A BBC tem um programa semanal em que um painel de convidados, das mais diversas especialidades mas com forte representação política, responde a perguntas de uma audiência seleccionada. As perguntas debruçam-se sobre temas da actualidade. Um dos assuntos tratados num dos últimos programas foi a emigração. O líder do partido conservador, Michael Howard, propôs um regime restrito de quotas para estancar o número de emigrantes que entra todos os anos no país. O partido conservador, que perdeu o centro político para os trabalhistas e se vê ameaçado pelo liberais democratas, guindou a sua política para a direita tentando pescar votos a partidos extremistas e xenófobos, renovados pela onda anti-europeísta. As opiniões dos convidados perante o problema foram quase consensuais. Os representantes conservador, trabalhista e liberal democrata concordaram, com diferentes graus de rigor e linguajar, com as quotas. Entre os convidados encontrava-se uma jornalista do Daily Mail, tablóide conhecido pela sua política editorial anti-emigrante. Começando por afirmar que não era racista, porque tinha sido bem educada, a senhora defendeu as quotas afirmando, no entanto, que a Inglaterra precisava de emigrantes. E que tipo de emigrantes? Emigrantes seleccionados por uma espécie de renovação da prática da eugenia, isto é, tem que ser jovens, sãos e fortes, qualificados, obedientes, que não ponham em causa as instituições, que conheçam e se adaptem obrigatoriamente à cultural britânica, que sejam trabalhadores obedientes. Perante a afirmação, não contrariada pelos outros convidados, um jovem da plateia, filho de emigrantes, acusou a jornalista de tratar as pessoas como gado. Podia ter-lhe chamado nazi. Adiantou ainda que, como ela bem sabia, a Inglaterra precisa da mão-de-obra emigrante e se existem clandestinos é porque há interesses económicos que beneficiam com a sua entrada, especialmente porque não lhes oferecem direitos sociais, lhes pagam salários baixos e não cumprem as leis laborais. A resposta foi a habitual: mas acha que o país pode abrir as portas a toda a gente?
Claro que os países não podem abrir as portas a toda a gente. Mas o debate tem que se descentrado da política interna dos países que acolhem emigrantes para ser focado na sua política externa. É precisamente pelo facto de os países desenvolvidos estrangularem as economias do terceiro mundo, exploradas primeiro pelo colonialismo e agora pelo neo-colonialismo económico, que os seus habitantes são obrigados a moverem-se. E vão, naturalmente, continuar a fazê-lo. O modo como os ingleses colocam publicamente a questão da emigração, mesmo os representantes do partido trabalhista, vai muito para além do que ouvimos à direita portuguesa. Não digo que os métodos não sejam os mesmos, mas o despudor das afirmações públicas, de políticos e de jornalistas, são preocupantes, porque tornam o racismo – sem lhe chamar racismo claro -, na coisa mais banal do mundo. Pelo rectângulo, apesar de tudo, ainda há alguma vergonha. Até quando?
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