domingo, outubro 12, 2003

O monstro e o seu criador

Tenho uma dúvida constante em relação ao desempenho do sistema de justiça, especialmente quando estão ao barulho grandes interesses políticos e económicos. A independência dos poderes é uma base do Estado de direito, mas isto é o que está escrito. Partindo deste pressuposto resta-nos esperar que a justiça funcione, sem linchamentos ou absolvições públicas. Que esta esperança não seja, porém, demasiado ingénua. No meio das declarações dos inúmeros actores que vão intervindo diariamente no processo mediático da Casa Pia, retive uma frase do advogado de Carlos Silvino. Disse o senhor que os actos do denominado Bibi não são explicáveis, apenas, através das suas indiossincracias individuais; Bibi é uma criação do ambiente da Casa Pia, onde viveu desde os quatro anos num clima de abuso sexual constante. Sem pretender absolver os actos do seu cliente, o advogado abriu os horizontes para uma análise histórica da instituição, das relações políticas que enquadravam uma situação impune, que vinha de longe, de bem dentro do Estado Novo salazarista. Para quem pensa que a mudança se faz por decreto, note-se como algumas continuidades sobrevivem com facilidade a processos políticos e a aparentes mudanças civilizacionais.