sábado, novembro 01, 2003

Sobre os discursos: resposta ao Marçal

É verdade que o significado das palavras não depende apenas de uma conjugação de signos. A interpretação de uma frase deve avaliar o tom utilizado pelo emissor, as pausas, a expressão facial, etc. Estes dados podem transformar uma afirmação, enfatizar uma ideia ou, noutro sentido, estabelecer formas de relativização do que foi dito. Numa frase escrita não posso, em princípio, interpretar os tons, os sorrisos ou a expressão facial de quem a escreveu (a menos que o escritor nos forneça essa informação). Deste modo, para interpretar um texto, tenho que me quedar pelo que está redigido. No universo da escrita existem formas de transformar ou relativizar o que foi dito: a própria construção das frases, o humor, algumas formas de ironia, etc. Isto tudo para dizer que, se fui injusto na apreciação de certos textos de alguns companheiros, isso deve-se apenas ao facto de, na minha leitura desses textos, não ter encontrado qualquer mecanismo que permitisse distinguir “uma coisa que é para rir um bocado”, “mandar umas bocas uns aos outros” e que “não deve ser levada minimamente a sério”, de formulações categóricas escritas num estilo igual, sem tirar nem pôr, ao utilizado para falar e discutir outros assuntos. O que me preocupa não são os jogos jocosos de crítica saudável, na fronteira da irracionalidade, que adeptos de clubes diferentes desenvolvem entre si. Não fui eu o atingido pela crítica ao Benfica. Eu posso defender-me. Preocupa-me, isso sim, por um lado, as omissões, e por outro, algumas concepções que se vislumbram por detrás da crítica futebolística. Sobre as omissões, basta dizer que culpar um clube de futebol por todo o tipo de aproveitamentos políticos e económicos é de um sentido analítico extraordinário. Sobre as concepções que sustentam certas análises o caso é talvez mais grave (e é por isso que as coisas são sérias meu caro Marçal, se ao menos houvesse algum distanciamento). É sabido que a pertença a um clube de futebol tem, para muitas pessoas, um significado quotidiano importante, seja no seio familiar, seja no trabalho ou no tempo de lazer. No contexto português o Benfica é indiscutivelmente o clube mais popular. A crítica feita ao Benfica neste blog insistiu várias vezes nesta relação do Benfica, “o clube mais português de Portugal”, com o povo. As analogias e os adjectivos são quase sempre bastante infelizes e lamentáveis.
Quanto à questão da vinda do presidente do presidente do governo regional da Madeira à inauguração do Estádio porventura terei sido injusto, dado que não foi o único populista presente. Realmente deviam todos levar a sua bicada. Mea-culpa. Felizmente que o povo tonto do Benfica sob responder à altura, não por ser do Benfica, mas por sofrer aquilo que a grande parte dos portugueses sofre no dia-a-dia.