A BBC iniciou a transmissão de uma série de três documentários sobre o processo político que conduziu ao sistema de poder e de confrontações a que assistimos hoje no mundo. O documentário chama-se The Power of Nightmares e a sua ideia base é a de que o poder actual está intimamente relacionado com a criação de mitos e fantasmas, formas de convencer as pessoas de ameaças que na realidade não existem. Confesso que tenho algumas dúvidas em relação ao modo como a história é contada. No entanto, o trabalho merece atenção. O autor segue duas histórias. A primeira começa com Leo Strauss, filósofo que deu aulas na escola de Chicago durante os anos 50. A segunda, com Sayyid Qutb, um teórico egípcio que estudou nos EUA e que se tornou, mais tarde, o ideólogo de associações fundamentalistas que lutavam contra o Egipto secular pós-independência. Strauss era um anti-liberal, anti-individualista que desejava que os EUA seguissem um modelo social colectivista e comunitário, assente na religião e em princípios conservadores, e alimentado por mitos que atribuíam à América o papel de democratizador do mundo. Strauss foi professor e criou uma espécie de escol. O seu escol esteve sempre ligado a uma facção minoritária da extrema-direita do partido republicano. Com a chegada de Reagan ao poder, os seguidores de Strauss foram-se impondo, ficando conhecidos, entre outras coisas, por fabricar relatórios que atribuíam à União Soviética um poder militar que esta na realidade não possuía. Não é difícil perceber quem são estes homens, hoje denominados por neo-conservadores: Wolfowitz (um dos alunos de Strauss), Rumsfeld, Cheney, entre outros menos conhecidos. O documentário mostra imagens de discursos de Wolfowitz e Rumsfelf realizados nos anos setenta. Se colocarmos Al-Qaeda, ou Saddam, no lugar de União Soviética reconhecemos facilmente que os discursos são muito similares: a mesma forma simplista de falar no bem e no mal, a mesma concepção justiceira da América. A única diferença, significativa, é que a União Soviética era uma realidade mais palpável do que o terrorismo difuso, sem cara e sem Estado, que hoje se tornou no grande inimigo do ocidente. Serão estes homens que, ainda nos anos oitenta, vão levar os EUA a unir-se aos mais primários movimentos islâmicos, para lutar contra o domínio soviético no Afeganistão. Na outra história vemos como o fundamentalismo islâmico se alimentou do ódio aos regimes que dominavam os novos estados independentes no Médio Oriente governados por marionetes do ocidente. Dois casos emblemáticos. O Xá do Irão, que caiu em 1979 às mãos da revolução islâmica de Khomeni, e o caso de Sadat, no Egipto. O fundamentalismo islâmico transformou-se, aos poucos, numa força de defesa dos oprimidos pelas injustiças das novas economias liberais. A sua solução: voltar às interpretações mais rígidas e literais do islão e esmagar o individualismo. Também eles criaram um grande fantasma: o ocidente egoísta que desvia os homens da religião, que transforma as mulheres, que cria mil encantos que destróem a herança islâmica. As histórias são demasiado centradas numa concepção idealista do mundo e da acção humana, pouco articuladas com o processo económico e o saque aos recursos energéticos. Porém, estas genealogias ideológicas do presente geo-político não deixam de ser importantes para acrescentar mais algumas peças ao puzzle.
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