Um dos problemas do futebol como espectáculo é a sua indeterminação. Neste aspecto é muito diferente de outros géneros artísticos. Antes de ver um filme ou uma peça de teatro podemos ler as críticas, inteirarmo-nos sobre o seu conteúdo e sobre a forma como este é apresentado. No futebol, como no cinema ou no teatro, conhecemos o elenco mas não podemos prever como será o espectáculo. Temos que ir esperando que algo de especial aconteça. Ontem houve bailado em Alvalade. O elenco português esteva bem montado. Não é difícil perceber quais as opções do encenador, são claras e fazem sentido. Mas depois tudo depende das circunstâncias e dos intérpretes de ambos os lados. Ontem a equipa de Portugal, recorrendo à gíria futebolística, “abriu o livro”, contra uma selecção russa bem acima da média. É certo que as bolas pareciam telecomandadas e que tanta exactidão é quase impensável. Não é menos verdade, porém, que a equipa foi muito para além dos golos marcados. O realizador da RTP foi feliz, no final do jogo, ao revelar os bailados executados pelos principais artistas – movimentos que podem, ou não, estar relacionados com os golos. Acima de todos Deco. É lindíssimo vê-lo jogar assim. O controlo que tem sobre o corpo, a sua noção de espaço, de passe, tornam-no quase perfeito. A seguir Ronaldo. O modo como avança para a defesa é sublime, como que dizendo ao adversário que nada pode fazer contra a sua arte. Deve meter muito medo defender alguém como Ronaldo. Tenho assistido a alguns jogos dos seus jogos no Manchester e é sempre assim. Os ingleses preferem falar de Rooney. Por último Carvalho: de uma elegância única, demonstrando toda a beleza inerente ao ofício de defender. Haverá poucos defesas no mundo como ele. Os actores principais foram bem coadjuvados pelos restantes intérpretes e é bom saber que há outras opções para os diferentes lugares. O mais importante deste jogo foi que, por breves momentos, as pessoas esqueceram-se que assistíamos a uma competição entre nações, deixando-se levar pelo espectáculo. No Café Estrela estavam cinco russos. Depois do intervalo aplaudiram de pé todos os golos portugueses. Para quem gosta de futebol era a única coisa a fazer. Ontem houve bailado em Alvalade.
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