terça-feira, janeiro 11, 2005

A alegria do povo

O futebol é cada vez mais uma actividade pensada a regra e esquadro. Isto é e não é verdade ao mesmo tempo. O erro da contratação de Trapattoni foi ninguém ter percebido que o “seu futebol”, pensado a regra e esquadro, não encaixa no mundo do Benfica. Mesmo que o italiano vencesse, não servia o Benfica. O Benfica cresceu a ganhar e a jogar para a frente. É assim que os adeptos o entendem e é assim que apreciam as exibições da equipa. Um tipo de jogo cobarde - alguns dirão pensado, racional - como o que o Benfica praticou em Alvalade, é insuportável para o adepto do clube. Absolutamente insuportável. Os adeptos do Benfica não vão perder um minuto a protestar contra as sucessivas simulações de Liedson porque a sua ira está voltada contra a cobardia do seu clube, contra aquele número inconcebível de passes laterais, contra os jogadores que abdicam de qualquer ousadia porque têm que defender, de respeitar a táctica do mestre italiano. Jogadores diminuídos, profissionais diminuídos que deviam fazer queixa ao sindicato. Era preferível perder por 7-1 do que fazer um jogo cobarde. É por isso que Camacho deixou saudades. Porque o clube até podia defender mal, cometer erros estúpidos, jogar contra o Inter em San Siro como se estivesse a jogar contra o Alverca na Luz, com os laterais loucos a subirem como extremos, mas ao menos jogava de cabeça erguida, para a frente e marcava golos e rematava e quase sempre foi melhor do que adversário e ainda teve tempo de ganhar ao Mourinho. E Camacho berrava, esbracejava e defendia os seus jogadores. O Sporting mereceu ganhar em Alvalade e devia ter sido por mais.
Trapattoni para perceber o Benfica devia interpretar a relação do adepto com Mantorras. Mantorras é, como indica a expressão que adjectivava o brasileiro Garrincha, a alegria do povo. Bastaram dez minutos e os milhões de benfiquistas estavam dispostos a perdoar todos os disparates anteriores, bastou o angolano, com o seu jeito gingão, o drible rápido, a cabeça dirigida à baliza, a perna pronta a rematar. Mas vá lá o italiano perceber isto.