O universo político tem uma autonomia própria que não permite análises simplistas. Longe de ser um mero reflexo de uma infra-estrutura material, o mundo político é ele próprio produtor do real. A questão “Marcelo” é uma machadada poderosa desferida neste governo. Figura mediática, quase com dois milhões de espectadores por domingo, Marcelo faz parte da nossa cultura popular e conseguiu, com distinção, ganhar o respeito de um imaginado português médio. O professor anda há muito cometido numa luta, disputada em jornadas semanais, contra o primeiro-ministro e os seus acólitos. A sua auto-exclusão dos noticiários da TVI, depois de ter sido amavelmente convidado a calar-se, foi o seu último ataque, o mais contundente. A sombra da censura não vai largar o governo. Foi bom, também, termos um exemplo visível do modo como os media vão funcionando e das suas relações com o mundo político. Mas a questão mais interessante é perceber se Marcelo tem lugar noutra televisão portuguesa. A SIC é propriedade do fundador do PSD. A RTP, já se sabe, é de quem está no poleiro. Nos media da PT, com o exemplo de jornalismo independente que se tornou o Diário de Notícias de Luís Delgado, o senhor, recorde-se, que está à frente da Lusa, também não deve caber. Onde colocamos Marcelo?
Apesar de as pessoas relativamente educadas já terem percebido o que significa este governo, resta ainda o perigo real do populismo, especialidade absoluta de Santana e Portas. E como é preciso levantar poeira para esconder a destruição sistemática de tudo o que é público neste país (isto é, de todos, mas que quase sempre é apropriado pelos senhores feudais que governam o rectângulo) preparem-se para o regresso das promessas aos velhinhos, das inaugurações em catadupa, da defesa da lavoura, e, quem sabe, do reaparecimento em força do discurso contra os emigrantes, empossados da responsabilidade do desemprego e dos baixos salários.
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