sexta-feira, abril 22, 2005

Bento 16 e o Patriarcalismo

Na matéria que se reporta à eleição do novo Papa, e independentemente da mais ou menos vetusta ambição do Papa Bento 16, este é reconhecido como tendo sido mais o mais influente mentor da doutrina perfilhada pelo papado anterior, aquele que morigerava as posições morais da Igreja Católica a respeito de diversos temas “fracturantes” das sociedades contemporâneas.
Não sendo portanto surpreendente a sua nomeação, considero que é mais honesto que a figura ideológica dominante do Vaticano há longos anos, saia finalmente dos bastidores e dê a cara no papel de principal actor do Vaticano.
Dos diversos temas controversos sobre os quais tomou conhecidas posições no passado , gostaria de opinar sobre uma questão que penso ser particularmente sintomática de um desfasamento obstinado da realidade social, adoptado pelas elites católicas dominantes, incluindo Ratzinger, ou seja, o patriarcalismo, enquanto sistema caracterizado pela autoridade, imposta institucionalmente, do homem sobre mulher e filhos no âmbito familiar, e que se enraiza na estrutura familiar e na reprodução socio-biológica da espécie.
A frontal e veemente oposição à ordenação das mulheres para as funções sacerdotais, que tem sido transmitida nas prédicas de Ratzinger, denota uma clara resistência às reivindicações para a concessão de um estatuto de igualdade às mulheres no seio da Igreja Católica.
Estas reivindicações cobrem-se de antanho mas acentuaram-se nas últimas décadas em paridade com um conjunto simultâneo de transformações sociais, tecnológicas e culturais que vão desde;
- o aumento da autonomia reprodutiva feminina através dos avanços tecnológicos na medicina reprodutiva e na farmacologia;
- o surgimento de uma grande variedade de estruturas domésticas, visíveis através da proliferação de lares de solteiros e habitados por apenas um dos pais;
- a crescente taxa de divórcios, que por sua vez se associa a outras tendências importantes: o adiamento da formação de casais e a formação de relacionamentos sem casamento.
- a incorporação massiva das mulheres no mercado de trabalho remunerado, traduzida quase sempre numa contribuição financeira decisiva para o orçamento doméstico;
- por fim, relacionado com os factores acima invocados, o aumento da influência social, política e cultural dos diversos movimentos feministas numa economia informacional global. Tais movimentos, não obstante a diversidade de objectivos e adversários, perfilam uma ideia comum: a abolição do patriarcalismo.
Negar estas evidências, enterrando a cabeça na areia, ou fazer de conta de que elas ocorrem numa qualquer superestrutura metafísica erigida por indívíduos que se inserem uma faixa populacional numericamente muito restrita, e portanto irrelevante, é um sintoma de intenso atavismo de que a Igreja Católica se faz valer publicamente e que prenuncia mais um afastamento incompreensível a medio prazo da comunidade de crentes.

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