido em tarefas profissionais desgastantes e mal remuneradas e o encontro e convívio com os amigos de longa data, são razões a não menosprezar na “romaria” que empreendem duas vezes por mês ao Estádio.
Ontem, com o cartaz a colocar frente a frente Académico de Viseu e Sanjoanense, lá estavam eles quase todos juntos na mesma bancada. Chegando aos pares, dão facilmente conta dos comparsas no locais que têm para si cativos desde longa data. Depois dos cumprimentos iniciais, a conversa começa por girar em torno das competições futebolistas do principal escalão e à alusão aos deslizes dos “grandes”. Ontem foi dia de um simpatizante benfiquista andar a distribuir bolachas Maria da fábrica Nacional aos parceiros portistas. O mais famoso simpatizante local do FCP, o Barba Ruiva, lá as aceitou, não sem antes indagar junto do adepto benfiquista se o adversário que iria competir com o Benfica na jornada europeia da próxima semana se confirmava ser o Carvalhais.
Iniciado o jogo, logo um dos clássicos adeptos academistas, de pilhinhas ao ouvido, desceu dos degraus de topo da bancada para se situar mais próximo do relvado e assim fazer chegar ao árbitro aquilo que tinha para lhe dizer sempre que a ocasião a tal obrigava. Finda a pronúncia, invariavelmente virava-se para os amigos que haviam ficado no topo da bancada e esboçava um sorriso trocista, tentando medir e avaliar junto deles a qualidade do impropério debitado ao árbitro. A esposa, essa, optou por continuar no cimo da bancada a fazer o seu crochet.
Ao mesmo tempo, outro fervoroso adepto local mantinha a tradição pessoal de bradar um sonoro “Acadéééémico”, qual grito de alerta, no instante imediato ao esférico invadir o meio-campo defensivo da equipa local.
Ao intervalo, o espectador que estava ao meu lado, e que durante a primeira parte até tinha elogiado a isenção da equipa de arbitragem, ouvia os comentários dos jornalistas de uma das rádios locais que cobria o jogo. Dizia o jornalista que o árbitro estava a apitar por tudo e por nada e assim estava a quebrar o ritmo de jogo da partida.
No reinicio da partida, à primeira infracção assinalada pelo árbitro logo o meu vizinho opinava para os demais adeptos que o árbitro estava sempre a apitar por tudo e por nada. À segunda infracção, uma falta à entrada da área da Sanjoanense a beneficiar o infractor, pois tinha inviabilizado que o avançado da equipa local ficasse isolado perante o guarda-redes, de pronto fez ecoar para o árbitro de que teria sido melhor para todos que o juiz de campo tivesse seguido a profissão de maquinista da CP se tanto adorava apitar. Acaso dos acasos, a marcação certeira do livre proporciou o segundo golo da tarde ao Académico, o que levou a que o citado adepto tivesse considerado que a decisão do árbitro talvez não tivesse sido tão infeliz quanto isso...
Até ao fim do jogo, com o jogo claramente dominado pela equipa da casa e com o marcador favorável, os adeptos locais ainda discutiram a pretensão do novo Governo de autorizar a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica fora das farmácias, a indigitação de Freitas do Amaral para MNE e as próximas eleições autárquicas...