Sempre fez-me muita confusão, muito antes da minha incursão pelos meandros da Sociologia, o fanatismo, de toda e qualquer espécie.
Lamentavelmente, ou talvez não, nunca encontrei uma facção, ou grupo, com a qual me identificasse completamente. E sempre achei redutor (apesar de inevitável) ter de optar por uma facção ou, pior ainda, ter um sentimento “determinista” de pertença a uma “tribo” por herança. Claro que é muito mais confortável ter as opções já todas feitas à nascença, o método de “recrutamento” que as Religiões apuraram em milénios de existência, mas acho muito mais “vida” (apesar de muito mais difícil) os indivíduos terem a possibilidade e a responsabilidade de fazerem as suas escolhas.
No futebol, apesar de ainda ter resistido uns anos, tive de fazer uma opção relativamente cedo. A pressão foi demasiada. A certa altura, lá pelo início do secundário, vinha a pergunta inevitável: “Então, qual é o teu clube?” Lá estava eu com um enorme problema... Eu até gostava de “jogar à bola”, mas não tinha um clube, não tinha pachorra para ver jogos de futebol, e entre uma colecção de cromos de jogadores de bola e outra sobre a Exploração Espacial nem tinha dúvidas, optava pela última...
E neste juvenil limbo identitário andava eu, a ser olhado cada vez mais de lado pelos colegas de escola. Era “o gajo esquisito que não tinha clube de futebol”, e isto no melhor dos epítetos...
Até o dia em que resolvi o assunto optando pelo Sporting. Motivo: era o único clube do qual eu tinha uma t-shirt (oferta de um primo mais velho que era dirigente do Sporting Club Madeira). Passei a dizer que era do Sporting. Uma escolha muito racional...
Até que comecei a achar piada a esta coisa de ser sportinguista. Anos e anos seguidos sem ver uma vitória e um gajo ia rindo e dizia: “Pois, isto de ser sportinguista...”
O que eu gostava do Sporting era esta característica de perder campeonatos mas não perder a compostura. Meteu-se-me na cabeça que o Sporting era um clube de cavalheiros. E até acho que o Sporting teve o melhor presidente de um clube de futebol em Portugal nos últimos anos, o Roquette, que era um cavalheiro com visão. Mas, por outro lado, o Sporting também teve, na sua equipa, alguns dos maiores energúmenos que já vi no futebol: o João Pinto e o Sá Pinto ( ambos Pintos, como eu... Hum!??)
Pela primeira razão continuo a simpatizar com o Sporting. Mas, pela segunda razão (que se repete em todos os outros clubes, uma completa falta de desportivismo e de civismo ao que se junta o fenómeno claques, os presidentes “empreiteiros patos bravos” e o descarado aproveitamento político que se faz da coisa, etc.), não me importava nada que fizessem explodir o novo estádio do Sporting e todos os outros juntamente.
Só ficavam os campos de futebol para a malta ir jogar ao fim-de-semana e para os putos passarem as tardes entretidos. Acabava com o futebol profissional em dois tempos. E acho que ninguém ia perder nada. Mesmo os que muito gostam de ir passar tardes num estádio a apanhar banhos de multidão (coisa que se consegue muito bem fazer viajando de Metro e que é cada vez mais raro acontecer nos estádios...).
Acho que o futebol, tal como está, só dá para gozar e rir um bocado. Ir mandando umas bocas para os amigos, mas nunca e jamais para ser levado minimamente a sério...
É por isso que este último post do Nuno deixou-me um pouco chocado... E não acredito que alguém do Pato perca tempo a “ter ódio pelo Benfica.”
Como também duvido muito que alguém da tenha ido a Lisboa beijar a mão a um vendedor de pneus... A não ser que um independentista tivesse tido o azar de ter simultaneamente dois pneus furados às 4 da manhã a meio de Monsanto... Acho que qualquer um beijava a mão ao vendedor de pneus que o tirasse da embrulhada.
Fica a promessa de, quando me for possível, ou achar que tenho alguma coisa a acrescentar, falar sobre "a desertificação do interior, dos múltiplos despedimentos que assolam a Beira Baixa, das fábricas que fecham, das escolas que fecham", entre outros. Isto se conseguir ultrapassar o trauma do jornalista....
sexta-feira, outubro 31, 2003
quinta-feira, outubro 30, 2003
Sobre o ódio
Sobre o ódio.
O caso está a tornar-se, do ponto de vista medicinal da questão, patético e preocupante. Quando falo sobre a bola, ultrapasso muitas vezes os limites da minha racionalidade, mas faço-o quase sempre conscientemente. Receio, porém, que o mesmo não se passe em relação a alguns dos meus companheiros de blog, O ódio que sentem pelo Benfica parece tão real e vincado que, de repente, parece ter-se tornado o seu objectivo de vida violentar tudo o que se relacione com o clube da águia. Como sou simpatizante desta agremiação devo dizer que me sinto também violentado. Só sou do Benfica porque o meu avô me levava ao estádio, não pertenço a nenhum bando de malfeitores. O raciocínio dos meus companheiros é tão primário, tão ressabiado e tão ressentido que temo percam a razão, instrumento tão importante para analisar outros problemas do mundo. São 22 jogadores atrás de uma bola. Se quiserem criticar as relações do futebol com a política, a economia e os media, não culpem os mais fracos, dirigam-se aos políticos, às empresas, e às televisões etc. Meus amigos, não têm mais nada para fazer na vida do que ver os jogos do Benfica, a inauguração do estádio do Benfica, as notícias de jornal sobre o Benfica, os programas de rádio sobre o Benfica, e escrever textos sobre o Benfica. Ao menos o Hugo fala de Top-models. Vocês também se podiam distrair com outras coisas. A energia que gastam com o Benfica (um verdadeiro saco de boxe freudiano) podiam-na utilizar de forma mais útil. Sei lá, eu sei que isto ao pé do Benfica não interessa nada, mas podiam falar da desertificação do interior, dos múltiplos despedimentos que assolam a Beira Baixa, das fábricas que fecham, das escolas que fecham. Bem sei que são coisas menores ao pé do Benfica, mas era só para variar um bocadinho. Por exemplo, para falar de impostos não é preciso chatear o Benfica, mas talvez apontar o dedo a certos dirigentes regionais, que andam sempre com a independência de baixo da língua, mas depois, provincianamente, vêm a Lisboa beijar a mão do rei dos pneus. E depois a culpa é do Benfica.
O caso está a tornar-se, do ponto de vista medicinal da questão, patético e preocupante. Quando falo sobre a bola, ultrapasso muitas vezes os limites da minha racionalidade, mas faço-o quase sempre conscientemente. Receio, porém, que o mesmo não se passe em relação a alguns dos meus companheiros de blog, O ódio que sentem pelo Benfica parece tão real e vincado que, de repente, parece ter-se tornado o seu objectivo de vida violentar tudo o que se relacione com o clube da águia. Como sou simpatizante desta agremiação devo dizer que me sinto também violentado. Só sou do Benfica porque o meu avô me levava ao estádio, não pertenço a nenhum bando de malfeitores. O raciocínio dos meus companheiros é tão primário, tão ressabiado e tão ressentido que temo percam a razão, instrumento tão importante para analisar outros problemas do mundo. São 22 jogadores atrás de uma bola. Se quiserem criticar as relações do futebol com a política, a economia e os media, não culpem os mais fracos, dirigam-se aos políticos, às empresas, e às televisões etc. Meus amigos, não têm mais nada para fazer na vida do que ver os jogos do Benfica, a inauguração do estádio do Benfica, as notícias de jornal sobre o Benfica, os programas de rádio sobre o Benfica, e escrever textos sobre o Benfica. Ao menos o Hugo fala de Top-models. Vocês também se podiam distrair com outras coisas. A energia que gastam com o Benfica (um verdadeiro saco de boxe freudiano) podiam-na utilizar de forma mais útil. Sei lá, eu sei que isto ao pé do Benfica não interessa nada, mas podiam falar da desertificação do interior, dos múltiplos despedimentos que assolam a Beira Baixa, das fábricas que fecham, das escolas que fecham. Bem sei que são coisas menores ao pé do Benfica, mas era só para variar um bocadinho. Por exemplo, para falar de impostos não é preciso chatear o Benfica, mas talvez apontar o dedo a certos dirigentes regionais, que andam sempre com a independência de baixo da língua, mas depois, provincianamente, vêm a Lisboa beijar a mão do rei dos pneus. E depois a culpa é do Benfica.
quarta-feira, outubro 29, 2003
Finalmente ouvi a ex-Top model
Visualmente a capa do CD e apelativa, uma "jovem" tendo por respaldo o chao, ladeada por uma guitarra.
Insito no topo do CD, surpreendentemente, o nome da artista que o encabeca traz a memoria tempos nao muito distantes dos desfiles parisienses (confesso que era a minha Top-model favorita...). Depois de uma hesitacao inicial, lá decidi avancar para a auscultacao do disco.
Logo nas primeiras faixas e audivel que as composicoes sao marcadas, instrumentalmente, por um acentuado despojamento em termos de arranjos, onde reina a acustica. Tinha lido numa entrevista que esta tinha sido uma opcao pessoal da cantora, decorrente de gostos pessoais (Leonard Cohen, Bob Dylan, Bjork ou Jacques Brel). Legitima como qualquer outra.
Com o avanco da audicao do disco mais notoria se torna a presenca de uma linha condutora simples e melodica, sustentada pela língua francesa, que neste caso se casa perfeitamente com a intencao expressiva da cantora.
No fim, em genero de balanco, fica um album que revela a estreia elegante e intimista de uma ex-Top-model.
Carla Bruni, Quelqu´un m´a dit
Insito no topo do CD, surpreendentemente, o nome da artista que o encabeca traz a memoria tempos nao muito distantes dos desfiles parisienses (confesso que era a minha Top-model favorita...). Depois de uma hesitacao inicial, lá decidi avancar para a auscultacao do disco.
Logo nas primeiras faixas e audivel que as composicoes sao marcadas, instrumentalmente, por um acentuado despojamento em termos de arranjos, onde reina a acustica. Tinha lido numa entrevista que esta tinha sido uma opcao pessoal da cantora, decorrente de gostos pessoais (Leonard Cohen, Bob Dylan, Bjork ou Jacques Brel). Legitima como qualquer outra.
Com o avanco da audicao do disco mais notoria se torna a presenca de uma linha condutora simples e melodica, sustentada pela língua francesa, que neste caso se casa perfeitamente com a intencao expressiva da cantora.
No fim, em genero de balanco, fica um album que revela a estreia elegante e intimista de uma ex-Top-model.
Carla Bruni, Quelqu´un m´a dit
terça-feira, outubro 28, 2003
ENTREVISTA DO PRESIDENTE
O Presidente da República deu uma boa entrevista à RTP, hoje transcrita no jornal Público. Da generalidade das suas intervenções saliente-se a sensatez no modo como encarou o excessivamente mediático processo da Casa Pia, a preocupação demonstrada com o cenário de desinvestimento global no ensino e a crítica à progressiva comercialização do sistema nacional de saúde. Mas mais importante do que estas questões foi a sua inteligente análise macroeconómica. Sampaio mostrou-se apreensivo em relação a uma política orçamental que insiste em conter o investimento público (sobretudo em sectores como a educação, a saúde e o do investimento tecnológico), mas que não consegue promover o aumento das receitas do Estado. O equilíbrio orçamental é sempre conseguido à custa de receitas extraordinárias, muitas delas resultantes da venda de património público. Neste contexto, o governo, ao contrário do prometido, continua a ser permissivo no que respeita à evasão fiscal. O quadro desenhado aponta, a toda a velocidade, para um crescendo das desigualdades sociais.
A presidência de Sampaio é passível de ser criticada em inúmeros aspectos. No entanto, olhando para os candidatos à sua sucessão, facilmente percebemos que vai demorar tempo a encontrar um presidente ao nível do que temos hoje.
O Presidente da República deu uma boa entrevista à RTP, hoje transcrita no jornal Público. Da generalidade das suas intervenções saliente-se a sensatez no modo como encarou o excessivamente mediático processo da Casa Pia, a preocupação demonstrada com o cenário de desinvestimento global no ensino e a crítica à progressiva comercialização do sistema nacional de saúde. Mas mais importante do que estas questões foi a sua inteligente análise macroeconómica. Sampaio mostrou-se apreensivo em relação a uma política orçamental que insiste em conter o investimento público (sobretudo em sectores como a educação, a saúde e o do investimento tecnológico), mas que não consegue promover o aumento das receitas do Estado. O equilíbrio orçamental é sempre conseguido à custa de receitas extraordinárias, muitas delas resultantes da venda de património público. Neste contexto, o governo, ao contrário do prometido, continua a ser permissivo no que respeita à evasão fiscal. O quadro desenhado aponta, a toda a velocidade, para um crescendo das desigualdades sociais.
A presidência de Sampaio é passível de ser criticada em inúmeros aspectos. No entanto, olhando para os candidatos à sua sucessão, facilmente percebemos que vai demorar tempo a encontrar um presidente ao nível do que temos hoje.
segunda-feira, outubro 27, 2003
Anedotazzzz2
A mulher para o marido:
- Por que é que não usas a aliança de casamento ?
- Estás doida ? Com este calor ?
- Por que é que não usas a aliança de casamento ?
- Estás doida ? Com este calor ?
Anedotazzz
P: Como se chama a mulher que nunca se afoga e sempre que pode aparece nos telhados?
R: A Clarabóia...
R: A Clarabóia...
Dos Subúrbios
Não há nada como vir um gajo dos subúrbios, que detesta assuntos chatos e sérios, falar do "distanciamento brechtiano" e do "efeito Kuletchov" ...
Chatos do caralho
Recebi um e-mail que passo a publicar, dado o seu conteúdo interessar a todos. “Há quase um ano que sou um assíduo frequentador da blogosfera. Das centenas de blogs que já visitei, garanto-vos que não encontrei nada mais aborrecido que o vosso. A falta de sofisticação é épica, a seriedade anacrónica. São uns chatos. Os vossos assuntos preferidos são os orçamentos de Estado, a política do governo, futebol, o Partido Socialista, o papa e o Tocqueville. O tal do Nuno, em apenas um mês, já utilizou a expressão classes sociais mais vezes do que toda a blogosfera durante um ano. Lidera também as entradas para burguesia, operariado, os dominados e os dominantes. Mais enfadonho que o Nuno só mesmo o Bruno. Além de falar das mesmas coisas aborrecidas e insuportavelmente sérias é de direita e faz odes ao João Paulo II. Nem uma referenciazinha a Buda, nem ao Confúcio, nem mesmo ao Lao-Tzu, foda-se, pelo menos o Lao-Tzu. Depois há um tal de Palouro. Tive esperança que fosse do Bloco de Esquerda, mas não. Uma apreciação ao seu vocabulário revela que ainda não utilizou as palavras , “enrola-me ai um”, “enrola-me ai outro”, “enrola-me lá essa merda”, “enrola-te lá”, “enrola-te lá e enrola-mo cá”, “enrola-me lá e traz um amigo também”, “enrola-te cá e venham mais cinco”. Temos ainda o Stuart, que eu desconfio, sinceramente, que seja um pseudónimo do Guilherme Leite, e o Olson, que tem pinta de função pública (não há nada menos sofisticado do que a função pública), sempre a queixar-se, incapaz de um rasgo intelectual, género “distanciamento brechtiano”, ou “efeito Kuletchov”. Consta ainda do grupo um tal de César Mogueime, que além de ter o nome mais ridículo da blogosfera, é uma espécie de Baptista Bastos do grupo, «num bar da Funchal lá entrou o meu primo Isaías com o castor debaixo do braço». Uma seca. Sobram os esporádicos, todos igualmente chatos. Em suma, deixei os Lexotans, os Lorenins, os Xanax e as folhas de alfaces, dois minutos no Blog do grupo do Pato e estou ferrado. Apesar de tudo, obrigado.
Arnaldo J. / Paço D’Arcos
Arnaldo J. / Paço D’Arcos
domingo, outubro 26, 2003
Verdes de inveja
É lindo, lindo, lindo e lindo. Nada mais a acrescentar.
A lata destes gajos. Julgava eu que o clube dos betinhos iria ter o bom gosto de contratar alguém que fizesse outra coisa do seu estádio que não uma casa de banho gigante com azulejos em que a combinação de cores atinge o zénite do mau gosto. Pois estava enganado. Definitivamente já não se fazem betinhos como antigamente. Antes uma catedral do que um monumento aos lavabos pós-modernos.
De assinalar. Deve-se ao Benfica, ou melhor aos seus adeptos, uma das mais mediáticas afrontas à política deste governo. Noutros locais há pouco inaugurados não ouvi nada. Alguém ouviu alguma coisa?
Para terminar, dizer que ontem, na nova Luz, não se ouviu um único cântico ou palavra de ordem contra qualquer outro clube rival. É assim na Catedral.
Depois há as outras coisas más, mas isso agora não interessa nada.
É lindo, lindo e lindo, e se não fosse lindo era pelo menos o maior. Há algum maior por ai? Alguém viu um maior? Bem me parecia que não.
A lata destes gajos. Julgava eu que o clube dos betinhos iria ter o bom gosto de contratar alguém que fizesse outra coisa do seu estádio que não uma casa de banho gigante com azulejos em que a combinação de cores atinge o zénite do mau gosto. Pois estava enganado. Definitivamente já não se fazem betinhos como antigamente. Antes uma catedral do que um monumento aos lavabos pós-modernos.
De assinalar. Deve-se ao Benfica, ou melhor aos seus adeptos, uma das mais mediáticas afrontas à política deste governo. Noutros locais há pouco inaugurados não ouvi nada. Alguém ouviu alguma coisa?
Para terminar, dizer que ontem, na nova Luz, não se ouviu um único cântico ou palavra de ordem contra qualquer outro clube rival. É assim na Catedral.
Depois há as outras coisas más, mas isso agora não interessa nada.
É lindo, lindo e lindo, e se não fosse lindo era pelo menos o maior. Há algum maior por ai? Alguém viu um maior? Bem me parecia que não.
sexta-feira, outubro 24, 2003
Cunhas
Gostava de pedir ao Bruno que colocasse dois novos blogues na nossa lista aqui do lado direito. Refiro-me ao pontoevírgula e à Voz no Deserto. Cumprimentos à Margarida e ao Tiago. São cunhas, mas valem a pena. Fica a sugestão.
Consciência de classe
Um dos operários que está a fazer obras lá no meu prédio tocou-me à porta porque precisava de fazer uns acabamentos. Lá andou a pôr massa nuns buracos e a certa altura pediu-me um folha de jornal para ajudar a limpar a massa que sobejava. Abri a Bola de terça-feira e dei-lhe uma folha. O homem olhou para a página e disse que aquela não servia. Era uma das páginas sobre o Benfica. Perguntei-lhe se tinha preferência por outro assunto qualquer. Disse-me que desde que não fosse a do Benfica era indiferente. Dei-lhe uma ao acaso. É isto que nos distingue do resto da maralha, somos pelo Benfica e não contra os outros simpáticos clubes, de quem, no fundo, até gostamos. Já agora, em resposta à pergunta do lagarto, há poucas a ver o Benfica no Estádio porque o clube é de trabalhadores. Se as nossas elites não fazem nada pelo país alguém tem que o fazer. Mas agora com a nova catedral isto vai mudar. Viva o Benfica.
Miséria
Na Assembleia da República discute-se hoje o estado das políticas sociais do país. Como se esperava, o programa do governo, escrupulosamente seguido em relação ao défice público, não vai ser cumprido em vários aspectos fundamentais. Portugal continua a ser um país absolutamente miserável ao nível das políticas sociais. A ajuda do Dr. Portas aos velhinhos, que seria concretizada pela convergência da pensão mínima com o salário mínimo, não passou, como era esperado, de populismo barato. Noutro âmbito, é preciso reagir com dinâmica à ideia peregrina de que o sistema de segurança social está à beira do colapso. É falso. Só aqueles que desejam lucrar com a sua privatização conseguem sustentar esta ideia. Uma política realmente comprometida com a vontade de ajudar os mais fracos faz-se com medidas concertas e não com retóricas inconsequentes (é por isto, aliás, que o senhor Wojtyla é um reaccionário do pior, porque o seu lado pretensamente bom é simples retórica, ao passo que o lado tenebroso tem, infelizmente, consequências práticas. Apresentem-me um exemplo, só peço um, de uma actuação concreta do Vaticano para minorar as grandes injustiças do capitalismo, para evitar guerras que violam o direito internacional, para ajudar, e não falo da caridadezinha, as pessoas que sofrem com as cada vez mais intensas desigualdades sociais. Bem prega Frei Tomás).
O exemplo
No meio do trânsito, estão, lado a lado, um Mercedes com uma madame finíssima e um Fiat Uno bem velhinho, onde vai o Zé dos bigodes.
O Zé grita, buzina, faz um escarcéu por causa do trânsito ... até que, a fina madame baixa o vidro e diz-lhe:
- Oh meu senhor, "A paciência é a mais nobre e gentil
das virtudes!", Shakespeare, em "Macbeth".
O tipo do Uno não se intimida e revida:
- "Tou-me cagando pra essa merda!", Ferro Rodrigues, em "Processo da
Casa Pia".
O Zé grita, buzina, faz um escarcéu por causa do trânsito ... até que, a fina madame baixa o vidro e diz-lhe:
- Oh meu senhor, "A paciência é a mais nobre e gentil
das virtudes!", Shakespeare, em "Macbeth".
O tipo do Uno não se intimida e revida:
- "Tou-me cagando pra essa merda!", Ferro Rodrigues, em "Processo da
Casa Pia".
quinta-feira, outubro 23, 2003
quarta-feira, outubro 22, 2003
Montalbán
Algures num aeroporto de Banguecoque um escritor de livros policiais morreu. O caso parece não merecer a investigação de um detective privado. Ataque cardíaco. E pronto, as aventuras de Pepe Carvalho, o gastrónomo galego de Barcelona, ex-comunista, ex-agente da CIA, vão viver em círculo nas obras publicadas. Muitos livros da Biblioteca de Carvalho ficaram por queimar.
“Às vezes penso voltar a Paris. Tenho um armário cheio de fatos em casa da minha mãe. Tenho a minha ex-mulher casada com um catedrático riquíssimo a quem assenta muito bem o fraque e que está constantemente a aparecer nos Jours de France. Se me deitar a recapitular os meus livros e me puser a ler o Le Monde Diplomatique destes últimos sete ou oito anos, ficarei em dia e tenho a certeza de encontrar um bom emprego, se fizer cara de filho pródigo e lhes vender que venho do universo do marxismo e da contracultura, consciente de que a única verdade detêm-na Milton Friedman e o neo-liberalismo económico e político. A hegemonia da burguesia sustenta-se graças à prestação de método e linguagem que lhe trouxeram os dissidentes do inimigo e os meninos que foram marxistas ou budistas ou drogados e depois voltaram para casa do papá.”
Manuel Vásquez Montalbán, Os Pássaros de Banguecoque, Lisboa, Caminho, p.214
“Às vezes penso voltar a Paris. Tenho um armário cheio de fatos em casa da minha mãe. Tenho a minha ex-mulher casada com um catedrático riquíssimo a quem assenta muito bem o fraque e que está constantemente a aparecer nos Jours de France. Se me deitar a recapitular os meus livros e me puser a ler o Le Monde Diplomatique destes últimos sete ou oito anos, ficarei em dia e tenho a certeza de encontrar um bom emprego, se fizer cara de filho pródigo e lhes vender que venho do universo do marxismo e da contracultura, consciente de que a única verdade detêm-na Milton Friedman e o neo-liberalismo económico e político. A hegemonia da burguesia sustenta-se graças à prestação de método e linguagem que lhe trouxeram os dissidentes do inimigo e os meninos que foram marxistas ou budistas ou drogados e depois voltaram para casa do papá.”
Manuel Vásquez Montalbán, Os Pássaros de Banguecoque, Lisboa, Caminho, p.214
segunda-feira, outubro 20, 2003
A Última Semana da Bola
Do mosaico futebolístico da última semana, gostaria de afixar alguns comentários. Da campanha eleitoral do Benfica, que tantos momentos de boa disposição nos tem dado, tivemos no sábado Guerra Madaleno a anunciar que a contratação de Beckham estaria ao alcance da sua candidatura, acaso ganhasse as eleições! Desde já posso garantir a veracidade desta notícia! E mais, para além de Beckham, também o restante plantel do Real Madrid já manifestou vontade de mudar de capital, desde que os jogadores ouviram Luís Filipe Vieira a anunciar que o Benfica será o maior clube da Europa daqui a 3 anos!
Quanto ao Sporting, é chegado o momento de esclarecer de uma vez por todas o mistério das seringas na Suécia! Segundo informações obtidas por fontes crediveis, as seringas não continham mais do que uma substância que estava a ser testada secretamente há algumas semanas no laboratório químico da Academia de Alcochete, e que visava combater a fobia dos golos sofridos no último minuto pelo clube! Depois de muitas experiências durante os últimos dias, provou-se na Suécia que a substância encontrada para já demonstra ser eficaz.
Entretanto posso dizer em primeira mão que está já a ser pesquisada nos laboratórios uma nova substância, cujo objectivo é ajudar os responsáveis e os jogadores do clube a pronunciarem correctamente o nome do clube turco que saiu na rifa ao Sporting na próxima eliminatória da Taça Uefa, o Gencleciblidebialiniremihineci...
Ainda no Sporting tivemos o vice Soares Franco da Linha a dizer que o Papa estava a morrer. Enfim, nada que nos espante, pois o namoro deste com uma jovem nortenha de 27 anos logo fazia prever que o Papa iria sofrer um desgaste acentuado para satisfazer os apetites da jovem. Exaurido por sucessivas maratonas sexuais com a jovem e por combates de luta livre com a ex-esposa, parece então que o Papa está agora a dar as últimas...
Por fim, na Selecção Nacional, Scolari voltou a reiterar que não irá convocar Baía para o Euro 2004, acrescentando até que mais depressa convocava o guarda redes do Chelsea, perdão Chelski, após tê-lo visto a jogar este fim de semana contra o Arsenal, do que Baía!
Quanto ao Sporting, é chegado o momento de esclarecer de uma vez por todas o mistério das seringas na Suécia! Segundo informações obtidas por fontes crediveis, as seringas não continham mais do que uma substância que estava a ser testada secretamente há algumas semanas no laboratório químico da Academia de Alcochete, e que visava combater a fobia dos golos sofridos no último minuto pelo clube! Depois de muitas experiências durante os últimos dias, provou-se na Suécia que a substância encontrada para já demonstra ser eficaz.
Entretanto posso dizer em primeira mão que está já a ser pesquisada nos laboratórios uma nova substância, cujo objectivo é ajudar os responsáveis e os jogadores do clube a pronunciarem correctamente o nome do clube turco que saiu na rifa ao Sporting na próxima eliminatória da Taça Uefa, o Gencleciblidebialiniremihineci...
Ainda no Sporting tivemos o vice Soares Franco da Linha a dizer que o Papa estava a morrer. Enfim, nada que nos espante, pois o namoro deste com uma jovem nortenha de 27 anos logo fazia prever que o Papa iria sofrer um desgaste acentuado para satisfazer os apetites da jovem. Exaurido por sucessivas maratonas sexuais com a jovem e por combates de luta livre com a ex-esposa, parece então que o Papa está agora a dar as últimas...
Por fim, na Selecção Nacional, Scolari voltou a reiterar que não irá convocar Baía para o Euro 2004, acrescentando até que mais depressa convocava o guarda redes do Chelsea, perdão Chelski, após tê-lo visto a jogar este fim de semana contra o Arsenal, do que Baía!
quinta-feira, outubro 16, 2003
o papa
Vive-se uma espécie de histeria papal. Confesso que não percebo porquê. Encontram-se entre os mais entusiásticos aqueles que, há muito pouco tempo, perante a posição anti-guerra do papa, afirmaram que o senhor não podia dizer outra coisa; a sua opinião era salutar, humana no fundo, mas o assunto era sério e, assim, valores mais altos se levantam. E pensava eu que acima do papa só o outro, vocês sabem quem. Este papa, dentro do género, foi bastante mau. É certo que não mandou ninguém para a fogueira, não colaborou com nazis e até pediu desculpa ao Galileu, embora com ligeiro atraso. De resto foi mau. Atribuem-lhe o facto de ter esmagado o comunismo soviético, mas este esmagou-se a si mesmo. No que respeita ao modo como julgou a vidas das pessoas foi de um fundamentalismo extraordinário. As suas posições em relação aos métodos contraceptivos, ao aborto, ao divórcio, aos homossexuais são quase medievais. Mais grave, porém, talvez seja o modo como as mulheres continuam a ser tratadas no interior da igreja católica. Claro que por detrás da moral e dos bons costumes estão, como dizem os católicos oportunistas que apoiaram a guerra, os assuntos sérios: as negociatas da opus dei, os interesses financeiros, as infiltrações nos meandros do poder político, académico, judicial, etc. Respeito os poucos católicos que seguem os bons ensinamentos do livro, com certeza que são cidadãos quase exemplares. Não acho que a Igreja seja um todo uniforme. Como em todo o lado há pessoas que pensam de forma diferente e que têm uma postura progressista e humana. No geral, porém, a hierarquia reflecte quase sempre um conservadorismo perverso.
quarta-feira, outubro 15, 2003
Picanha
Era uma vez uma pequena cidade do interior de Portugal onde todos eram felizes e trabalhadores. As famÃlias, abençoadas pela santa madre igreja, eram o esteio da comunidade para o sucesso da qual contribuÃam homens rudes mas honestos e mulheres dóceis e dedicadas. As crianças viviam contentes nas suas pequenas e ingénuas brincadeiras esperando um dia seguir o exemplo abnegado das mães e a postura forte e determinada dos pais. Tudo corria pelo melhor no desertificado interior português, quando o terrÃvel feiticeiro do reino de Krom enviou trezentas prostitutas brasileiras para destruir a felicidade da pacata comunidade. E logo brasileiras, das piores como se sabe. De um momento para o outro, enfiteiçados pelo canto enebriante das meretrizes, os valorosos homens da cidade enlouqueceram. Tornaram-se trabalhadores desleixados, romperam com os bonitos hábitos familiares e quiseram mudar o nome dos filhos para Gerson, Juninho, Wanderley Alexandre, Jumira, Losiney e afins. As mulheres desesperaram para o contentamento de bruxas, cartomantes, tarólogas, psicólogas e da TVI. Felizmente que alguém, perante a normal apatia da comunidade internacional, resolveu actuar. George Bush, o presidente de todos os humanos tomou o caso em mãos, colocando a Time, esse pilar da democracia mediática, em acção. A sua táctica é surpreendente. Bush quer mandar as brasileiras para Guantanamo e obrigar os homens da pequena cidade do interior português a assinarem esse baluarte da cultura americana que é Playboy Channel, apostando no faça você mesmo. Sempre à frente.
Por mim acho que a modernidade em Bragança começou pela cama. Viva o Brasil. Às mães de Bragança só posso lhes posso aconselhar a contratar uns gigolos ucranianos. Temos que construir o luso-tropicalismo-eslavo. Viva Portugal.
Por mim acho que a modernidade em Bragança começou pela cama. Viva o Brasil. Às mães de Bragança só posso lhes posso aconselhar a contratar uns gigolos ucranianos. Temos que construir o luso-tropicalismo-eslavo. Viva Portugal.
The New Red Light District
A aparição nos escaparates reais e virtuais da edição europeia da revista Time, trouxe de novo à primeira linha dos destaques noticiosos portugueses a situação daquelas que a revista Time designa por "meninas de Bragança".
Não sendo minha pretensão estar agora a discorrer sobre as razões do fenómeno, gostaria isso sim de utilizar esta pena de silício para deixar algumas palavras acerca da forma como as "meninas" foram apresentadas no noticiário da estação televisiva SIC.
Concretamente, e indo de modo directo ao sucedido, o jornal televisivo desta estação, ao fazer a introdução da notícia, afixou em pano de fundo no ecrã a capa da revista Time, ao que se seguiu de imediato o relato do pivôt do noticiário a anunciar que a revista trazia à sua primeira página uma fotografia onde se via claramente umas das "mulheres da má vida" ...
Fazendo letra morta da neutralidade semântica que deve pautar a informação objectiva e rigorosa, o pivôt deste jornal, ao descrever a pessoa, e todas as outras que partilham a mesma actividade profissional, como sendo elas "mulheres da má vida", logo extraiu uma raíz quadrada negativa dessas pessoas que infere a sua caracterização como promotoras do sumiço das virtudes morais da sociedade.
Porque o rigor jornalístico não se compadece com expressões de cariz popular ou com juízos particularísticos, melhor seria que quando olhassem para as pessoas da "boa vida", que se depreende, por antítese, serem aquelas que aparecem assiduamente nas "Caras" dos seus programas, se dessem conta do valor acrescentado que muitas dessas "mulheres da boa vida" trazem para o enriquecimento da qualidade moral da sociedade!
Não sendo minha pretensão estar agora a discorrer sobre as razões do fenómeno, gostaria isso sim de utilizar esta pena de silício para deixar algumas palavras acerca da forma como as "meninas" foram apresentadas no noticiário da estação televisiva SIC.
Concretamente, e indo de modo directo ao sucedido, o jornal televisivo desta estação, ao fazer a introdução da notícia, afixou em pano de fundo no ecrã a capa da revista Time, ao que se seguiu de imediato o relato do pivôt do noticiário a anunciar que a revista trazia à sua primeira página uma fotografia onde se via claramente umas das "mulheres da má vida" ...
Fazendo letra morta da neutralidade semântica que deve pautar a informação objectiva e rigorosa, o pivôt deste jornal, ao descrever a pessoa, e todas as outras que partilham a mesma actividade profissional, como sendo elas "mulheres da má vida", logo extraiu uma raíz quadrada negativa dessas pessoas que infere a sua caracterização como promotoras do sumiço das virtudes morais da sociedade.
Porque o rigor jornalístico não se compadece com expressões de cariz popular ou com juízos particularísticos, melhor seria que quando olhassem para as pessoas da "boa vida", que se depreende, por antítese, serem aquelas que aparecem assiduamente nas "Caras" dos seus programas, se dessem conta do valor acrescentado que muitas dessas "mulheres da boa vida" trazem para o enriquecimento da qualidade moral da sociedade!
terça-feira, outubro 14, 2003
OE
De acordo com as primeiras previsoes vamos ter um proximo ano ainda com menos investimento na educacao, saude e seguranca social. Vamos ter mais investimento em carros para os director geral, secretaria e seguinte hierarquia. Ainda nao sei para que serve pagar impostos num pais que nao aposta em nada com uma visao de menos de 20 centimetros, nem consegue ver o outro lado da rua. Para a p....... dos estadios nao ha cortes. So ha cortes nas coisas que sao primordiais para um pais moderno.
A aposta era na ciencia e tecnologia. Onde esta?? Alguem viu. O Ze e a Maria ainda continuam a espera da operacao ou do filho ir para a faculdade, nao tem a sorte de outros. O outro filho esta em preventiva a 2 anos mas tem o azar te ter sido apanhado a roubar laranjas na propriedade do director da policia e como nao é pedofilo nao lhe ligam nenhuma. ETC, ETC.
Nao sei como se pode continuar a viver num pais assim.
A aposta era na ciencia e tecnologia. Onde esta?? Alguem viu. O Ze e a Maria ainda continuam a espera da operacao ou do filho ir para a faculdade, nao tem a sorte de outros. O outro filho esta em preventiva a 2 anos mas tem o azar te ter sido apanhado a roubar laranjas na propriedade do director da policia e como nao é pedofilo nao lhe ligam nenhuma. ETC, ETC.
Nao sei como se pode continuar a viver num pais assim.
Pensamento do dia
Aquele que, ao longo de todo o dia:
É activo como uma abelha,
Forte como um touro,
Trabalha que nem um cavalo,
E que ao fim da tarde se sente cansado que nem um cão.
Deveria consultar um veterinário.
É bem provável que seja um grande burro!
segunda-feira, outubro 13, 2003
DOGVILLE
Desculpem o tamanho mas o nosso blogue não é um blogue light.
Lars Von Trier não é um cineasta que provoque unanimidades. Em relação à sua obra as opiniões quase sempre se dividem entre os que gostam muito e os que não gostam nada. Devo dizer que me encontro entre os primeiros. Independentemente das opiniões, Von Trier tem uma vantagem que vai rareando: os seus filmes provocam a discussão, não apenas a estritamente cinematográfica, mas a que remete para a forma como o realizador pensa e discute, o mundo e a vida. Dir-me-ão que estas duas dimensões, já que falamos de um filme, são inseparáveis, não podendo ser analisadas de per si. Certamente. Porém, por manifesta incapacidade de discutir convenientemente a primeira, gostava de cometer o lamentável sociologismo de me centrar na segunda, onde apesar de tudo, navego com maior facilidade. Têm os media salientado até à náusea, ideia para a qual o próprio Von Trier terá contribuído, que Dogville é sobre os Estados Unidos América. Na realidade, a acção do filme decorre numa pequena aldeia norte-americana, durante os difíceis anos da depressão que se seguiu à crise de 1929. A inserção histórica e espacial não encerra, porém, o significado da obra. Estou em crer que a sua moralidade, e Von Trier é um cineasta indiscutivelmente moralista, persegue uma dimensão universal. Claro que esta história moral vai-se adequando com maior ou menor exactidão às situações históricas em que vivemos. Nesse sentido, a crítica feroz inerente ao filme atinge com precisão o establishment da dominação geo-política quotidiana, que tem como centro o Estados Unidos da América.
Von Trier montou uma fábula, moral como todas as fábulas. A obra é uma montagem artística da sua tese. A pequena aldeia americana é o espaço desta demonstração. Von Trier assume isso. O filme é contado no terreno da fábula, os cenários são desenhados no chão, as casas não têm paredes, e o espaço remete obviamente para o teatro e para o exercício da encenação. A própria direcção de actores reenvia para uma dimensão teatral. Neste contexto «artificial», sobressaem as palavras que são ditas, a narrativa que é contada e, em último caso, a inevitável moralização da história. A fábula e o conto, embora géneros substancialmente diferentes, têm uma inspiração popular, no seio da qual a forma de contar está sempre ao serviço de uma moral, de algo que se quer demonstrar. Claro que a evolução do campo arte no caminho invío da autonomização sanciona este tipo de dispositivo que sacrifica a forma ao conteúdo, o mostrar ao demonstrar. A reviravolta formal, e ai Von Trier defende-se habilmente, surge pelo facto da construção da demonstração ser absolutamente original do ponto de vista cinematográfico, já que importa de outros materiais artístico o modo de contar. Von Trier é acusado de ser um manipulador, mas expõe de forma clara os mecanismos da sua manipulação. Nada está escondido. Trata-se de uma fábula. Resta aos seus detractores protestarem. Numa discussão, há formas diferentes de colocar as questões, mas se estas existem, proporcionam respostas. Von Trier quer discutir, mas não quer discutir apenas as formas cinematográficas, quer discutir a vida.
O filme de Von Trier é sobre a comunidade. A comunidade isolada. Uma aldeia pobre, algures nas Montanhas Rochosas, recebe a visita atribulada de uma estranha. Um esquema típico do cinema clássico americano: a harmonia do espaço vai ser quebrada pela nova personagem, está lançado o mote da narração. Grace, o nome da personagem interpretada por Nicole Kidman, foge de um grupo de gangsters. Um dilema assombra a comunidade de quinze indivíduos que habita Dogville: receber ou não receber Grace. Em nove capítulos e um prólogo, Von Trier, com a ajuda fundamental da narração de John Hurt, conta a história da relação de Grace com a comunidade. A recepção temerosa deu lugar à integração harmoniosa. Mas o constante assédio das forças policiais que entretanto procuravam Grace atormenta a comunidade. Aos poucos, esta vai exigir que Grace pague a sua protecção. O pagamento, inicialmente em horas de trabalho, vai extremar-se até à mais aberrante exploração sexual, uma situação conhecida e legitimada por toda a comunidade.
O modo como Von Trier trata os habitantes de Dogville é cruel, mas sobretudo ambíguo (já o olhar de Steinbeck sobre a América da depressão, em As Vinhas da Ira, expressava essa ambiguidade). É possível que a simpatia, que o humor e mesmo certa humanidade sejam compatíveis com o comprometimento individual num colectivo mecanicamente atroz? A caracterização bárbara de um conjunto de pessoas pobres e simples levanta evidentes problemas político-filosóficos. Choca, por exemplo, com a mitologia que a esquerda construiu sobre o povo, uma entidade intrinsecamente boa acossada por uma exploração milenar que evoluía e vários estádios. Por outro lado, rejeita a concepção oposta, típica da direita, que olha para as divisões entre os indivíduos como substâncias, “ele é assim porque é” ou, numa elaboração mais liberal, “ele está assim porque não teve o mérito de conseguir estar melhor”. A maldade, que aliás só consegue identificar como tal quem foi educado a interpretá-la dessa forma, é fruto da normalidade das circunstâncias particulares que rodeiam aqueles indivíduos. Só condena os habitantes de Dogville quem não compartilha a moralidade dos seus actos. A maldade, que pode conviver com os “bons sentimentos” faz parte de uma ética particular nascida das circunstâncias. Isto faz-nos regressar à ideia de comunidade. A transformação de uma sociedade tradicional numa sociedade moderna e industrial foi estudada por um conjunto de autores que são considerados hoje fundadores fundamentais do pensamento social. Tonnies falou da passagem de um estado “comunitário” a um estado “societal”, Weber da transição de uma sociedade caracterizada por “dominação tradicional” para uma sociedade onde vingava uma “dominação racional e burocrática”, Durkheim, por sua vez, falou da passagem de uma sociedade dominada por uma “solidariedade mecânica” para uma sociedade definida pela sua “solidariedade orgânica”. Marx, fora daquilo a que o marxismo veio a chamar de sociologia burguesa, antecipou, que à dissolução de uma ordem tradicional efectuada por uma burguesia revolucionária, se seguiria uma revolução proletária. Com evidentes diferenças entre estes autores, todos descrevem a destruição paulatina de uma sociedade tradicional, rural, isolada, comunitária e profundamente desigual por uma ordem moderna, burguesa, industrial e urbana onde o indivíduo se autonomizava das normas prevalecentes da tradição e do costume. Na cidade, espaço da mistura e da liberdade, o indivíduo ia enfrentar outra ordem não menos desigual; Sabemos quanto é perigoso fazer previsões em história. É pouco líquido que, mesmo nos países mais modernos e industrializados, certas lógicas decorrentes de um contexto tradicional tenham desaparecido. O tipo de circunstâncias sociais que enformam um contexto comunitário, rígido, pouco cosmopolita, não são monopólio de um tempo ou de um espaço. É por isto que penso que o filme de Von Trier não é sobre a América, mas acerca dos efeitos preversos de um totalitarismo comunitário que manieta um indivíduo que mecanicamente segue as regras da comunidade sem lhes conseguir responder. Eram assim os habitantes de Dogville. As normas de um colectivo que subjugava completamento o indivíduo, que se limitava a representar um papel definido pela comunidade, eram tão coercivas que ninguém ousou, perante as maiores iniquidades, pô-las em causa. A personagem de Tom, o filósofo, é a que mais se aproxima da ruptura mas acaba também por se tornar mais um cúmplice da tragédia. Será que este cenário traçado por Von Trier é assim tão irreal? Tão manipulador? Tão demagógico? Ou será que não é sob o beneplácito da comunidade mesquinha e isolada, tão típica, infelizmente, do Portugal atrasado do brandos costumes e dos chicos espertos, que decorrem um número incontável de pequenas atrocidades. É perante os olhos fechados da comunidade mesquinha e isolada que prospera a violência física e psicológica, sobre mulheres e as crianças, a justiça popular sobre as minorias, o caciquismo, o populismo. Tudo por detrás da aparência respeitável da comunidade. O que se passa por detrás das portas comenta-se. Mas não dá origem a qualquer intervenção. Intervir, mesmo sobre a mais intolerável acção, era romper com o equilíbrio da comunidade. Augusto M. Seabra (Público, 10/10), que considera Dogville o mais repelente filme que viu nos últimos anos, acha que Von Trier foi miserável quando, num travelling para trás mostra como toda a comunidade estava a ser conivente com a violação de Grace. O plano só choca Seabra porque a encenação de Von Trier retira as paredes das casas, as mesmas paredes que tornam publicamente respeitável a hipocrisia da comunidade. Conheci, no Portugal dos anos noventa, alguém a quem um filho de um cacique local, provavelmente embrigado, atropelara mortalmente um irmão de oito anos. O caso resolveu-se com 1000 contos. O dinheiro pagou o silêncio da mãe. A comunidade vendeu o silêncio por nada. Von Trier pode ser chamado de abjecto, pelo hipotético prazer exibicionista com que filma o rosário de Grace. Mas a sua fábula não é assim tão diferente da violência que José Saramago descreve no “Ensaio sobre a Cegueira”. Saramago, outro moralista.
Von Trier descreve circunstâncias, não culpa o indivíduo. A sua lógica relacional está povoada por questões intemporais, como as que decorrem do pensamento religioso. A religião sempre discutiu a condição humana, como o fez depois a filosofia e a arte. Grace, no epílogo do filme, afirma que se tivesse estado no lugar deles – dos habitantes de Dogville - tinha feito a mesma coisa, ou talvez pior. Basta pensarmos no nosso quotidiano para percebermos como esta frase se aplica a tantas situações. É “aquele lugar” que Von Trier critica.
Chegamos então ao final. As características perversas da comunidade de Von Trier não têm um local ou um tempo. Digamos que elas podem, dentro de certas circunstâncias, ser reproduzidas onde e quando quer que seja. A ideia de comunidade é, desta forma, transplantada do América da grande depressão, para outros contextos. O mesmo provincianismo, a mesma estreiteza de vista, a mesma falta de capacidade reflexiva e analítica podem fazer parte de comunidades urbanas e modernas. Aliás, o pessimismo de Max Weber em relação progressiva à racionalização do mundo, à hiper divisão social do trabalho, à autonomização de várias esferas do social, entre as quais a da arte, é bastante compatível com aquela visão. Os que destróem Dogville, matam de forma bem mais moderna e racional, sendo por isso bastante mais perigosos. Mas disso Von Trier falará, estou em crer, noutra ocasião.
E o que é que isto tudo tem a ver com os Estados Unidos da América? O país mais industrializado do mundo, o país mais poderoso e moderno elegeu um governo que decalca na perfeição a lógica de mesquinhez comunitária descrita por Von Trier. No seio da modernidade, nasce o mesmo anti-cosmopolitismo, a lógica maquiavelicamente dualista, a hipocrisia da comunidade que continua a pregar o respeitável, mas por detrás das paredes comete as atrocidades que acaba por legitimar colectivamente. O hiper-individualismo americano é um preconceito colectivo que justifica todo o tipo de iniquidades, reproduzindo as circunstâncias onde as pessoas simples se tornam monstruosas. Neste contexto, Von Trier assume-se, não apenas como um cineasta, mas como um crítico mordaz das sociedades contemporâneas, como aliás já o tinha feito em alguns dos seus filmes anteriores. A sua fábula moralmente demonstrativa é uma tese sobre o mundo. Os guardiões das formas não gostam, mas Von Trier não é apenas um jogador formal, é alguém que pensa o Homem. Não se trata apenas de discutir as formas da arte, mas as formas do Homem. Não se trata apenas de ver os pormenores mais recônditos da árvore, mas a imagem da floresta toda.
Lars Von Trier não é um cineasta que provoque unanimidades. Em relação à sua obra as opiniões quase sempre se dividem entre os que gostam muito e os que não gostam nada. Devo dizer que me encontro entre os primeiros. Independentemente das opiniões, Von Trier tem uma vantagem que vai rareando: os seus filmes provocam a discussão, não apenas a estritamente cinematográfica, mas a que remete para a forma como o realizador pensa e discute, o mundo e a vida. Dir-me-ão que estas duas dimensões, já que falamos de um filme, são inseparáveis, não podendo ser analisadas de per si. Certamente. Porém, por manifesta incapacidade de discutir convenientemente a primeira, gostava de cometer o lamentável sociologismo de me centrar na segunda, onde apesar de tudo, navego com maior facilidade. Têm os media salientado até à náusea, ideia para a qual o próprio Von Trier terá contribuído, que Dogville é sobre os Estados Unidos América. Na realidade, a acção do filme decorre numa pequena aldeia norte-americana, durante os difíceis anos da depressão que se seguiu à crise de 1929. A inserção histórica e espacial não encerra, porém, o significado da obra. Estou em crer que a sua moralidade, e Von Trier é um cineasta indiscutivelmente moralista, persegue uma dimensão universal. Claro que esta história moral vai-se adequando com maior ou menor exactidão às situações históricas em que vivemos. Nesse sentido, a crítica feroz inerente ao filme atinge com precisão o establishment da dominação geo-política quotidiana, que tem como centro o Estados Unidos da América.
Von Trier montou uma fábula, moral como todas as fábulas. A obra é uma montagem artística da sua tese. A pequena aldeia americana é o espaço desta demonstração. Von Trier assume isso. O filme é contado no terreno da fábula, os cenários são desenhados no chão, as casas não têm paredes, e o espaço remete obviamente para o teatro e para o exercício da encenação. A própria direcção de actores reenvia para uma dimensão teatral. Neste contexto «artificial», sobressaem as palavras que são ditas, a narrativa que é contada e, em último caso, a inevitável moralização da história. A fábula e o conto, embora géneros substancialmente diferentes, têm uma inspiração popular, no seio da qual a forma de contar está sempre ao serviço de uma moral, de algo que se quer demonstrar. Claro que a evolução do campo arte no caminho invío da autonomização sanciona este tipo de dispositivo que sacrifica a forma ao conteúdo, o mostrar ao demonstrar. A reviravolta formal, e ai Von Trier defende-se habilmente, surge pelo facto da construção da demonstração ser absolutamente original do ponto de vista cinematográfico, já que importa de outros materiais artístico o modo de contar. Von Trier é acusado de ser um manipulador, mas expõe de forma clara os mecanismos da sua manipulação. Nada está escondido. Trata-se de uma fábula. Resta aos seus detractores protestarem. Numa discussão, há formas diferentes de colocar as questões, mas se estas existem, proporcionam respostas. Von Trier quer discutir, mas não quer discutir apenas as formas cinematográficas, quer discutir a vida.
O filme de Von Trier é sobre a comunidade. A comunidade isolada. Uma aldeia pobre, algures nas Montanhas Rochosas, recebe a visita atribulada de uma estranha. Um esquema típico do cinema clássico americano: a harmonia do espaço vai ser quebrada pela nova personagem, está lançado o mote da narração. Grace, o nome da personagem interpretada por Nicole Kidman, foge de um grupo de gangsters. Um dilema assombra a comunidade de quinze indivíduos que habita Dogville: receber ou não receber Grace. Em nove capítulos e um prólogo, Von Trier, com a ajuda fundamental da narração de John Hurt, conta a história da relação de Grace com a comunidade. A recepção temerosa deu lugar à integração harmoniosa. Mas o constante assédio das forças policiais que entretanto procuravam Grace atormenta a comunidade. Aos poucos, esta vai exigir que Grace pague a sua protecção. O pagamento, inicialmente em horas de trabalho, vai extremar-se até à mais aberrante exploração sexual, uma situação conhecida e legitimada por toda a comunidade.
O modo como Von Trier trata os habitantes de Dogville é cruel, mas sobretudo ambíguo (já o olhar de Steinbeck sobre a América da depressão, em As Vinhas da Ira, expressava essa ambiguidade). É possível que a simpatia, que o humor e mesmo certa humanidade sejam compatíveis com o comprometimento individual num colectivo mecanicamente atroz? A caracterização bárbara de um conjunto de pessoas pobres e simples levanta evidentes problemas político-filosóficos. Choca, por exemplo, com a mitologia que a esquerda construiu sobre o povo, uma entidade intrinsecamente boa acossada por uma exploração milenar que evoluía e vários estádios. Por outro lado, rejeita a concepção oposta, típica da direita, que olha para as divisões entre os indivíduos como substâncias, “ele é assim porque é” ou, numa elaboração mais liberal, “ele está assim porque não teve o mérito de conseguir estar melhor”. A maldade, que aliás só consegue identificar como tal quem foi educado a interpretá-la dessa forma, é fruto da normalidade das circunstâncias particulares que rodeiam aqueles indivíduos. Só condena os habitantes de Dogville quem não compartilha a moralidade dos seus actos. A maldade, que pode conviver com os “bons sentimentos” faz parte de uma ética particular nascida das circunstâncias. Isto faz-nos regressar à ideia de comunidade. A transformação de uma sociedade tradicional numa sociedade moderna e industrial foi estudada por um conjunto de autores que são considerados hoje fundadores fundamentais do pensamento social. Tonnies falou da passagem de um estado “comunitário” a um estado “societal”, Weber da transição de uma sociedade caracterizada por “dominação tradicional” para uma sociedade onde vingava uma “dominação racional e burocrática”, Durkheim, por sua vez, falou da passagem de uma sociedade dominada por uma “solidariedade mecânica” para uma sociedade definida pela sua “solidariedade orgânica”. Marx, fora daquilo a que o marxismo veio a chamar de sociologia burguesa, antecipou, que à dissolução de uma ordem tradicional efectuada por uma burguesia revolucionária, se seguiria uma revolução proletária. Com evidentes diferenças entre estes autores, todos descrevem a destruição paulatina de uma sociedade tradicional, rural, isolada, comunitária e profundamente desigual por uma ordem moderna, burguesa, industrial e urbana onde o indivíduo se autonomizava das normas prevalecentes da tradição e do costume. Na cidade, espaço da mistura e da liberdade, o indivíduo ia enfrentar outra ordem não menos desigual; Sabemos quanto é perigoso fazer previsões em história. É pouco líquido que, mesmo nos países mais modernos e industrializados, certas lógicas decorrentes de um contexto tradicional tenham desaparecido. O tipo de circunstâncias sociais que enformam um contexto comunitário, rígido, pouco cosmopolita, não são monopólio de um tempo ou de um espaço. É por isto que penso que o filme de Von Trier não é sobre a América, mas acerca dos efeitos preversos de um totalitarismo comunitário que manieta um indivíduo que mecanicamente segue as regras da comunidade sem lhes conseguir responder. Eram assim os habitantes de Dogville. As normas de um colectivo que subjugava completamento o indivíduo, que se limitava a representar um papel definido pela comunidade, eram tão coercivas que ninguém ousou, perante as maiores iniquidades, pô-las em causa. A personagem de Tom, o filósofo, é a que mais se aproxima da ruptura mas acaba também por se tornar mais um cúmplice da tragédia. Será que este cenário traçado por Von Trier é assim tão irreal? Tão manipulador? Tão demagógico? Ou será que não é sob o beneplácito da comunidade mesquinha e isolada, tão típica, infelizmente, do Portugal atrasado do brandos costumes e dos chicos espertos, que decorrem um número incontável de pequenas atrocidades. É perante os olhos fechados da comunidade mesquinha e isolada que prospera a violência física e psicológica, sobre mulheres e as crianças, a justiça popular sobre as minorias, o caciquismo, o populismo. Tudo por detrás da aparência respeitável da comunidade. O que se passa por detrás das portas comenta-se. Mas não dá origem a qualquer intervenção. Intervir, mesmo sobre a mais intolerável acção, era romper com o equilíbrio da comunidade. Augusto M. Seabra (Público, 10/10), que considera Dogville o mais repelente filme que viu nos últimos anos, acha que Von Trier foi miserável quando, num travelling para trás mostra como toda a comunidade estava a ser conivente com a violação de Grace. O plano só choca Seabra porque a encenação de Von Trier retira as paredes das casas, as mesmas paredes que tornam publicamente respeitável a hipocrisia da comunidade. Conheci, no Portugal dos anos noventa, alguém a quem um filho de um cacique local, provavelmente embrigado, atropelara mortalmente um irmão de oito anos. O caso resolveu-se com 1000 contos. O dinheiro pagou o silêncio da mãe. A comunidade vendeu o silêncio por nada. Von Trier pode ser chamado de abjecto, pelo hipotético prazer exibicionista com que filma o rosário de Grace. Mas a sua fábula não é assim tão diferente da violência que José Saramago descreve no “Ensaio sobre a Cegueira”. Saramago, outro moralista.
Von Trier descreve circunstâncias, não culpa o indivíduo. A sua lógica relacional está povoada por questões intemporais, como as que decorrem do pensamento religioso. A religião sempre discutiu a condição humana, como o fez depois a filosofia e a arte. Grace, no epílogo do filme, afirma que se tivesse estado no lugar deles – dos habitantes de Dogville - tinha feito a mesma coisa, ou talvez pior. Basta pensarmos no nosso quotidiano para percebermos como esta frase se aplica a tantas situações. É “aquele lugar” que Von Trier critica.
Chegamos então ao final. As características perversas da comunidade de Von Trier não têm um local ou um tempo. Digamos que elas podem, dentro de certas circunstâncias, ser reproduzidas onde e quando quer que seja. A ideia de comunidade é, desta forma, transplantada do América da grande depressão, para outros contextos. O mesmo provincianismo, a mesma estreiteza de vista, a mesma falta de capacidade reflexiva e analítica podem fazer parte de comunidades urbanas e modernas. Aliás, o pessimismo de Max Weber em relação progressiva à racionalização do mundo, à hiper divisão social do trabalho, à autonomização de várias esferas do social, entre as quais a da arte, é bastante compatível com aquela visão. Os que destróem Dogville, matam de forma bem mais moderna e racional, sendo por isso bastante mais perigosos. Mas disso Von Trier falará, estou em crer, noutra ocasião.
E o que é que isto tudo tem a ver com os Estados Unidos da América? O país mais industrializado do mundo, o país mais poderoso e moderno elegeu um governo que decalca na perfeição a lógica de mesquinhez comunitária descrita por Von Trier. No seio da modernidade, nasce o mesmo anti-cosmopolitismo, a lógica maquiavelicamente dualista, a hipocrisia da comunidade que continua a pregar o respeitável, mas por detrás das paredes comete as atrocidades que acaba por legitimar colectivamente. O hiper-individualismo americano é um preconceito colectivo que justifica todo o tipo de iniquidades, reproduzindo as circunstâncias onde as pessoas simples se tornam monstruosas. Neste contexto, Von Trier assume-se, não apenas como um cineasta, mas como um crítico mordaz das sociedades contemporâneas, como aliás já o tinha feito em alguns dos seus filmes anteriores. A sua fábula moralmente demonstrativa é uma tese sobre o mundo. Os guardiões das formas não gostam, mas Von Trier não é apenas um jogador formal, é alguém que pensa o Homem. Não se trata apenas de discutir as formas da arte, mas as formas do Homem. Não se trata apenas de ver os pormenores mais recônditos da árvore, mas a imagem da floresta toda.
Do Dia do Mancebo
Daqui a uma semana comemora-se nesta ditosa pátria, com grande pompa e circunstância, o Dia da Defesa Nacional (acho que dia do Ataque Nacional para os mancebos sempre era mais apelativo, mas pronto...). Quis a "fortuna" que o mesmo esteja a ser organizado sob a batuta do Ministro do Zé e da Maria.
Infeliz por não ter tido ainda oportunidade de colocar todos os meninos e meninas deste país a cantar o Hino Nacional no início de cada dia escolar, o ministro do Zé e da Maria logo arranjou uma forma de abafar o seu desgosto.
Vai daí e pôs-se a convocar de forma compulsiva, sob pena de levarem umas vergastadas no rabo, dadas pelo próprio, todos os jovens mancebos deste país para a grande parada militar!
Posta de parte toda a parcimónia financeira que ao país é exigida pelos mais elevados dignatários das finanças, pois que as viagens e os comes e bebes são grátis, o ministro do Zé e da Maria, conhecido por desempenhar com frequência nas horas livres o papel de uma distinta actriz francesa, desfere mais um golpe de teatro na "modernidade" deste país através dos seus recalcamentos infantis, ao encenar uma daquelas exibições militaristas seguida por comício populista tão ao estilo da Velha Senhora.
Infeliz por não ter tido ainda oportunidade de colocar todos os meninos e meninas deste país a cantar o Hino Nacional no início de cada dia escolar, o ministro do Zé e da Maria logo arranjou uma forma de abafar o seu desgosto.
Vai daí e pôs-se a convocar de forma compulsiva, sob pena de levarem umas vergastadas no rabo, dadas pelo próprio, todos os jovens mancebos deste país para a grande parada militar!
Posta de parte toda a parcimónia financeira que ao país é exigida pelos mais elevados dignatários das finanças, pois que as viagens e os comes e bebes são grátis, o ministro do Zé e da Maria, conhecido por desempenhar com frequência nas horas livres o papel de uma distinta actriz francesa, desfere mais um golpe de teatro na "modernidade" deste país através dos seus recalcamentos infantis, ao encenar uma daquelas exibições militaristas seguida por comício populista tão ao estilo da Velha Senhora.
O triste futuro das cadeiras amarelas
Há quase dez anos que passo parte da minha vida no número 26-c da Avenida de Berna. Parida de um antigo quartel, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas sempre foi um espaço estranho, difícil de perceber no seu conjunto. Durante quase três décadas foi um género de lego permanentemente remontado. Destrói de um lado, constrói do outro, quase sempre com aquela incompetência que nos habituámos a gostar. Em todo o caso, quem passe pela Av. De Berna dificilmente se apercebe que por detrás do famoso muro está uma parada militar preenchida pelo amarelo de uma esplanada que se exigia fosse classificada rapidamente pelos técnicos do IPAR. Já se sabe que a FCSH vai deixar a AV. De Berna. O destino não é a margem a sul como se pensava, mas os terrenos de Campolide, onde residem a Faculdade de Economia e Gestão e a novel Faculdade de Direito. Tive, esta semana, a oportunidade de passar pelas modernas instalações de Campolide. Não sou o Ernie Walker mas assim a olho não vejo que aquilo esteja preparado para nos receber. Todo o espaço é irritantemente moderno. O edifício da reitoria é um primor da regra e do esquadro, sem curvas, funcional, onde tudo está feito para ser eficiente. Uma chatice, de uma cor horrorosa; toda a gente tem um ar pálido, embora eficiente. Há urgências de hospitais mais divertidas. Dizer que a funcionalidade se deve aliar à estética é bonito, mas de que funcionalidade estamos a falar, e de que estética. O relvado do campus, naquela manhã soalheira, estava deserto, quem passava por lá ia sempre apressado, concerteza à procura da eficiência que lhe foi sugerida por qualquer economista neo-clássico. Para que tipo de Homem foi aquele espaço feito? Nâo consigo compatibilizar o local com algumas coisas simples da vida na Berna: cadeiras amarelas, imperial ao fim do dia, galos, galinhas, gatos (há quem jure que já lá viu um rebanho de ovelhas) , o sol, a luz, perder tempo a conversar sobre o sexo do anjos, o empate do Benfica e a crise mundial (ou a ganhar tempo, perdoe-me o Bentham e os seus correligionários). Garanto-vos que isto não é a conversa da esquerda preguiçosa. Podia ser, mas não é. Estou plenamente convencido que podemos ser os melhores do mundo num espaço que não seja concebido pelos ditames da racionalidade fria. É a velha questão das aparências. Não precisamos de um oceano de linhas rectas imaginadas por um qualquer arquitecto aborrecido que nunca percebeu o estranho prazer de entrar num caminho que não vai dar a lado nenhum, mas do investimento do Estado, ou melhor dos cidadãos que pagam impostos, que permita aos recém-licenciados, pelo menos os que desejarem, dedicarem-se a trabalhar naquilo que aprenderam durante os anos do curso. No declive de Campolide as Ciências Sociais vão ficar na parte de baixo. Temo que em breve se transformem definitivamente nos tarefeiros dos senhores das gravatas que habitam a parte de cima; estudar o Homem desde que não ofenda o velho paradigma utilitarista do mundo. Ciências Sociais aplicadas.
Liberdade
“Nunca se repetirá vezes suficientes que nada há de mais fecundo e maravilhoso que a arte de ser livre, mas nada tão duro como a aprendizagem dessa liberdade. Não é isso que sucede com o despotismo. O despotismo apresenta-se muitas vezes como o reparador de todos os males; é o apoio do direito justo, o que protege os oprimidos e o garante da ordem. Os povos adormecem-se no seio da prosperidade momentânea que produz, e quando acordam são miseráveis. A liberdade, pelo contrário, nasce frequentemente entre tempestades, estabelece-se trabalhosamente e com discórdias civis, e só quando já é velha se podem conhecer os seus benefícios.”
Alexis de Tocqueville, Da Democracia na América, 1831
Alexis de Tocqueville, Da Democracia na América, 1831
domingo, outubro 12, 2003
O monstro e o seu criador
Tenho uma dúvida constante em relação ao desempenho do sistema de justiça, especialmente quando estão ao barulho grandes interesses políticos e económicos. A independência dos poderes é uma base do Estado de direito, mas isto é o que está escrito. Partindo deste pressuposto resta-nos esperar que a justiça funcione, sem linchamentos ou absolvições públicas. Que esta esperança não seja, porém, demasiado ingénua. No meio das declarações dos inúmeros actores que vão intervindo diariamente no processo mediático da Casa Pia, retive uma frase do advogado de Carlos Silvino. Disse o senhor que os actos do denominado Bibi não são explicáveis, apenas, através das suas indiossincracias individuais; Bibi é uma criação do ambiente da Casa Pia, onde viveu desde os quatro anos num clima de abuso sexual constante. Sem pretender absolver os actos do seu cliente, o advogado abriu os horizontes para uma análise histórica da instituição, das relações políticas que enquadravam uma situação impune, que vinha de longe, de bem dentro do Estado Novo salazarista. Para quem pensa que a mudança se faz por decreto, note-se como algumas continuidades sobrevivem com facilidade a processos políticos e a aparentes mudanças civilizacionais.
sábado, outubro 11, 2003
Achei genial
Cito aqui o blogue "a cagada" pois achei, simplesmente, genial: "85% do corpo diplomático apoia a escolha da Dr. Teresa Patricio Gouveia para ministra dos Negócios Estrangeiros. A razão principal têm a ver com o facto de normalmente as ministras escolherem assessores jovens e bonitos." Eh Eh
quinta-feira, outubro 09, 2003
GNR
De acordo com informações prestadas pelo ministro da Administração Interna, a colocação de militares tugas no Iraque, comportará ao erário público 427 mil euros por mês para manter os 130 homens e mulheres. Quanto ao investimento em equipamento, o governante avançou com o valor de 7 milhões e 777 mil euros.
Figueiredo Lopes adiantou igualmente o valor do suplemento a que os militares destacados vão ter direito. Serão 2490 euros por mês, tanto para oficiais como para praças. O seguro de vida será também igual para todos.
É esta uma parte dos encargos que os contribuintes portugueses têm de suportar para que o governo prossiga a sua generosa e cordata atitude de legitimação de uma invasão e ocupação estrangeira do Iraque e para que algumas empresas de construção civil e bancos portugueses dali recolham muitas pepitas de ouro.
Entretanto continuamos a aguardar que o governo português discorra sobre a fundamentação das provas que o conduziram a apoiar o ataque. Para quem brandiu aos sete ventos a iminência de um apocalipse nuclear acaso não ocorresse a invasão, seria de esperar que maior desvelo tivesse sido posto na apresentação de argumentos irrefutáveis desse perigo. Em vão, até hoje ...
De acordo com informações prestadas pelo ministro da Administração Interna, a colocação de militares tugas no Iraque, comportará ao erário público 427 mil euros por mês para manter os 130 homens e mulheres. Quanto ao investimento em equipamento, o governante avançou com o valor de 7 milhões e 777 mil euros.
Figueiredo Lopes adiantou igualmente o valor do suplemento a que os militares destacados vão ter direito. Serão 2490 euros por mês, tanto para oficiais como para praças. O seguro de vida será também igual para todos.
É esta uma parte dos encargos que os contribuintes portugueses têm de suportar para que o governo prossiga a sua generosa e cordata atitude de legitimação de uma invasão e ocupação estrangeira do Iraque e para que algumas empresas de construção civil e bancos portugueses dali recolham muitas pepitas de ouro.
Entretanto continuamos a aguardar que o governo português discorra sobre a fundamentação das provas que o conduziram a apoiar o ataque. Para quem brandiu aos sete ventos a iminência de um apocalipse nuclear acaso não ocorresse a invasão, seria de esperar que maior desvelo tivesse sido posto na apresentação de argumentos irrefutáveis desse perigo. Em vão, até hoje ...
quarta-feira, outubro 08, 2003
Orçamento de classe
Não conheço em pormenor a proposta de orçamento de Estado para 2004 feita pelo nosso governo. As notícias não são, porém, as melhores. Na lógica de desinvestimento estatal que caracteriza a política macro-económica deste governos são áreas sensíveis e prioritárias para o bem estar geral, como são os casos da saúde e da educação, que vão sofrer os maiores cortes. O governo, liderado por um partido que se diz social-democrata, desfere um rude golpe no quotidiano dos mais fracos. Neste sentido, é um orçamento de classe. Da classe que sem qualquer dúvida domina o aparelho estatal.
Não conheço em pormenor a proposta de orçamento de Estado para 2004 feita pelo nosso governo. As notícias não são, porém, as melhores. Na lógica de desinvestimento estatal que caracteriza a política macro-económica deste governos são áreas sensíveis e prioritárias para o bem estar geral, como são os casos da saúde e da educação, que vão sofrer os maiores cortes. O governo, liderado por um partido que se diz social-democrata, desfere um rude golpe no quotidiano dos mais fracos. Neste sentido, é um orçamento de classe. Da classe que sem qualquer dúvida domina o aparelho estatal.
terça-feira, outubro 07, 2003
Sobre a crítica política
Considero que aquele que critica politicamente deve recordar-se que esta crítica não é um fim em si mesmo. A crítica desmonta discursos, clarifica posições e mesmo quando não aponta alternativas, arrepia caminhos. A satisfação com os jogos de linguagens proporcionados pela crítica é perversa, porque autonomiza de tal forma o discurso que transforma o empenho em intervir sobre o real num simples exibicionismo identitário. A crítica deve esclarecer e para isso deve ser sólida e estar sujeita à verificação. Tenho dificuldades em perceber totalmente o que é o capitalismo, mas tanto aqueles que o combatem, como os que o defendem, parecem compreênde-lo de forma tão perfeita que estão dispostos a jurar pela alma da mamã que ele é ou Deus ou o Diabo. Também considero complexo interpretar todas as dimensões da globalização, se tem um lado emancipatório, ou se é predominantemente predadora. Ando lento. Na minha fraca opinião, a crítica do slogan não nos leva longe. Os novos slogans da esquerda correm o risco de ser tão vazios como os velhos. A crítica tem que soltar o conhecimento, deve criar pessoas capazes de interpretar e analisar, e não repetidores de chavões que se auto-caracterizam por balizas ideológicas que nem sabem muito bem explicar o que são.
A crítica tem que ser mais complexa. Desconfio dos discursos radicais. A inteligentsia da direita, em resultado de ter poucas pessoas com pelo menos duas ideias, está repleta de ex-radicais de esquerda, esquerdistas. Os esquerdistas são maus, os que já saíram e os que se mantêm, porque quanto maior o seu exibicionismo retórico mais longe estão da solução dos problemas reais. Em certo aspectos parecem-se muito com a velha direita. Tão inúteis como os optimistas que acham que o capitalismo se anula por decreto e no dia a seguir nasce o Homem novo, são os cépticos. Normalmente o céptico é o tipo que está porreiro da vida mas que acha que se deve apresentar ao mundo como um gajo chateado. Os cépticos são um género de sub-cultura da burguesia, onde ninguém tem que levantar o cu da cama às cinco da manhã para ir trabalhar na fábrica. No fundo, dá um charme do caraças ser céptico, além disso dá pouco trabalho.
A crítica política tem que ser emancipadora. Isso só se consegue se for estruturada a partir do conhecimento do real. Seguindo esta premissa, penso que a esquerda parte com uma vantagem gigantesca sobre a direita.
Considero que aquele que critica politicamente deve recordar-se que esta crítica não é um fim em si mesmo. A crítica desmonta discursos, clarifica posições e mesmo quando não aponta alternativas, arrepia caminhos. A satisfação com os jogos de linguagens proporcionados pela crítica é perversa, porque autonomiza de tal forma o discurso que transforma o empenho em intervir sobre o real num simples exibicionismo identitário. A crítica deve esclarecer e para isso deve ser sólida e estar sujeita à verificação. Tenho dificuldades em perceber totalmente o que é o capitalismo, mas tanto aqueles que o combatem, como os que o defendem, parecem compreênde-lo de forma tão perfeita que estão dispostos a jurar pela alma da mamã que ele é ou Deus ou o Diabo. Também considero complexo interpretar todas as dimensões da globalização, se tem um lado emancipatório, ou se é predominantemente predadora. Ando lento. Na minha fraca opinião, a crítica do slogan não nos leva longe. Os novos slogans da esquerda correm o risco de ser tão vazios como os velhos. A crítica tem que soltar o conhecimento, deve criar pessoas capazes de interpretar e analisar, e não repetidores de chavões que se auto-caracterizam por balizas ideológicas que nem sabem muito bem explicar o que são.
A crítica tem que ser mais complexa. Desconfio dos discursos radicais. A inteligentsia da direita, em resultado de ter poucas pessoas com pelo menos duas ideias, está repleta de ex-radicais de esquerda, esquerdistas. Os esquerdistas são maus, os que já saíram e os que se mantêm, porque quanto maior o seu exibicionismo retórico mais longe estão da solução dos problemas reais. Em certo aspectos parecem-se muito com a velha direita. Tão inúteis como os optimistas que acham que o capitalismo se anula por decreto e no dia a seguir nasce o Homem novo, são os cépticos. Normalmente o céptico é o tipo que está porreiro da vida mas que acha que se deve apresentar ao mundo como um gajo chateado. Os cépticos são um género de sub-cultura da burguesia, onde ninguém tem que levantar o cu da cama às cinco da manhã para ir trabalhar na fábrica. No fundo, dá um charme do caraças ser céptico, além disso dá pouco trabalho.
A crítica política tem que ser emancipadora. Isso só se consegue se for estruturada a partir do conhecimento do real. Seguindo esta premissa, penso que a esquerda parte com uma vantagem gigantesca sobre a direita.
Megacities
Merece uma visita este documentário que está em exibição no Cine-Estúdio 222, da autoria do austríaco Michael Glawogger. Nomadismo fílmico sobre a vivência de pessoas em 4 megalópoles da Economia-Mundo (Nova Iorque, Moscovo, Cidade do México e Bombaim), eis um retrato pungente e desassombrado de espaços infinitos que embaciam os sentidos e manietam os destinos.
Aqui não se vendem hot-dog´s na rua, vendem-se patas de galinha em copos de plástico com molho de limão. Os miúdos não vão ao Toy´s Rus, esperam ansiosamente pelo vendedor ambulante de pintaínhos. Não há "vedetas" de telenovelas que mostram às revistas o novo interior das suas casas com piscinas, há jovens que mostram o interior da rede de esgotos onde vivem. Há também aqueles que recolhem, transportam e pisam o lixo que recebem das suas incursões diárias pelas bairros escavacados e andrajosos, e que vão depois jogar futebol, não para os relvados ou os pelados, mas para a lixeira.
Estes e muitos outros cenários de uma realidade que exige um despertar imediato de um torpor colectivo que as narrativas imagéticas exibidas mostram à evidência.
Enquanto assim não for, tem razão o fantasma Barrio, e o Absurdo continuará a fazer parte do património cultural da humanidade.
Merece uma visita este documentário que está em exibição no Cine-Estúdio 222, da autoria do austríaco Michael Glawogger. Nomadismo fílmico sobre a vivência de pessoas em 4 megalópoles da Economia-Mundo (Nova Iorque, Moscovo, Cidade do México e Bombaim), eis um retrato pungente e desassombrado de espaços infinitos que embaciam os sentidos e manietam os destinos.
Aqui não se vendem hot-dog´s na rua, vendem-se patas de galinha em copos de plástico com molho de limão. Os miúdos não vão ao Toy´s Rus, esperam ansiosamente pelo vendedor ambulante de pintaínhos. Não há "vedetas" de telenovelas que mostram às revistas o novo interior das suas casas com piscinas, há jovens que mostram o interior da rede de esgotos onde vivem. Há também aqueles que recolhem, transportam e pisam o lixo que recebem das suas incursões diárias pelas bairros escavacados e andrajosos, e que vão depois jogar futebol, não para os relvados ou os pelados, mas para a lixeira.
Estes e muitos outros cenários de uma realidade que exige um despertar imediato de um torpor colectivo que as narrativas imagéticas exibidas mostram à evidência.
Enquanto assim não for, tem razão o fantasma Barrio, e o Absurdo continuará a fazer parte do património cultural da humanidade.
sábado, outubro 04, 2003
A ESCRAVATURA...O Link que coloquei no post anterior não funciona (ainda não descobri como é que se faz). No entanto, tem muito a ver com o que o Vasco escreveu neste último post. O link conduzia a um excelente artigo que surgiu na edição portuguesa deste mês da National Geographic. Eu fiquei deveras alarmado e preocupado. A escravatura está de volta. E não é somente em Africa, é na Europa e até, imagine-se, nos Estados Unidos... Dai o: "Liberalismo... Liberalismo..." No sentido económico, claro...
sexta-feira, outubro 03, 2003
Isto é motivo para preocupação: http://www.nationalgeographic.pt/revista/0903/feature6/Default.asp
Liberalismo... Liberalismo...
Liberalismo... Liberalismo...
"O que é que o baiano tem"
Fica prometida uma prosa sobre a nova direita. Mas já agora questiono-me se esta nova direita é a do Senhor Martins da Cruz e do Senhor Lynce. Se é, parece-se extraordinariamente com a tal esquerda que se aproveita do Estado para sacar uns cobres. Talvez a questão não esteja entre a esquerda e a direita mas se reporte às elites que governam este país. Realmente, Portugal ainda tem muitos traços das democracias musculadas da Amércia do Sul, ou do tal regime de Salazar que a direita quer esquecer. Mas era precisamente sobre a América do Sul que queria falar. Gilberto Gil deu uma simpática entrevista à televisão pública. Ficando-me pela Judite da 1, perdi a Bábá na privada. Uma desgraça. O Gil é fixe. Não é o Caetano, nem o Chico, nem o Jobim, nem o outro Gilberto, nem mesmo a Elis, mas pronto, é fixe. É fixe e é ministro. Ministro e artista. Um artista parte logo em vantagem para uma entrevista. A Judite começou já esmagada; quando o Gil cantarolou sobre o seu imenso lado feminino, a Judite já tremia por todos os lados. Algures num apartamento de Queluz Ocidental Fernando Seara dava de comer ao Mantorras, o seu hamster de estimação, e punha o Wagner na aparelhagem, irritado com o neo-colonialismo brasileiro, já não bastavam os auto-golos do Argel, o homem do dragão tatuado. Normalmente, quando um ministro é entrevistado, os jornalistas querem saber como vai o ofício, medidas, políticas, problemas, contradições, etc. Quando o ministro é artista a música é outra; Gil falou da mamã, do papá, do irmão Caetano, cantou um pouco, disse poemas, máximas zen com postura new age ao melhor estilo do Paulo Coelho, pregou a nova religião pós-moderna, como se não estivessemos fartos da IURD, do Roberto Leal e da Laurinda Alves (não tem nada a ver mas é sempre bom relembrar que a Laurinda existe e é contagiosa). Imagine-se uma entrevista do mesmo género com o nosso ministro, perdão ex-ministro, da Ciência. Ministro Lynce, então a sua infância? Pois, lá andava com as ovelhas do meu tio, lá na herdade, até que um dia, por infuência de um primo, o Bernardo, lá resolvi ir jogar rugby. – E isso foi importante? – Muito importante, percebi logo as grandes semelhanças entre o rugby e a ciência, embora o rugby seja muito mais complexo que quase todas as ciências tirando a agronomia que eu tanto gosto por causa das ovelhas do meu tio Ernesto, sáo coisas que não se esquecem. – Então e capaz de nos mostrar um pouco da sua arte? - Tudo bem, posso por exemplo, fazer uma placagem ali ao operador de câmara, se ele se aleijar eu falo com o ministro da saúde, que é meu amigo, e arranjamo-lhe logo uma cama de hospital, eu escrevo uma cartinha.
Pois é, mas o Gil tem o seu charme. Até sabe quem é o Boaventura de Sousa Santos, o inventor do eco-socialismo. Desde o Pedro Nunes que não inventávamos nada de tão importante. Grande país. Posto isto, devo-me dizer um indiscutível adepto, cauteloso quanto baste, do presidente Lula da Silva. A esquerda tem um língua muito afiada, especialmente para destruir os seus camaradas de ideias. É uma comadre linguaruda esta esquerda. À falta de experiência histórica concreta esperemos mais tempo pelos efeitos do governo Lula. Há sinais negativos, mas vamos ponderar nas consequências de uma crítica demasiado moralista e puritana de pessoas que nem a experiência histórica recente podem apontar como exemplo. E quão bom é o Lula quando comparado com a nova direita, filha da velha direita.
Fica prometida uma prosa sobre a nova direita. Mas já agora questiono-me se esta nova direita é a do Senhor Martins da Cruz e do Senhor Lynce. Se é, parece-se extraordinariamente com a tal esquerda que se aproveita do Estado para sacar uns cobres. Talvez a questão não esteja entre a esquerda e a direita mas se reporte às elites que governam este país. Realmente, Portugal ainda tem muitos traços das democracias musculadas da Amércia do Sul, ou do tal regime de Salazar que a direita quer esquecer. Mas era precisamente sobre a América do Sul que queria falar. Gilberto Gil deu uma simpática entrevista à televisão pública. Ficando-me pela Judite da 1, perdi a Bábá na privada. Uma desgraça. O Gil é fixe. Não é o Caetano, nem o Chico, nem o Jobim, nem o outro Gilberto, nem mesmo a Elis, mas pronto, é fixe. É fixe e é ministro. Ministro e artista. Um artista parte logo em vantagem para uma entrevista. A Judite começou já esmagada; quando o Gil cantarolou sobre o seu imenso lado feminino, a Judite já tremia por todos os lados. Algures num apartamento de Queluz Ocidental Fernando Seara dava de comer ao Mantorras, o seu hamster de estimação, e punha o Wagner na aparelhagem, irritado com o neo-colonialismo brasileiro, já não bastavam os auto-golos do Argel, o homem do dragão tatuado. Normalmente, quando um ministro é entrevistado, os jornalistas querem saber como vai o ofício, medidas, políticas, problemas, contradições, etc. Quando o ministro é artista a música é outra; Gil falou da mamã, do papá, do irmão Caetano, cantou um pouco, disse poemas, máximas zen com postura new age ao melhor estilo do Paulo Coelho, pregou a nova religião pós-moderna, como se não estivessemos fartos da IURD, do Roberto Leal e da Laurinda Alves (não tem nada a ver mas é sempre bom relembrar que a Laurinda existe e é contagiosa). Imagine-se uma entrevista do mesmo género com o nosso ministro, perdão ex-ministro, da Ciência. Ministro Lynce, então a sua infância? Pois, lá andava com as ovelhas do meu tio, lá na herdade, até que um dia, por infuência de um primo, o Bernardo, lá resolvi ir jogar rugby. – E isso foi importante? – Muito importante, percebi logo as grandes semelhanças entre o rugby e a ciência, embora o rugby seja muito mais complexo que quase todas as ciências tirando a agronomia que eu tanto gosto por causa das ovelhas do meu tio Ernesto, sáo coisas que não se esquecem. – Então e capaz de nos mostrar um pouco da sua arte? - Tudo bem, posso por exemplo, fazer uma placagem ali ao operador de câmara, se ele se aleijar eu falo com o ministro da saúde, que é meu amigo, e arranjamo-lhe logo uma cama de hospital, eu escrevo uma cartinha.
Pois é, mas o Gil tem o seu charme. Até sabe quem é o Boaventura de Sousa Santos, o inventor do eco-socialismo. Desde o Pedro Nunes que não inventávamos nada de tão importante. Grande país. Posto isto, devo-me dizer um indiscutível adepto, cauteloso quanto baste, do presidente Lula da Silva. A esquerda tem um língua muito afiada, especialmente para destruir os seus camaradas de ideias. É uma comadre linguaruda esta esquerda. À falta de experiência histórica concreta esperemos mais tempo pelos efeitos do governo Lula. Há sinais negativos, mas vamos ponderar nas consequências de uma crítica demasiado moralista e puritana de pessoas que nem a experiência histórica recente podem apontar como exemplo. E quão bom é o Lula quando comparado com a nova direita, filha da velha direita.
Águas Turvas
Naturalmente que Vasco Rato não se refere à nova direita do Sr. Monteiro, radical, xenófoba, autoritária e ultranacionalista
Diferenciando as duas direitas dessa maneira, poderá até surgir na mente dos mais distraídos a ideia de que tais direitas serão incompatíveis, pontas de extremidade que não se tocam. No entanto a nova direita emergente em Portugal, que tanto querem fazer crer como distante dessa direita do Sr. Monteiro, quando atravesssa o oceano Atlântico e é acolhida em terras do Tio Sam, revela indesmentíveis alianças, comunhão de interesses e de visões com a direita radical, xenófoba e ultranacionalista que hoje em dia tem as redéas do poder nas mãos nesse país.
Tal superação de diferenças ideológicas acentuadas entre as duas direitas, que nada têm a ver uma com a outra, será somente compreensível devido ao facto de estarem em questão valores humanistas mais elevados, certamente...
Naturalmente que Vasco Rato não se refere à nova direita do Sr. Monteiro, radical, xenófoba, autoritária e ultranacionalista
Diferenciando as duas direitas dessa maneira, poderá até surgir na mente dos mais distraídos a ideia de que tais direitas serão incompatíveis, pontas de extremidade que não se tocam. No entanto a nova direita emergente em Portugal, que tanto querem fazer crer como distante dessa direita do Sr. Monteiro, quando atravesssa o oceano Atlântico e é acolhida em terras do Tio Sam, revela indesmentíveis alianças, comunhão de interesses e de visões com a direita radical, xenófoba e ultranacionalista que hoje em dia tem as redéas do poder nas mãos nesse país.
Tal superação de diferenças ideológicas acentuadas entre as duas direitas, que nada têm a ver uma com a outra, será somente compreensível devido ao facto de estarem em questão valores humanistas mais elevados, certamente...
quinta-feira, outubro 02, 2003
Ora bem, resolvidos os problemas técnicos, é-nos agora possível iniciar
esta transmissão, começando por ressalvar que este Blog, além de abarcar elementos de diversos quadrantes partidários, deve também ser um espaço de abertura religiosa e etnográfica. Digo isto, porque na listagem dos participantes falta a nossa catequista (Viviana) e o nosso investigador participante do calão florentino e não só ... (Paulo Manhoso).
Desde já fica a chamada de atenção.
Eurovisão
esta transmissão, começando por ressalvar que este Blog, além de abarcar elementos de diversos quadrantes partidários, deve também ser um espaço de abertura religiosa e etnográfica. Digo isto, porque na listagem dos participantes falta a nossa catequista (Viviana) e o nosso investigador participante do calão florentino e não só ... (Paulo Manhoso).
Desde já fica a chamada de atenção.
Eurovisão
Já cá estou!!! Vamos ver se isto funciona...1,2,3 Experiência...Som...Depois apaga isto,moderador-mor!
quarta-feira, outubro 01, 2003
Gostava de compartilhar convosco uma pequena pérola do jornalismo lusitano com que esbarrei num destes dias. Coisa com alguns anitos, uns quantos erros interpretativos, mas com um fundo inequivocamente verdadeiro. Há falta de grandes escribas à esquerda, demonstrando uma saudável desportivismo, guindo-me para a direita monárquica, em tempos de crise de sucessão. Não me revendo completamente na parte inicial deve considerar o resto um mimo.
É por não gostar de futebol que sou do Benfica. Tal como compreendo como é
que há portugueses que conseguem ser de outros clubes. O Sporting, o Porto
podem jogar bem e o Belenenses e a Académica podem calhar bem em sociedade,
mas só o Benfica, como o próprio nome indica, é o próprio Bem. Que fica.
Só o Benfica pode jogar mal sem que daí lhe advenha algum mal. Basta olhar
para os jogadores para ver que sabem que são os maiores, que não precisam de
esforçar-se muito, porque são intrínseca e moralmente a maior equipa do
mundo inteiro.
Porquê? Ninguém sabe. Mas sente-se. Quando perdem, não se indignam, não
desesperam. Eusébio só chorou quando jogou por Portugal. Quem joga no
Benfica tem o privilégio e o condão de estar sempre a sorrir. Não conseguem
resistir.
O Benfica, a bom ver, nem sequer é uma equipa de futebol. É um nome. É como
dizem os brasileiros, uma "griffe". Têm uma cor. Antes de entrar em campo,
já têm um mito em jogo, já estão a ganhar por 3-0, graças só à reputação.
Quando o Benfica perde, parece sempre que quis perder. Essa é a força
inigualável do Sport Lisboa e Benfica - faz sempre o que lhe apetece.
Qual é o segredo do Benfica? São os benfiquistas. São do Benfica como são
filhos de quem são. Ninguém "escolhe" o Benfica, como ninguém escolhe a Mãe
ou o Pai. Em geral, aliás, os benfiquistas odeiam o Benfica e lamentam-no no
estádio e em casa, mas pertencem-lhe. Quanto mais pertencemos a uma entidade
superior, seja a Família, a Pátria, Deus - ou o Benfica, mais direito,
temos de criticá-la e blasfesmá-la. Não há alternativa.
Em contrapartida, os sportinguistas e portistas parecem genuinamente
convencidos que apoiam as equipas deles porque são as mais dignas ou as
melhores. Desgraçados! Se fossem coerentes, seriam todos adeptos do REAL
MADRID, AC MILAN, etc, etc. No Benfica, não se exige qualquer lealdade.
Só se pede, em relação aos adeptos de outros clubes, caridade e
comiseração.
O Sporting, por exemplo, tem a mania e a pretensão de ser "rival" do
Benfica, um pouco como o PSN se julga crítico parlamentar do PSD. Mas, se se
tirasse o Benfica ao Sporting, o Sporting deixaria de existir. O Benfica é
um grande clube porque tem história e talento suficientes para não dar
importância aos resultados. Tem uma tradição de "nonchalance" e de pura
indiferença que não tem igual nos grandes clubes europeus. O Benfica não
joga - digna-se
jogar.
Não joga para vencer - vence por jogar.
Odeio futebol. Mas amo o Benfica. As opiniões de quem gosta de futebol são
suspeitas. Claro que os sábios são do Benfica. Mas a força deste grande
clube está nos milhões que são benfiquistas apesar do Benfica, apesar do
futebol, e apesar deles próprios. Em contrapartida, aposto que a totalidade
de pessoas que são do Sporting ou do Porto, por infortúnio pessoal ou
deficiência psicológica, são sócios. A força do Benfica, meus amigos,
está em quem não paga as quotas, que não vai a jogos, quem não sabe o nome
dos avançados - isto é, no resto do mundo. O Benfica, é o Benfica. E o que
tem de ser - e é - tem muita força.
Miguel Esteves Cardoso
É por não gostar de futebol que sou do Benfica. Tal como compreendo como é
que há portugueses que conseguem ser de outros clubes. O Sporting, o Porto
podem jogar bem e o Belenenses e a Académica podem calhar bem em sociedade,
mas só o Benfica, como o próprio nome indica, é o próprio Bem. Que fica.
Só o Benfica pode jogar mal sem que daí lhe advenha algum mal. Basta olhar
para os jogadores para ver que sabem que são os maiores, que não precisam de
esforçar-se muito, porque são intrínseca e moralmente a maior equipa do
mundo inteiro.
Porquê? Ninguém sabe. Mas sente-se. Quando perdem, não se indignam, não
desesperam. Eusébio só chorou quando jogou por Portugal. Quem joga no
Benfica tem o privilégio e o condão de estar sempre a sorrir. Não conseguem
resistir.
O Benfica, a bom ver, nem sequer é uma equipa de futebol. É um nome. É como
dizem os brasileiros, uma "griffe". Têm uma cor. Antes de entrar em campo,
já têm um mito em jogo, já estão a ganhar por 3-0, graças só à reputação.
Quando o Benfica perde, parece sempre que quis perder. Essa é a força
inigualável do Sport Lisboa e Benfica - faz sempre o que lhe apetece.
Qual é o segredo do Benfica? São os benfiquistas. São do Benfica como são
filhos de quem são. Ninguém "escolhe" o Benfica, como ninguém escolhe a Mãe
ou o Pai. Em geral, aliás, os benfiquistas odeiam o Benfica e lamentam-no no
estádio e em casa, mas pertencem-lhe. Quanto mais pertencemos a uma entidade
superior, seja a Família, a Pátria, Deus - ou o Benfica, mais direito,
temos de criticá-la e blasfesmá-la. Não há alternativa.
Em contrapartida, os sportinguistas e portistas parecem genuinamente
convencidos que apoiam as equipas deles porque são as mais dignas ou as
melhores. Desgraçados! Se fossem coerentes, seriam todos adeptos do REAL
MADRID, AC MILAN, etc, etc. No Benfica, não se exige qualquer lealdade.
Só se pede, em relação aos adeptos de outros clubes, caridade e
comiseração.
O Sporting, por exemplo, tem a mania e a pretensão de ser "rival" do
Benfica, um pouco como o PSN se julga crítico parlamentar do PSD. Mas, se se
tirasse o Benfica ao Sporting, o Sporting deixaria de existir. O Benfica é
um grande clube porque tem história e talento suficientes para não dar
importância aos resultados. Tem uma tradição de "nonchalance" e de pura
indiferença que não tem igual nos grandes clubes europeus. O Benfica não
joga - digna-se
jogar.
Não joga para vencer - vence por jogar.
Odeio futebol. Mas amo o Benfica. As opiniões de quem gosta de futebol são
suspeitas. Claro que os sábios são do Benfica. Mas a força deste grande
clube está nos milhões que são benfiquistas apesar do Benfica, apesar do
futebol, e apesar deles próprios. Em contrapartida, aposto que a totalidade
de pessoas que são do Sporting ou do Porto, por infortúnio pessoal ou
deficiência psicológica, são sócios. A força do Benfica, meus amigos,
está em quem não paga as quotas, que não vai a jogos, quem não sabe o nome
dos avançados - isto é, no resto do mundo. O Benfica, é o Benfica. E o que
tem de ser - e é - tem muita força.
Miguel Esteves Cardoso
Subscrever:
Mensagens (Atom)