terça-feira, novembro 16, 2004

Canção Nova

Ao imaginarmos uma televisão religiosa, porventura pensamos logo em programas enfadonhos e aborrecidos até dizer basta . Padres, padrecos, bispos e cardeais a trazerem a luz ao rebanho durante homilias à meia-luz, alvitrando contra as tentações perniciosas dos tempos modernos e à quebra dos valores cristãos. Ou seja, seria algo parecido com os milhentos pasquins católicos que povoam a imprensa escrita regional, semanalmente.
Mas esta visão mais tradicional nem sempre tem uma tradução real. A prová-lo está o canal disponível por cabo, Canção Nova. Brasileiro de nascença, evangélico de baptismo, tem na alegria e na comédia a sua profissão de fé. Aliás, mal se compreende a criação de canais temáticos vocacionados para a comédia, quando a TV Cabo já oferece há muito tempo aos seus espectadores 24 horas de galhofa diária, através do Canção Nova.
No Canção Nova, também há padres, missas e rebanhos. Mas há diferenças em relação ao padrão clássico a que associamos à actividade de salvação das almas terrestres. Um desses exemplos é o programa “Atendimento Espiritual”, onde os espectadores contam todas as suas angústias interiores a um conselheiro espiritual, uma espécie de Prof. Cazombé.
No último programa, Alice, 44 anos, da Baixa da Banheira (identidade fictícia), carpia sobre o marido constantemente embriagado e violento e os filhos despeitados, na esperança de obter um remédio mágico imediato da parte do guia. E consegui-o!
Através do veredicto de que o marido e os filhos da senhora tinham, garantidamente, um coração de pedra, o guia aconselhou a Sra. Alice a aspergir a cama do marido e dos filhos com água, mas não em demasia, para assim as camas não ficarem ensopadas!
A Sra. Alice agradeceu, feliz da vida, por ter visto finalmente a luz ao fundo do túnel, prontificando-se a executar imediatamente as ordens recebidas.
O único senão de tão proveito programa prende-se com o facto de não haver um acompanhamento aos resultados dos auxílios espirituais prestados.
Sempre gostava de saber se a água aspergida nas camas dos que possuem corações duros sempre os amolece, ou se o marido, normalmente chegado a casa embriagado e furioso da vida, ao deitar-se na cama embebida em H2O se passou dos carretos por isso e arreou mais uma grande carga de porrada na desgraçada da Sra. Alice.
Pessoalmente, inclino-me para um desfecho mais em conformidade com esta última hipótese...



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