"Passados poucos meses estava sentado na Sunset Place a admitir e a despedir como um demónio. Assim Deus me ajude como aquilo era um verdadeiro matadouro. Não fazia sentido absolutamente nenhum. Era um desperdício de homens, de material e de esforço, uma farsa hedionda representada com um pano de fundo de suor miséria. Mas, assim como aceitara espiar, assim aceitei admitir e despedir, e tudo o mais que isso implicava. Dizia «sim» a tudo. Se o vice-presidente decretava que não podiam ser admitidos aleijados, eu não admitia aleijados. Se o vice-presidente dizia que todos os boletineiros com mais de 45 anos deviam ser despedidos sem aviso prévio, eu despedia-os sem aviso prévio. Fazia tudo quanto me mandavam fazer, mas de maneira que eles o pagassem. Quando havia greve, cruzava os braços e esperava que terminasse, mas primeiro tratava de os fazer perder umas boas massas. Todo o sistema estava tão podre e era tão desumano, tão irremediavelmente corrupto e complicado, que seria preciso um génio para lhe insuflar um certo sentido ou uma certa ordem, para já não falar em bondade ou consideração humanas. Tinha pela frente todo o sistema americano de trabalho, que estava podre por dentro e por fora. Era a quinta roda da carruagem e nenhum dos lados tinha qualquer serventia para mim, a não ser para me explorar. Na realidade, toda a gente estava a ser explorada: o presidente e a sua seita pelos poderes invisíveis, os empregados pelo público, etc., por aí fora, através de toda a rede. Do meu poleirozinho em Sunser Place tinha uma vista geral de toda a sociedade americana. Era uma página tirada da lista telefónica. Alfabeticamente, numericamente e estatisticamente, fazia sentido. Mas quando a olhavamos de perto, quando examinávamos as páginas separadamente, ou os componentes separadamente, quando examinávamos um só individuo e o que o constituía, o ar que respirava, a vida que levava e os riscos que corria, então víamos algo tão sujo e degradante, tão baixo, tão miserável, tão completamente desesperado e sem sentido, que era pior que olhar para um vulcão. Via-se toda a vida americana: economicamente, politicamente, moralmente, espiritualmente, artisticamente, estatisticamente e patologicamente. Parecia um grande cancro sifilítico num caralho gasto."
In: Trópico de Capricórnio de Henry Miller.