terça-feira, outubro 07, 2003

Sobre a crítica política

Considero que aquele que critica politicamente deve recordar-se que esta crítica não é um fim em si mesmo. A crítica desmonta discursos, clarifica posições e mesmo quando não aponta alternativas, arrepia caminhos. A satisfação com os jogos de linguagens proporcionados pela crítica é perversa, porque autonomiza de tal forma o discurso que transforma o empenho em intervir sobre o real num simples exibicionismo identitário. A crítica deve esclarecer e para isso deve ser sólida e estar sujeita à verificação. Tenho dificuldades em perceber totalmente o que é o capitalismo, mas tanto aqueles que o combatem, como os que o defendem, parecem compreênde-lo de forma tão perfeita que estão dispostos a jurar pela alma da mamã que ele é ou Deus ou o Diabo. Também considero complexo interpretar todas as dimensões da globalização, se tem um lado emancipatório, ou se é predominantemente predadora. Ando lento. Na minha fraca opinião, a crítica do slogan não nos leva longe. Os novos slogans da esquerda correm o risco de ser tão vazios como os velhos. A crítica tem que soltar o conhecimento, deve criar pessoas capazes de interpretar e analisar, e não repetidores de chavões que se auto-caracterizam por balizas ideológicas que nem sabem muito bem explicar o que são.
A crítica tem que ser mais complexa. Desconfio dos discursos radicais. A inteligentsia da direita, em resultado de ter poucas pessoas com pelo menos duas ideias, está repleta de ex-radicais de esquerda, esquerdistas. Os esquerdistas são maus, os que já saíram e os que se mantêm, porque quanto maior o seu exibicionismo retórico mais longe estão da solução dos problemas reais. Em certo aspectos parecem-se muito com a velha direita. Tão inúteis como os optimistas que acham que o capitalismo se anula por decreto e no dia a seguir nasce o Homem novo, são os cépticos. Normalmente o céptico é o tipo que está porreiro da vida mas que acha que se deve apresentar ao mundo como um gajo chateado. Os cépticos são um género de sub-cultura da burguesia, onde ninguém tem que levantar o cu da cama às cinco da manhã para ir trabalhar na fábrica. No fundo, dá um charme do caraças ser céptico, além disso dá pouco trabalho.
A crítica política tem que ser emancipadora. Isso só se consegue se for estruturada a partir do conhecimento do real. Seguindo esta premissa, penso que a esquerda parte com uma vantagem gigantesca sobre a direita.