segunda-feira, outubro 13, 2003

O triste futuro das cadeiras amarelas

Há quase dez anos que passo parte da minha vida no número 26-c da Avenida de Berna. Parida de um antigo quartel, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas sempre foi um espaço estranho, difícil de perceber no seu conjunto. Durante quase três décadas foi um género de lego permanentemente remontado. Destrói de um lado, constrói do outro, quase sempre com aquela incompetência que nos habituámos a gostar. Em todo o caso, quem passe pela Av. De Berna dificilmente se apercebe que por detrás do famoso muro está uma parada militar preenchida pelo amarelo de uma esplanada que se exigia fosse classificada rapidamente pelos técnicos do IPAR. Já se sabe que a FCSH vai deixar a AV. De Berna. O destino não é a margem a sul como se pensava, mas os terrenos de Campolide, onde residem a Faculdade de Economia e Gestão e a novel Faculdade de Direito. Tive, esta semana, a oportunidade de passar pelas modernas instalações de Campolide. Não sou o Ernie Walker mas assim a olho não vejo que aquilo esteja preparado para nos receber. Todo o espaço é irritantemente moderno. O edifício da reitoria é um primor da regra e do esquadro, sem curvas, funcional, onde tudo está feito para ser eficiente. Uma chatice, de uma cor horrorosa; toda a gente tem um ar pálido, embora eficiente. Há urgências de hospitais mais divertidas. Dizer que a funcionalidade se deve aliar à estética é bonito, mas de que funcionalidade estamos a falar, e de que estética. O relvado do campus, naquela manhã soalheira, estava deserto, quem passava por lá ia sempre apressado, concerteza à procura da eficiência que lhe foi sugerida por qualquer economista neo-clássico. Para que tipo de Homem foi aquele espaço feito? Nâo consigo compatibilizar o local com algumas coisas simples da vida na Berna: cadeiras amarelas, imperial ao fim do dia, galos, galinhas, gatos (há quem jure que já lá viu um rebanho de ovelhas) , o sol, a luz, perder tempo a conversar sobre o sexo do anjos, o empate do Benfica e a crise mundial (ou a ganhar tempo, perdoe-me o Bentham e os seus correligionários). Garanto-vos que isto não é a conversa da esquerda preguiçosa. Podia ser, mas não é. Estou plenamente convencido que podemos ser os melhores do mundo num espaço que não seja concebido pelos ditames da racionalidade fria. É a velha questão das aparências. Não precisamos de um oceano de linhas rectas imaginadas por um qualquer arquitecto aborrecido que nunca percebeu o estranho prazer de entrar num caminho que não vai dar a lado nenhum, mas do investimento do Estado, ou melhor dos cidadãos que pagam impostos, que permita aos recém-licenciados, pelo menos os que desejarem, dedicarem-se a trabalhar naquilo que aprenderam durante os anos do curso. No declive de Campolide as Ciências Sociais vão ficar na parte de baixo. Temo que em breve se transformem definitivamente nos tarefeiros dos senhores das gravatas que habitam a parte de cima; estudar o Homem desde que não ofenda o velho paradigma utilitarista do mundo. Ciências Sociais aplicadas.