quarta-feira, julho 20, 2005

Dois artigos e uma leitura

1- André Freire, no Público (15/7), analisou as desigualdades na distribuição dos sacrifícios que estão a ser feitos para domesticar o défice público. O primeiro grande instrumento de combate ao défice foi o aumento do IVA: toca a todos. Aumentou também o imposto sobre o tabaco e sobre os combustíveis. Depois houve um esforço para reduzir alguns benefícios sociais, nomeadamente na função pública. Seguiu-se o aumento da idade de reforma. Freire nota, porém, que alguns grupos de interesse dentro do funcionalismo público, essencialmente alguns altos quadros de empresas públicas e algumas corporações mais fortes, saíram quase intocados por este esforço colectivo. Mais escandaloso é o modo como o governo remete ao factor trabalho a tarefa solitária do equilíbrio do défice. O PS chumbou, refere Freire, no dia 2/6/2005, uma proposta de lei que limitava o sígilo bancário, arma fundamental da administração fiscal. Os benefícios fiscais para as grandes empresas continuam a pulular impunemente, o que implica cortes drásticos nas receitas do IRC. Portugal tem, no quadro europeu, a maior diferença entre as taxas nominais e as reais no que respeita à cobrança do IRC. Isto é, o factor capital foi grandemente poupado nos esforços para equilibrar o défice. Isto leva-me a outro artigo.

2 - António Barreto, também no Público (17/7/2005), escreveu, em resposta a considerações feitas por Vasco Pulido Valente, um artigo sobre as elites nacionais. Para Barreto as elites são grupos dirigentes do país que podem assumir várias formas: "Há elites cultas e incultas; autónomas e dependentes do Estado; democráticas ou autocráticas; esclarecidas ou predadoras; activas ou parasitárias; e de esquerda ou de direita." Acrescenta que as elites não se confundem com as classes altas mas normalmente provêm delas. Continua Barreto: "Com a excepção de grande parte dos intelectuais e artistas, assim como de uma porção de políticos, as elites portuguesas são geralmente de direita. E muito dependentes. Precisam do Estado, não da população. Fizeram fortuna, têm negócios, compram e vendem, aprendem e exprimem-se graças ao Estado, não à população ou a si próprios." Barreto não poupa também o que chama de elites de esquerda, embora, pela sua posição social, lhes atribua menos responsabilidades.

Claro que podemos contestar a linha de divisão entre esquerda e direita proposta por Barreto. Concordemos, porém, que é o capital económico que genericamente domina a elite de um país com uma economia liberalizada.
É este capital económico, vastamente ignorante, 500 vezes mais parisitário e nocivo do que qualquer funcionalismo público pretensamente preguiçoso, capital incompetente (no sentido das próprias leis de mercado e da concorrência), que escapa praticamente incólume ao sacrifício do défice. Temos uma classe política autónoma, minimamente independente do poder económico? Não. Como se costuma utilizar na gíria do futebol, estamos sempre a beneficiar o infractor.