sexta-feira, outubro 03, 2003

"O que é que o baiano tem"

Fica prometida uma prosa sobre a nova direita. Mas já agora questiono-me se esta nova direita é a do Senhor Martins da Cruz e do Senhor Lynce. Se é, parece-se extraordinariamente com a tal esquerda que se aproveita do Estado para sacar uns cobres. Talvez a questão não esteja entre a esquerda e a direita mas se reporte às elites que governam este país. Realmente, Portugal ainda tem muitos traços das democracias musculadas da Amércia do Sul, ou do tal regime de Salazar que a direita quer esquecer. Mas era precisamente sobre a América do Sul que queria falar. Gilberto Gil deu uma simpática entrevista à televisão pública. Ficando-me pela Judite da 1, perdi a Bábá na privada. Uma desgraça. O Gil é fixe. Não é o Caetano, nem o Chico, nem o Jobim, nem o outro Gilberto, nem mesmo a Elis, mas pronto, é fixe. É fixe e é ministro. Ministro e artista. Um artista parte logo em vantagem para uma entrevista. A Judite começou já esmagada; quando o Gil cantarolou sobre o seu imenso lado feminino, a Judite já tremia por todos os lados. Algures num apartamento de Queluz Ocidental Fernando Seara dava de comer ao Mantorras, o seu hamster de estimação, e punha o Wagner na aparelhagem, irritado com o neo-colonialismo brasileiro, já não bastavam os auto-golos do Argel, o homem do dragão tatuado. Normalmente, quando um ministro é entrevistado, os jornalistas querem saber como vai o ofício, medidas, políticas, problemas, contradições, etc. Quando o ministro é artista a música é outra; Gil falou da mamã, do papá, do irmão Caetano, cantou um pouco, disse poemas, máximas zen com postura new age ao melhor estilo do Paulo Coelho, pregou a nova religião pós-moderna, como se não estivessemos fartos da IURD, do Roberto Leal e da Laurinda Alves (não tem nada a ver mas é sempre bom relembrar que a Laurinda existe e é contagiosa). Imagine-se uma entrevista do mesmo género com o nosso ministro, perdão ex-ministro, da Ciência. Ministro Lynce, então a sua infância? Pois, lá andava com as ovelhas do meu tio, lá na herdade, até que um dia, por infuência de um primo, o Bernardo, lá resolvi ir jogar rugby. – E isso foi importante? – Muito importante, percebi logo as grandes semelhanças entre o rugby e a ciência, embora o rugby seja muito mais complexo que quase todas as ciências tirando a agronomia que eu tanto gosto por causa das ovelhas do meu tio Ernesto, sáo coisas que não se esquecem. – Então e capaz de nos mostrar um pouco da sua arte? - Tudo bem, posso por exemplo, fazer uma placagem ali ao operador de câmara, se ele se aleijar eu falo com o ministro da saúde, que é meu amigo, e arranjamo-lhe logo uma cama de hospital, eu escrevo uma cartinha.
Pois é, mas o Gil tem o seu charme. Até sabe quem é o Boaventura de Sousa Santos, o inventor do eco-socialismo. Desde o Pedro Nunes que não inventávamos nada de tão importante. Grande país. Posto isto, devo-me dizer um indiscutível adepto, cauteloso quanto baste, do presidente Lula da Silva. A esquerda tem um língua muito afiada, especialmente para destruir os seus camaradas de ideias. É uma comadre linguaruda esta esquerda. À falta de experiência histórica concreta esperemos mais tempo pelos efeitos do governo Lula. Há sinais negativos, mas vamos ponderar nas consequências de uma crítica demasiado moralista e puritana de pessoas que nem a experiência histórica recente podem apontar como exemplo. E quão bom é o Lula quando comparado com a nova direita, filha da velha direita.