segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Alguma coisa sobre África

Retirar ao ocidente as graves responsabilidades que tem na actual situação africana, para insistir apenas nas teorias dos choques tribais e dos chefes corruptos é produzir esquecimento histórico. Infelizmente, com a civilização, o ocidente trouxe a barbárie. Sim, é certo que já existiam práticas esclavagistas, sim, existiriam guerras tribais, sim, as relações sociais reproduziam fortes desigualdades. Mas todas estas características foram aumentadas incomensuravelmente com o colonialismo. As políticas de governação indirecta, a cooptação de líderes tribais e o reforço das hierarquias anteriores criaram um quadro político de violência e de injustiça generalizado. A marcação étnica foi reforçada pelo poder europeu: armas poderosas e eficazes, políticas generalizadas de trabalho forçado. Nasceram assim as sementes de um ódio étnico nunca antes visto. Em certo sentido, foram os sistemas de dominação colonial que "criaram" as bases das divisões étnicas tais quais hoje as conhecemos. À parte disto, como se sabe, as sociedades coloniais eram racialmente organizadas. Foi dessas injustiças que nasceu o ódio. A independências dos países africanos foi encontrar o mundo em plena guerra-fria. Com a frieza típica do geo-estratega, encarnado hoje pela figura de alguns cientistas políticos, foram efectuadas políticas de aliança, para um lado ou para o outro. Os Estados Unidos, sob a direcção política de homens como Chester Crocket, secretário de Estado da administração Reagan, suportaram política e militarmente homens como Mobutu no Zaire (hoje República Democrática do Congo), Samuel Doe e Charles Taylor na Liberia, Siad Barre na Somália, o governo do Apartheid na África do Sul, a Unita em Angola, a Renamo em Moçambique, o governo árabe do Norte do Sudão, que passaram a combater depois do fim da guerra-fria (o mesmo que fizeram com Saddam no Iraque, ou com os Mudjahedeens no Afeganistão), a administração Clinton bloqueou a intervenção da ONU no sentido de evitar o genocídio no Ruanda, etc, etc, etc, etc. Parte dos líderes africanos são mestres e doutores por universidades inglesas e americanas. As mortes causadas pelos conflitos étnicos foram sobretudo o resultado de uma diplomacia absolutamente irresponsável que em nome do "mundo livre" armou tiranos e déspotas que transformaram os ódios raciais firmados durante o colonialismos em genocídios em série. Não estou a negar a existência de líderes corruptos e assassínos ou a tirar-lhe as imensas responsabilidades que têm. Mas vamos perceber as condições da sua emergência e a natureza dos seus métodos. Um conselho de leitura para os interessados: The Graves are not yet full, race, tribe and power in the heart of Africa, de Bill Berkeley, editorialista desse perigoso jornal vermelho chamado New York Times; e já agora, claro Joseph Conrad, Heart of Darkness, cuja história, originalmente africana, inspirou o Apocalipse Now de Coppola