quarta-feira, outubro 22, 2003

Montalbán

Algures num aeroporto de Banguecoque um escritor de livros policiais morreu. O caso parece não merecer a investigação de um detective privado. Ataque cardíaco. E pronto, as aventuras de Pepe Carvalho, o gastrónomo galego de Barcelona, ex-comunista, ex-agente da CIA, vão viver em círculo nas obras publicadas. Muitos livros da Biblioteca de Carvalho ficaram por queimar.
“Às vezes penso voltar a Paris. Tenho um armário cheio de fatos em casa da minha mãe. Tenho a minha ex-mulher casada com um catedrático riquíssimo a quem assenta muito bem o fraque e que está constantemente a aparecer nos Jours de France. Se me deitar a recapitular os meus livros e me puser a ler o Le Monde Diplomatique destes últimos sete ou oito anos, ficarei em dia e tenho a certeza de encontrar um bom emprego, se fizer cara de filho pródigo e lhes vender que venho do universo do marxismo e da contracultura, consciente de que a única verdade detêm-na Milton Friedman e o neo-liberalismo económico e político. A hegemonia da burguesia sustenta-se graças à prestação de método e linguagem que lhe trouxeram os dissidentes do inimigo e os meninos que foram marxistas ou budistas ou drogados e depois voltaram para casa do papá.”

Manuel Vásquez Montalbán, Os Pássaros de Banguecoque, Lisboa, Caminho, p.214