quarta-feira, outubro 01, 2003

Gostava de compartilhar convosco uma pequena pérola do jornalismo lusitano com que esbarrei num destes dias. Coisa com alguns anitos, uns quantos erros interpretativos, mas com um fundo inequivocamente verdadeiro. Há falta de grandes escribas à esquerda, demonstrando uma saudável desportivismo, guindo-me para a direita monárquica, em tempos de crise de sucessão. Não me revendo completamente na parte inicial deve considerar o resto um mimo.



É por não gostar de futebol que sou do Benfica. Tal como compreendo como é
que há portugueses que conseguem ser de outros clubes. O Sporting, o Porto
podem jogar bem e o Belenenses e a Académica podem calhar bem em sociedade,
mas só o Benfica, como o próprio nome indica, é o próprio Bem. Que fica.

Só o Benfica pode jogar mal sem que daí lhe advenha algum mal. Basta olhar
para os jogadores para ver que sabem que são os maiores, que não precisam de
esforçar-se muito, porque são intrínseca e moralmente a maior equipa do
mundo inteiro.

Porquê? Ninguém sabe. Mas sente-se. Quando perdem, não se indignam, não
desesperam. Eusébio só chorou quando jogou por Portugal. Quem joga no
Benfica tem o privilégio e o condão de estar sempre a sorrir. Não conseguem
resistir.

O Benfica, a bom ver, nem sequer é uma equipa de futebol. É um nome. É como
dizem os brasileiros, uma "griffe". Têm uma cor. Antes de entrar em campo,
já têm um mito em jogo, já estão a ganhar por 3-0, graças só à reputação.

Quando o Benfica perde, parece sempre que quis perder. Essa é a força
inigualável do Sport Lisboa e Benfica - faz sempre o que lhe apetece.

Qual é o segredo do Benfica? São os benfiquistas. São do Benfica como são
filhos de quem são. Ninguém "escolhe" o Benfica, como ninguém escolhe a Mãe
ou o Pai. Em geral, aliás, os benfiquistas odeiam o Benfica e lamentam-no no
estádio e em casa, mas pertencem-lhe. Quanto mais pertencemos a uma entidade
superior, seja a Família, a Pátria, Deus - ou o Benfica, mais direito,
temos de criticá-la e blasfesmá-la. Não há alternativa.

Em contrapartida, os sportinguistas e portistas parecem genuinamente
convencidos que apoiam as equipas deles porque são as mais dignas ou as
melhores. Desgraçados! Se fossem coerentes, seriam todos adeptos do REAL
MADRID, AC MILAN, etc, etc. No Benfica, não se exige qualquer lealdade.



Só se pede, em relação aos adeptos de outros clubes, caridade e
comiseração.
O Sporting, por exemplo, tem a mania e a pretensão de ser "rival" do
Benfica, um pouco como o PSN se julga crítico parlamentar do PSD. Mas, se se
tirasse o Benfica ao Sporting, o Sporting deixaria de existir. O Benfica é
um grande clube porque tem história e talento suficientes para não dar
importância aos resultados. Tem uma tradição de "nonchalance" e de pura
indiferença que não tem igual nos grandes clubes europeus. O Benfica não
joga - digna-se
jogar.

Não joga para vencer - vence por jogar.
Odeio futebol. Mas amo o Benfica. As opiniões de quem gosta de futebol são
suspeitas. Claro que os sábios são do Benfica. Mas a força deste grande
clube está nos milhões que são benfiquistas apesar do Benfica, apesar do
futebol, e apesar deles próprios. Em contrapartida, aposto que a totalidade
de pessoas que são do Sporting ou do Porto, por infortúnio pessoal ou
deficiência psicológica, são sócios. A força do Benfica, meus amigos,
está em quem não paga as quotas, que não vai a jogos, quem não sabe o nome
dos avançados - isto é, no resto do mundo. O Benfica, é o Benfica. E o que
tem de ser - e é - tem muita força.



Miguel Esteves Cardoso