A dois meses das legislativas ainda não se percebeu quais as linhas principais que guiam a política do maior partido da oposição. Pensar-se-ia que com um governo tão débil fosse simples elaborar políticas estruturais alternativas ou pelo menos que surgissem duas ou três ideias elementares. Mas não. O último tempo de antena do PS foi muita forma e pouco conteúdo. O marketing esteve em grande na escolha da indumentária do líder, no estudo da sua postura frente às câmaras e na composição dos planos. Devem ter sido os mesmo senhores do marketing que convençeram o PS que metade do seu tempo de antena devia ser preenchido com imagens do Euro 2004 e da euforia nacionalista de bandeirinha em punho. O resto foram lugares comuns, generalidades que qualquer pessoa com bom senso, seja de esquerda ou direita, pode aceitar.
Tudo leva a crer que vamos ter, mais do que outra coisa, uma competição de projectos de marketing: quem vai ser a empresa que conseguirá vender melhor o seu produto? Será possível reciclar Santana Lopes, especialmente agora que Vangelis mudou de trincheira e que os comícios do PSD vão ter aquele tom épico enjoativo que serve apenas o culto da personalidade? Ou será que a pose modernaça de Sócrates vai acabar por vingar?
A política hoje é cada vez mais um exercício de imagem, com muitos slogans, frases fortes, adjectivos certeiros, tons de voz ensaiados, sorrisos, balõezinhos, cantores populares, jogadores de futebol e nacionalismo.
Entretanto, os cidadãos continuam longe de terem acesso aos critérios que lhes permitiram efectuar as escolhas. É a democracia.
sexta-feira, dezembro 31, 2004
quinta-feira, dezembro 30, 2004
Fontes de Inspiração
"Julgo que se não fosse Nelas e as páginas de necrologia, nunca teria escrito nada."
Lobo Antunes, Jornal do Centro
Lobo Antunes, Jornal do Centro
segunda-feira, dezembro 27, 2004
Sr. Carlos
A quadra natalícia tem nos dias de hoje como sua consorte a euforia comercial. Companheira inseparável e omnipotente, a voragem das compras, actualmente, é consumada sobretudo nos grandes centros comerciais, em detrimento do comércio tradicional.
Pessoalmente, é-me indiferente ter que fazer compras num centro comercial ou numa qualquer loja de rua. Escolho ou rejeito os locais para gastar os euricos, não segundo a tipologia de organização comercial, mas sim de acordo com um determinante critério de eleição: a qualidade do atendimento prestado.
Concedo que os horários de funcionamento, a atractividade das montras e do interior da lojas, a facilidade de estacionamento ou o resguardo das más condições atmosféricas, sejam variáveis que condicionam a escolha do local onde fazer compras, mas, como disse, elevo acima destas como variável determinante de eleição comercial a qualidade do atendimento, a qual, diga-se, não é exclusiva nem dos centros comerciais nem dos espaços de comércio tradicional.
E no âmbito da qualidade, há, para mim, uma loja imbatível, ou melhor, um comerciante supremo: a Papelaria do Sr. Carlos, na Rua Miguel Bombarda, em Viseu.
Do Sr. Carlos, homem já entrado na casa do sessenta anos de idade, pode dizer-se que foi até aqui há uns anos atrás funcionário de umas das mais antigas, e anteriormente famosa, papelarias de Viseu, a Papelaria Avenida.
Mas não era um funcionário qualquer, era a alma daquela loja, o vendedor extremoso, sempre bem-humorado e disponível para acolher com um sorriso nos lábios e rima nas palavras os clientes. Foi graças a ele que a Papelaria Avenida criou a aura de local de peregrinação obrigatória no comércio viseense.
Foi assim durante décadas, até que aqui há alguns anos resolveu abrir o seu espaço próprio, a sua própria papelaria, uma centena de metros acima do local onde antes laborava. É um espaço exíguo, sem centímetros disponíveis para grandes arranjos decorativos, e onde o material se acumula em altura.
Mas isso não é razão que impeça que uma pletora de clientes diariamente se acotovelem para aí efectuarem as suas compras. Todos eles sabem que aí vão ser recebidos de forma cortês.
Em contraponto, a antiga papelaria do Sr. Carlos, desde que ele saiu, definha diariamente, uma vez que os seus clientes se desviam voluntariamente para a papelaria do Sr. Carlos, o que não é de estranhar se tivermos presente os “monos de gesso” que aí estão prostrados atrás do balcão.
Afinal, apenas na papelaria do Sr. Carlos, é possível acontecer um diálogo destes:
Cliente - Boa tarde, desejava o Público, se faz favor.
Sr. Carlos – Ah, o jornal Público, perfeitamente. O “Público” para o bom público!
Entretanto o Sr. Carlos procura nos bastidores da loja o jornal, e regressa pouco tempo depois.
- Queira-me desculpar este tempo, mas é que já não tenho nenhum exemplar lá dentro. Há apenas um que está ali afixado junto à porta, ao fresquinho, como convém que sejam as notícias. Com licença.
Regressa o Sr. Carlos com o jornal, e prossegue:
- Tenha a amabilidade, aqui tem o Público, hoje com dois suplementos: um de música e de artes para elevar a cultura e o espírito, e um outro de sátira, Inimigo de seu nome, mas amigo da justa crítica mordaz dos nossos tempos.
Entretanto, o cliente, já a rir-se, recebe o jornal, paga e despede-se com o tradicional obrigado, ao que o Sr. Carlos devolve:
- Ora, eu é que agradeço gentilmente a sua preferência por este estabelecimento. Sempre ao dispor!
Perante isto, não é de estranhar que o Sr. Carlos seja o demiurgo dos comerciantes de Viseu, e não só.
Pessoalmente, é-me indiferente ter que fazer compras num centro comercial ou numa qualquer loja de rua. Escolho ou rejeito os locais para gastar os euricos, não segundo a tipologia de organização comercial, mas sim de acordo com um determinante critério de eleição: a qualidade do atendimento prestado.
Concedo que os horários de funcionamento, a atractividade das montras e do interior da lojas, a facilidade de estacionamento ou o resguardo das más condições atmosféricas, sejam variáveis que condicionam a escolha do local onde fazer compras, mas, como disse, elevo acima destas como variável determinante de eleição comercial a qualidade do atendimento, a qual, diga-se, não é exclusiva nem dos centros comerciais nem dos espaços de comércio tradicional.
E no âmbito da qualidade, há, para mim, uma loja imbatível, ou melhor, um comerciante supremo: a Papelaria do Sr. Carlos, na Rua Miguel Bombarda, em Viseu.
Do Sr. Carlos, homem já entrado na casa do sessenta anos de idade, pode dizer-se que foi até aqui há uns anos atrás funcionário de umas das mais antigas, e anteriormente famosa, papelarias de Viseu, a Papelaria Avenida.
Mas não era um funcionário qualquer, era a alma daquela loja, o vendedor extremoso, sempre bem-humorado e disponível para acolher com um sorriso nos lábios e rima nas palavras os clientes. Foi graças a ele que a Papelaria Avenida criou a aura de local de peregrinação obrigatória no comércio viseense.
Foi assim durante décadas, até que aqui há alguns anos resolveu abrir o seu espaço próprio, a sua própria papelaria, uma centena de metros acima do local onde antes laborava. É um espaço exíguo, sem centímetros disponíveis para grandes arranjos decorativos, e onde o material se acumula em altura.
Mas isso não é razão que impeça que uma pletora de clientes diariamente se acotovelem para aí efectuarem as suas compras. Todos eles sabem que aí vão ser recebidos de forma cortês.
Em contraponto, a antiga papelaria do Sr. Carlos, desde que ele saiu, definha diariamente, uma vez que os seus clientes se desviam voluntariamente para a papelaria do Sr. Carlos, o que não é de estranhar se tivermos presente os “monos de gesso” que aí estão prostrados atrás do balcão.
Afinal, apenas na papelaria do Sr. Carlos, é possível acontecer um diálogo destes:
Cliente - Boa tarde, desejava o Público, se faz favor.
Sr. Carlos – Ah, o jornal Público, perfeitamente. O “Público” para o bom público!
Entretanto o Sr. Carlos procura nos bastidores da loja o jornal, e regressa pouco tempo depois.
- Queira-me desculpar este tempo, mas é que já não tenho nenhum exemplar lá dentro. Há apenas um que está ali afixado junto à porta, ao fresquinho, como convém que sejam as notícias. Com licença.
Regressa o Sr. Carlos com o jornal, e prossegue:
- Tenha a amabilidade, aqui tem o Público, hoje com dois suplementos: um de música e de artes para elevar a cultura e o espírito, e um outro de sátira, Inimigo de seu nome, mas amigo da justa crítica mordaz dos nossos tempos.
Entretanto, o cliente, já a rir-se, recebe o jornal, paga e despede-se com o tradicional obrigado, ao que o Sr. Carlos devolve:
- Ora, eu é que agradeço gentilmente a sua preferência por este estabelecimento. Sempre ao dispor!
Perante isto, não é de estranhar que o Sr. Carlos seja o demiurgo dos comerciantes de Viseu, e não só.
domingo, dezembro 26, 2004
Dr. Strangelove
O DVD é uma das poucas armas eficazes para combater o meu longo bocejo natalício. Visto há bastante tempo, Dr. Estranhoamor varrera-se-me da memória. Não vale a pena insistir em loas ao filme, apenas mais uma das obras-primas de Kubrick, um primado da estética em que não há um plano que seja menos do que excepcional. Como a experiência do cinema tem sempre algo a ver com o presente, com o nosso e com o do mundo, Dr. Estranhoamor pareceu-me um fábula sobre a bomba atómica bastante actual. As principais personagens de Kubrick continuam por ai. Sterling Hayden encarna um general que resolve lançar a bomba sobre a então União Soviética para defender a pureza dos americanos, cujos fluídos corporais estavam ameçados pelo comunismo internacional. George C. Scott faz uma caricatura perfeita de outro general americano, um profissional da guerra, para quem os mortos são apenas números num balanco contabilístico. Peter Sellers interpreta - entre outras brilhantes personagens - o Dr. Strangelove, um teórico nazi que imagina novas sociedades purificadas. Diga-se que o realizador não é menos contundente com o outro bloco militar.
Kubrick era um antimilitarista acérrimo.
Os seus medos relativos ao advento de uma sociedade fortemente influenciada pela hierarquia militar, pela indústria das armas e pelos profissionais da morte devem continuar a assustar-nos.
Kubrick era um antimilitarista acérrimo.
Os seus medos relativos ao advento de uma sociedade fortemente influenciada pela hierarquia militar, pela indústria das armas e pelos profissionais da morte devem continuar a assustar-nos.
quarta-feira, dezembro 22, 2004
I&D
Há cerca de um ano atrás era vê-los reunidos em opíparos almoços no Convento do Beato para exararem discursos eloquentes acerca dos funestos e atávicos males que assolam continuamente este país.
Chamavam-se a si próprios “Compromisso Portugal” e congregavam fundamentalmente uma plêiade de gestores e economistas, provindos dos maiores grupos empresariais do País. O seu objectivo principal consistia em morigerar a acção governativa segundo, diziam eles, as modernas teorias económicas e de organização funcional das empresas.
Verberavam o papel interventor do Estado na educação, na saúde, na segurança social, “...quando o mercado se pode perfeitamente substituir ao Estado nesse papel sem qualquer dano para o público em geral e com ganhos claros na produtividade e no nível de serviço”, o fim da presença estatal na gestão das águas, dos transportes ferroviários, dos aeroportos e dos correios, entre muitos outros, porque “...o Estado é um mau gestor e as empresas públicas apresentam cronicamente avultados prejuízos”, etc, etc.
Ironicamente, o Público de hoje reza que “Portugal é o único país do antigo grupo dos 15 da União Europeia (UE) que não consta de uma lista de 500 empresas que mais investiram em investigação e desenvolvimento (I&D) em 2003”.
Ora, quando o axioma que determina o posicionamento global da economias nacionais na actual sociedade informacional postula que a mola decisiva para o crescimento económico radica na capacidade de inovação, nomeadamente aquela que se organiza à volta do grupo convergente de tecnologias formado pela microelectrónica, informática, telecomunicações, biotecnologia e engenharia genética, e depois se lê a este propósito que “a soma do investimento em 2003 das dez empresas portuguesas referidas, que é de 8,5 milhões de euros, não chega ao investimento anual da última empresa das 500 mais europeias”, por aí se vê o fosso que separa a realidade e as preocupações e práticas dos nossos empresários...
Por curiosidade, nos cinco primeiros lugares da lista de empresas europeias mais investiram em investigação e desenvolvimento (I&D), em 2003, estão a Daimler Chrysler, a Siemens, a Volkswagen, a Nokia e a GlaxoSmithKline, representando as áreas que mais investem não só a nível europeu mas a nível mundial - ou seja, a indústria automóvel, a biotecnologia e farmacêutica e as tecnologias da informação e equipamento electrónico...
Chamavam-se a si próprios “Compromisso Portugal” e congregavam fundamentalmente uma plêiade de gestores e economistas, provindos dos maiores grupos empresariais do País. O seu objectivo principal consistia em morigerar a acção governativa segundo, diziam eles, as modernas teorias económicas e de organização funcional das empresas.
Verberavam o papel interventor do Estado na educação, na saúde, na segurança social, “...quando o mercado se pode perfeitamente substituir ao Estado nesse papel sem qualquer dano para o público em geral e com ganhos claros na produtividade e no nível de serviço”, o fim da presença estatal na gestão das águas, dos transportes ferroviários, dos aeroportos e dos correios, entre muitos outros, porque “...o Estado é um mau gestor e as empresas públicas apresentam cronicamente avultados prejuízos”, etc, etc.
Ironicamente, o Público de hoje reza que “Portugal é o único país do antigo grupo dos 15 da União Europeia (UE) que não consta de uma lista de 500 empresas que mais investiram em investigação e desenvolvimento (I&D) em 2003”.
Ora, quando o axioma que determina o posicionamento global da economias nacionais na actual sociedade informacional postula que a mola decisiva para o crescimento económico radica na capacidade de inovação, nomeadamente aquela que se organiza à volta do grupo convergente de tecnologias formado pela microelectrónica, informática, telecomunicações, biotecnologia e engenharia genética, e depois se lê a este propósito que “a soma do investimento em 2003 das dez empresas portuguesas referidas, que é de 8,5 milhões de euros, não chega ao investimento anual da última empresa das 500 mais europeias”, por aí se vê o fosso que separa a realidade e as preocupações e práticas dos nossos empresários...
Por curiosidade, nos cinco primeiros lugares da lista de empresas europeias mais investiram em investigação e desenvolvimento (I&D), em 2003, estão a Daimler Chrysler, a Siemens, a Volkswagen, a Nokia e a GlaxoSmithKline, representando as áreas que mais investem não só a nível europeu mas a nível mundial - ou seja, a indústria automóvel, a biotecnologia e farmacêutica e as tecnologias da informação e equipamento electrónico...
segunda-feira, dezembro 20, 2004
Eu um sou um grandi fan dos Sigur Rós
Foi deste modo que Argel, o defesa do Benfica, justificou o seu comportamento nos momentos seguintes ao golo que marcou frente ao Penafiel, quando correu para Trapattoni e o beijou na testa.
“Desde que vi aquele videoclip dos Sigur Rós, “Vidrar Vel Til Loftârâsâ”, onde um jovem futebolista, depois marcar um golo, corre para os braços de um colega e lhe aplica uns apaixonados ósculos, tive sempre o desejo de poder repetir semelhante façanha, ainda para mais quando sabia que estavam 10.000 Pais Natais no Estádio. Parecia mesmo que estava a jogar no Pólo Norte”, disse Argel aos jornalistas presentes na conferência.
Mas Argel foi ainda mais longe, ao admitir que a sonoridade telúrica da banda islandesa tem provocado efeitos surpreendentes na mudança da sua personalidade.
“Antes de conhecer os Sigur Rós era uma pessoa com uma certa inclinação violenta. Rebentava com computadores na Torre das Antas, rebentava com as beiças dos seguranças do Colombo por causa de umas fraldas, enfim, reconheço que era um cara pouco recomendável. Agora, depois do contacto com os videoclips dos Sigur Rós, sou um homem novo, cheio de amor para distribuir por todo o mundo. Da próxima vez que marcar um golo, e que não seja na própria baliza, já prometi ao nosso presidente que irei até aos camarotes para lhe beijar as orelhas”, acrescentou o defesa brasileiro do Benfica.
Dada a explicação, Argel despediu-se dos jornalistas, rematando em alto e bom som, “Viva os Sigur Rós!”.
“Desde que vi aquele videoclip dos Sigur Rós, “Vidrar Vel Til Loftârâsâ”, onde um jovem futebolista, depois marcar um golo, corre para os braços de um colega e lhe aplica uns apaixonados ósculos, tive sempre o desejo de poder repetir semelhante façanha, ainda para mais quando sabia que estavam 10.000 Pais Natais no Estádio. Parecia mesmo que estava a jogar no Pólo Norte”, disse Argel aos jornalistas presentes na conferência.
Mas Argel foi ainda mais longe, ao admitir que a sonoridade telúrica da banda islandesa tem provocado efeitos surpreendentes na mudança da sua personalidade.
“Antes de conhecer os Sigur Rós era uma pessoa com uma certa inclinação violenta. Rebentava com computadores na Torre das Antas, rebentava com as beiças dos seguranças do Colombo por causa de umas fraldas, enfim, reconheço que era um cara pouco recomendável. Agora, depois do contacto com os videoclips dos Sigur Rós, sou um homem novo, cheio de amor para distribuir por todo o mundo. Da próxima vez que marcar um golo, e que não seja na própria baliza, já prometi ao nosso presidente que irei até aos camarotes para lhe beijar as orelhas”, acrescentou o defesa brasileiro do Benfica.
Dada a explicação, Argel despediu-se dos jornalistas, rematando em alto e bom som, “Viva os Sigur Rós!”.
quarta-feira, dezembro 15, 2004
O Senhor dos Anéis
Idealmente, a acção governativa deve imperativamente servir o bem comum. Por imprevistos de várias ordens ou quaisquer alterações súbitas àquilo que inicialmente foi programado, sabe-se que nem sempre assim acontece. Todavia, os desvios às boas intenções iniciais são aceitáveis quando a ponderação e a isenção presidiram de modo evidente à tomada de atitudes por parte dos actores políticos.
Ao invés, quando se torna óbvio que uma decisão política terá claros efeitos nocivos para a comunidade, nomeadamente em termos futuros, devido a ter sido irresponsavelmente feita em cima dos joelhos, a sensação de desconfiança acerca da boa índole de quem nos governa acresce.
Vem isto a propósito da intenção do demissionário Governo em vender 65 imóveis por ajuste directo como forma de salvar as contas públicas de 2004, quando prometeu no Parlamento fazê-lo “preferencialmente por hasta pública”. Saliente-se que a grande maioria destes imóveis são actualmente ocupados por serviços públicos, os quais passarão a ser inquilinos e a pagar as respectivas rendas, aumentando a despesa corrente dos mesmos.
Na minha inocência, sempre parti do pressuposto da exigência de estudos que lobrigassem qual o impacto para o erário público que este tipo de atitudes acarretam.
Esta forma de encarar as coisas desmorona-se estrondosamente, quando se sabe que “o Ministério das Finanças nunca divulgou, mesmo ao Parlamento, uma estimativa desses novos custos regulares que esta operação vai acarretar e que apesar de instado várias vezes a esclarecer os deputados sobre os custos futuros para o Estado da venda de património imobiliário dos seus serviços, o ministro Bagão Félix se esquivou a dar essa resposta”.
Ou seja, no meu inocente modo de ver (admito que o problema pode estar em mim), o Estado Português, em mais uma urgente operação de cosmetologia financeira para fazer face ao imediato, neste caso designado pacto de Estabilidade de Crescimento, prepara-se para vender ao desbarato mais uns quantos anéis que diariamente usa, para de futuro ir alugar os mesmos anéis aos seus compradores a um preço desconhecido, sem dar deliberadamente cavaco acerca da onerosidade desta operação para o erário público.
Tinha para comigo que a salvaguarda dos dinheiros dos contribuintes não se compaginava com apostas na roleta, às cegas e no escuro, sem que os riscos estejam estudados e acautelados, enfim, sem qualquer análise prospectiva. Pelo vistos, mais uma vez estava enganado, porque a lógica neste caso é só uma: quem vier que feche a porta.
Ao invés, quando se torna óbvio que uma decisão política terá claros efeitos nocivos para a comunidade, nomeadamente em termos futuros, devido a ter sido irresponsavelmente feita em cima dos joelhos, a sensação de desconfiança acerca da boa índole de quem nos governa acresce.
Vem isto a propósito da intenção do demissionário Governo em vender 65 imóveis por ajuste directo como forma de salvar as contas públicas de 2004, quando prometeu no Parlamento fazê-lo “preferencialmente por hasta pública”. Saliente-se que a grande maioria destes imóveis são actualmente ocupados por serviços públicos, os quais passarão a ser inquilinos e a pagar as respectivas rendas, aumentando a despesa corrente dos mesmos.
Na minha inocência, sempre parti do pressuposto da exigência de estudos que lobrigassem qual o impacto para o erário público que este tipo de atitudes acarretam.
Esta forma de encarar as coisas desmorona-se estrondosamente, quando se sabe que “o Ministério das Finanças nunca divulgou, mesmo ao Parlamento, uma estimativa desses novos custos regulares que esta operação vai acarretar e que apesar de instado várias vezes a esclarecer os deputados sobre os custos futuros para o Estado da venda de património imobiliário dos seus serviços, o ministro Bagão Félix se esquivou a dar essa resposta”.
Ou seja, no meu inocente modo de ver (admito que o problema pode estar em mim), o Estado Português, em mais uma urgente operação de cosmetologia financeira para fazer face ao imediato, neste caso designado pacto de Estabilidade de Crescimento, prepara-se para vender ao desbarato mais uns quantos anéis que diariamente usa, para de futuro ir alugar os mesmos anéis aos seus compradores a um preço desconhecido, sem dar deliberadamente cavaco acerca da onerosidade desta operação para o erário público.
Tinha para comigo que a salvaguarda dos dinheiros dos contribuintes não se compaginava com apostas na roleta, às cegas e no escuro, sem que os riscos estejam estudados e acautelados, enfim, sem qualquer análise prospectiva. Pelo vistos, mais uma vez estava enganado, porque a lógica neste caso é só uma: quem vier que feche a porta.
terça-feira, dezembro 14, 2004
Tubo de escape
Eduardo outra vez. Não é que o homem, entre os múltiplos afazeres académicos e culturais, ainda tem tempo para se debruçar sobre algo tão popular e insignificante como o futebol. Uma honra para todos aqueles que, faltando-lhes a cultura que sobra a Prado Coelho, se dedicam a esmiuçar a telenovela do pontapé na bola. E o que tão nobre personagem tem para oferecer aos aficionados do jogo? Pois bem, Eduardo respondeu com a sua excelência habitual a algumas perguntas singelas efectuadas pelo diário de distribuição gratuita Destak. Pérolas de estilo literário. Voa pensamento. Na primeira resposta, afirma convicto e resoluto que “O Sporting tem sido muito irregular no campeonato mas tem vindo em crescendo. É natural que agora atinja um nível de qualidade melhor.” É realmente natural. Faz sentido. De seguida, Eduardo ultrapassa as melhores expectativas ao referir-se ao Benfica: “Como aspectos positivos o Benfica tem principalmente Simão. Mas depois tem aspectos negativos, que é o caso da defesa. São muito fracos nessa área e têm jogadores muito fracos. E depois há jogos em que parece que a equipa desaparece.” Isto é tão bonito que só se percebe realmente na forma poética.
Como aspectos positivos
Benfica tem
Principalmente
Simão
Mas depois tem aspectos negativos
que é o caso da defesa
São muito fracos nessa área
e têm jogadores muito fracos
E depois há jogos
em que parece
que a equipa desaparece
Só mais uma. Qual a utilidade de um jogo como o futebol para a sociedade portuguesa? “Não é um propriamente uma utilidade. Entre várias funcionalidades o futebol focaliza diferentes emoções e serve de tubo de escape para as tensões da sociedade.” É um artista português ao nível do tubo de escape.
Como aspectos positivos
Benfica tem
Principalmente
Simão
Mas depois tem aspectos negativos
que é o caso da defesa
São muito fracos nessa área
e têm jogadores muito fracos
E depois há jogos
em que parece
que a equipa desaparece
Só mais uma. Qual a utilidade de um jogo como o futebol para a sociedade portuguesa? “Não é um propriamente uma utilidade. Entre várias funcionalidades o futebol focaliza diferentes emoções e serve de tubo de escape para as tensões da sociedade.” É um artista português ao nível do tubo de escape.
sábado, dezembro 11, 2004
www.grupodopato.blogspot.com
Confesso que me cansam um pouco os posts com remissões constantes para outras moradas electrónicas, artigos, blogs, etc. Prefiro ler os meus comparsas do que as suas simpáticas remissões. Talvez fosse útil resumir tudo num género de escolha semanal ou enviar as informações por e-mail, ou, então, escrever posts que analisem o contexto das remissões, isto é, que valham por si, que não sejam apenas uma fonte de informação, por mais útil que ela seja.
Posto isto, vou enfiar a carapuça e aconselhar o excelente artigo que Augusto Santos Silva escreve hoje no Público: "Sobressalto Cívico Precisa-se". Uma inteligente análise dos mecanismos do populismo em Portugal.
Para além do seu conteúdo, o artigo é importante por outros dois motivos. É revelador. Revela que Santos Silva está bastante acima da mediana do seu partido. É trágico. Só chega a uma clique de portugueses que por educação está preparada para resistir ao contexto político e cultural do populismo retrógado e reaccionário.
http://jornal.publico.pt/publico/2004/12/11/EspacoPublico/O01.html
Posto isto, vou enfiar a carapuça e aconselhar o excelente artigo que Augusto Santos Silva escreve hoje no Público: "Sobressalto Cívico Precisa-se". Uma inteligente análise dos mecanismos do populismo em Portugal.
Para além do seu conteúdo, o artigo é importante por outros dois motivos. É revelador. Revela que Santos Silva está bastante acima da mediana do seu partido. É trágico. Só chega a uma clique de portugueses que por educação está preparada para resistir ao contexto político e cultural do populismo retrógado e reaccionário.
http://jornal.publico.pt/publico/2004/12/11/EspacoPublico/O01.html
sexta-feira, dezembro 10, 2004
www.psd.pt
Provavelmente desconsolado com os resultados que todas as sondagens têm dado à estampa acerca da justeza, ou não, da decisão do PR, o PSD/PPD decidiu reconfortar o seu ego e elevar a sua auto-estima, ao colocar a votação no seu site a seguinte questão:
"Concorda com a Decisão do Presidente da República em Convocar Eleições Antecipadas?"
Para espanto geral, neste momento, o Não obtém 69,04% de votos, contra 30,96% do Sim!
Ao menos nalgum lado se reconhece o carácter injusto da decisão do PR e o autêntico abuso de poder que este exerceu, apenas possível num país que vive ainda numa situação de imaturidade democrática.
"Concorda com a Decisão do Presidente da República em Convocar Eleições Antecipadas?"
Para espanto geral, neste momento, o Não obtém 69,04% de votos, contra 30,96% do Sim!
Ao menos nalgum lado se reconhece o carácter injusto da decisão do PR e o autêntico abuso de poder que este exerceu, apenas possível num país que vive ainda numa situação de imaturidade democrática.
terça-feira, dezembro 07, 2004
Rambo 3 e um homem a cavalo
Até ao momento em que algum produtor de Hollywood mudar de opinião, Rambo 3 é o último filme da saga de John Rambo, personagem imortalizada pelo expressivo Sylvester Stallone. John Rambo pertence a uma galeria vasta de heróis americanos (que inclui bastantes super-heróis da BD), homens individualistas que funcionam fora das lógicas do poder institucionalizado, fazendo justiça pelas próprias mãos. São figuras típicas deste bestiário, ex-policias, detectives privados, antigos militares, indivíduos que faziam o seu trabalho de forma pouco ortodoxa e que foram, normalmente por uma qualquer injustiça, obrigados a viver à margem do funcionamento burocrático das instituições. Apesar de esmagados pelo mundo moderno das leis e regulamentos, algum episódio, uma missão, um rapto de um familiar, uma chantagem, fá-los voltar ao activo. Este arquétipo tem o charme inconfundível da fuga à modernidade, algo em que todos gostaríamos de viver senão estivéssemos presos aos tentáculos da vida quotidiana, emprego, família, etc. Vale-nos, claro, o cinema americano para viver durante algum tempo as emoções destes homens fora do seu tempo.
Em Rambo 3, o herói americano vai em missão ao Afeganistão para salvar um amigo preso pelas tropas soviéticas que ocupavam o país. Isto já foi há uns anitos como podem ir percebendo. A luta é desigual. De um lado, a máquina de guerra soviética, a representação da modernidade fria e calculista, burocrática e poderosa; do colectivo que esmaga os indivíduos. Do outro, o romântico John Rambo coadjuvado por um grupo, não menos romântico, de homens montados a cavalo. Os Mudjaidines. Se há elemento que não abunda neste tipo de filmes é a surpresa. John Rambo limpou os soviéticos com uma paradoxal eficácia moderna. Não será difícil de perceber que o cinema americano criou heróis românticos com bastante mais piada.
A imagem que o filme oferece dos amigos a cavalo do amigo Rambo é, por seu lado, bastante pedagógica. Os Mudjaidines eram uns amadores de cavalaria, corajosos e abnegados, mas falhos de qualquer estratégia eficaz para combater o poderoso inimigo soviético. Uns provincianos bem intencionados. As personagens destes bravos afegãos estão pouco definidas no filme. Se o realizador tivesse sido mais cuidadoso talvez pudéssemos ver entre os cavaleiros mudjaidines um saudita chamado Osama. Sim, Osama, o terrorista, o homem que, aparentemente, mandou as torres de Nova Iorque para o estaleiro e que nos obriga todos a viver neste mundo de loucura securitária. Quem diria, Osama ali mesmo ao lado de John Rambo. Se ele soubesse. Entretanto, a história ultrapassou com velocidade a ficção. Os bons e desajeitados homens a cavalo transformaram-se nos terríveis taliban. Uma espécie de nova encarnação do diabo, morto e enterrado o belzebu soviético.
Estou para saber de quem é a melhor definição do perigo islâmico, se a do Rambo 3 produzido em Hollywood, se a dos filmes de propaganda politica americana, engendrados por produtores relativamente mais sinistros. Onde está John Rambo quando precisamos dele?
Em Rambo 3, o herói americano vai em missão ao Afeganistão para salvar um amigo preso pelas tropas soviéticas que ocupavam o país. Isto já foi há uns anitos como podem ir percebendo. A luta é desigual. De um lado, a máquina de guerra soviética, a representação da modernidade fria e calculista, burocrática e poderosa; do colectivo que esmaga os indivíduos. Do outro, o romântico John Rambo coadjuvado por um grupo, não menos romântico, de homens montados a cavalo. Os Mudjaidines. Se há elemento que não abunda neste tipo de filmes é a surpresa. John Rambo limpou os soviéticos com uma paradoxal eficácia moderna. Não será difícil de perceber que o cinema americano criou heróis românticos com bastante mais piada.
A imagem que o filme oferece dos amigos a cavalo do amigo Rambo é, por seu lado, bastante pedagógica. Os Mudjaidines eram uns amadores de cavalaria, corajosos e abnegados, mas falhos de qualquer estratégia eficaz para combater o poderoso inimigo soviético. Uns provincianos bem intencionados. As personagens destes bravos afegãos estão pouco definidas no filme. Se o realizador tivesse sido mais cuidadoso talvez pudéssemos ver entre os cavaleiros mudjaidines um saudita chamado Osama. Sim, Osama, o terrorista, o homem que, aparentemente, mandou as torres de Nova Iorque para o estaleiro e que nos obriga todos a viver neste mundo de loucura securitária. Quem diria, Osama ali mesmo ao lado de John Rambo. Se ele soubesse. Entretanto, a história ultrapassou com velocidade a ficção. Os bons e desajeitados homens a cavalo transformaram-se nos terríveis taliban. Uma espécie de nova encarnação do diabo, morto e enterrado o belzebu soviético.
Estou para saber de quem é a melhor definição do perigo islâmico, se a do Rambo 3 produzido em Hollywood, se a dos filmes de propaganda politica americana, engendrados por produtores relativamente mais sinistros. Onde está John Rambo quando precisamos dele?
segunda-feira, dezembro 06, 2004
Na Roça com os Tachos
Apesar de ser quase um leigo na matéria, os programas de culinária nos ecrãs televisivos sempre me incutiram um certo fascínio, provavelmente por ser uma ciência cujos princípios básicos de funcionamento pouco quiseram comigo.
Tradicionalmente, estes programas foram dominados por nomes como Filipa Vacondeus e Mestre Silva. Estes dois, cozinheiros prestigiados ao que diziam, davam a conhecer nas televisões as receitas de algumas iguarias mais ou menos prosaicas, de uma forma profissional e linear.
Porém, notava-se que faltava ali um tom menos monocórdico nos discursos, maior expressividade na comunicação, em suma, um rasgo de genialidade na arte de ensinar a cozinhar.
Ora bem, essa lacuna foi agora colmatada por um são tomense de nome João Carlos Silva, no programa “Na Roça com os Tachos”, da Énetêbê (NTV).
Sempre acompanhado do seu clássico fogão camping gaz, demonstra a sua sageza nesta arte ao ar livre, junto das luxuriantes paisagens são tomenses. Ao sol ou mesmo à chuva, o que se vê é um cozinheiro completamente apaixonado pela sua actividade profissional, debitando mais “Óohhhs” de alegria e admiração durante a confecção das receitas do que o Gabriel Alves durante um jogo de futebol.
Aquilo é um cozinheiro-apresentador que canta e dança enquanto o peixe assa, que chama o cameraman, o Kálu, para ir provar e dizer de sua justiça sobre a mousse de manga que ele preparou, que deixa a comida ao lume para ir perseguir galinhas, enfim, um autêntico one man show!
Combinando a faceta de “verdadeiro artista” com a de virtuoso da cozinha, João Carlos Silva é, indiscutivelmente, o novo Imperador da gastronomia televisiva.
Tradicionalmente, estes programas foram dominados por nomes como Filipa Vacondeus e Mestre Silva. Estes dois, cozinheiros prestigiados ao que diziam, davam a conhecer nas televisões as receitas de algumas iguarias mais ou menos prosaicas, de uma forma profissional e linear.
Porém, notava-se que faltava ali um tom menos monocórdico nos discursos, maior expressividade na comunicação, em suma, um rasgo de genialidade na arte de ensinar a cozinhar.
Ora bem, essa lacuna foi agora colmatada por um são tomense de nome João Carlos Silva, no programa “Na Roça com os Tachos”, da Énetêbê (NTV).
Sempre acompanhado do seu clássico fogão camping gaz, demonstra a sua sageza nesta arte ao ar livre, junto das luxuriantes paisagens são tomenses. Ao sol ou mesmo à chuva, o que se vê é um cozinheiro completamente apaixonado pela sua actividade profissional, debitando mais “Óohhhs” de alegria e admiração durante a confecção das receitas do que o Gabriel Alves durante um jogo de futebol.
Aquilo é um cozinheiro-apresentador que canta e dança enquanto o peixe assa, que chama o cameraman, o Kálu, para ir provar e dizer de sua justiça sobre a mousse de manga que ele preparou, que deixa a comida ao lume para ir perseguir galinhas, enfim, um autêntico one man show!
Combinando a faceta de “verdadeiro artista” com a de virtuoso da cozinha, João Carlos Silva é, indiscutivelmente, o novo Imperador da gastronomia televisiva.
sexta-feira, dezembro 03, 2004
Um hooligan da burguesia
A novela do dirigente operário continua. Podem os operários ser dirigentes de partido políticos? Certamente que podem, especialmente se o partido a que pertencem se reclamar como representante da classe operária. Não é a categoria profissional, ou o grau académico, que melhor define o bom ou mau líder. Como diria o outro, é a prática. O tempo o dirá. Centrar a discussão sobre as capacidades de liderança de Jerónimo de Sousa nas sua origem de classe e na sua formação profissional e educacional é tontaria. Por vezes, chega a mesma a ser falta de inteligência ou ainda pior. Diga-se, no entanto, que Jerónimo de Sousa não é propriamente um operário, mas um quadro partidário.
É extraordinário como são muitas vezes pessoas cuja educação de classe supor-se-ia fosse um antídoto contra a análise bárbara que enveredam pelos caminhos ínvios da observação primária. Isto vem a propósito do miserável artigo que Eduardo Prado Coelho escreveu sobre Jerónimo de Sousa. O ultra-inteligente escriba do Público tem a liberdade de criticar o novo líder do PCP, não pode é ser racista. Os milhões de livros que Eduardo leu, os milhares de artistas e escritores que conheceu e apadrinhou, os biliões de filmes que viu, e, com certeza, a esmerada educação burguesa que recebeu, não foram suficientes para acabar com o apartheid mental que lhe molda a cabeça. O ódio de classe que espumou, racismo de classe para chamarmos as coisas pelos nomes, foi tão primário que estalou todo o verniz da erudição, deixando a nu um perigoso fundamentalista, um taliban, um hooligan da pior espécie. Um racista.
É extraordinário como são muitas vezes pessoas cuja educação de classe supor-se-ia fosse um antídoto contra a análise bárbara que enveredam pelos caminhos ínvios da observação primária. Isto vem a propósito do miserável artigo que Eduardo Prado Coelho escreveu sobre Jerónimo de Sousa. O ultra-inteligente escriba do Público tem a liberdade de criticar o novo líder do PCP, não pode é ser racista. Os milhões de livros que Eduardo leu, os milhares de artistas e escritores que conheceu e apadrinhou, os biliões de filmes que viu, e, com certeza, a esmerada educação burguesa que recebeu, não foram suficientes para acabar com o apartheid mental que lhe molda a cabeça. O ódio de classe que espumou, racismo de classe para chamarmos as coisas pelos nomes, foi tão primário que estalou todo o verniz da erudição, deixando a nu um perigoso fundamentalista, um taliban, um hooligan da pior espécie. Um racista.
quinta-feira, dezembro 02, 2004
PPM
Ontem à tarde, ao lado da habitual e risível manifestação dos membros do Grupo de Amigos de Olivença, estultos membros do Partido Nacional Renovador (PNR) e do Partido Popular Monárquico (PPM) indignavam-se perante a decisão do Presidente da República, os primeiros porque não vêem salvação possível em qualquer partido, excepto aquele que representam, obviamente, e os segundos porque 4 meses são insuficientes para fazer qualquer coisa (pelo contrário, são mais do suficientes para fazer muita coisa, quase sempre mal, como se viu...) acrescentando, ainda, que "estão abertos a coligações com o PSD."
- Ó meus amigos monárquicos, pela graça de Deus, atentai no que dizeis. Vós sois monárquicos, mui valorosos homens e mulheres que foram agraciados pelo Divino como portadores da Virtude e defensores inquebrantáveis da Pátria Lusitana. A vossa doutrina professa uma forma de governo em que o poder supremo é exercido por um monarca, representante terrestre do Divino; Como vindes agora apregoar o desejo de estardes à frente dos destinos de uma Nação Republicana, coligados com um Partido Republicano?!
Que grande confusão embacia as cabeças superiores destes monárquicos...
- Ó meus amigos monárquicos, pela graça de Deus, atentai no que dizeis. Vós sois monárquicos, mui valorosos homens e mulheres que foram agraciados pelo Divino como portadores da Virtude e defensores inquebrantáveis da Pátria Lusitana. A vossa doutrina professa uma forma de governo em que o poder supremo é exercido por um monarca, representante terrestre do Divino; Como vindes agora apregoar o desejo de estardes à frente dos destinos de uma Nação Republicana, coligados com um Partido Republicano?!
Que grande confusão embacia as cabeças superiores destes monárquicos...
terça-feira, novembro 30, 2004
Uma nova Estátua em Felgueiras
De acordo com o "Semanário de Felgueiras" de 26-11-04, "O industrial do calçado vai ser homenageado pela Câmara Municipal de Felgueiras, estando para o efeito a ser estudada a colocação de uma estátua na rotunda das campas, na EN 101-3".
Para o efeito vai ser aberto um concurso público para a adjudicação da obra, constando do caderno de encargos da obra a obrigação da estátua do "industrial do calçado" estar lateralmente acompanhada por duas outras estátuas menores: uma que reproduza fielmente um Ferrari F50 e outra que simbolize a principal força de trabalho da indústria de calçado local, uma pequena criança.
Para o efeito vai ser aberto um concurso público para a adjudicação da obra, constando do caderno de encargos da obra a obrigação da estátua do "industrial do calçado" estar lateralmente acompanhada por duas outras estátuas menores: uma que reproduza fielmente um Ferrari F50 e outra que simbolize a principal força de trabalho da indústria de calçado local, uma pequena criança.
segunda-feira, novembro 29, 2004
A prática logo o dirá.
"Ninguém me tira da cabeça que 90 por cento, ou mais, dos comentários negativos que por aí circulam sobre o novo secretário-geral do PCP provêm de quem, consciente ou inconscientemente, não se consegue libertar do paradigma do canudo. Não é doutor nem engenheiro, logo não está à altura. A prática, esse único critério da verdade, como dizia Lenine, logo o dirá." ANTÓNIO VILARIGUES em PÚBLICO 29/11/2004
Como disseram Lenine e Vilarigues, a prática logo o dirá.
Como disseram Lenine e Vilarigues, a prática logo o dirá.
sexta-feira, novembro 26, 2004
Muito interessante
A antropologia é uma disciplina muito interessante, especialmente porque proporciona observatórios de estudo interessantes. Na busca do outro, tarefa cuja competência parece ser especialidade de pessoas formadas em universidades ocidentais, podem conceber-se inúmeros objectos de estudos realmente interessantes.
Professor: Então e você, qual é o seu tema?
Aluno A: Eu quero estudar futebol em Moçambique
Professor: Isso é extremamente interessante.
Aluno A: Pois
Professor: O que é a turma acha deste tema tão interessante escolhido pelo colega?
Turma: É muito interessante
Aluno B: É do caraças de interessante
Aluno C: Que inveja, eu que vou estudar a cultura da beterraba entre pescadoras lésbicas de uma ilha do pacífico nunca teria pensado num tema tão interessante como o futebol em Moçambique
Aluno D: Tu vais estudar a cultura da beterraba entre pescadoras lésbicas de uma ilha do pacífico? Isso é brutalmente interessante. Se quiseres dou-te o e-mail de um amigo meu que fez um mestrado sobre a cultura da couve roxa entre pescadores bissexuais que viviam de cócoras dentro de um vulcão de uma ilha do pacífico.
Aluno E: Quem é que se lembraria de uma coisa dessas? Estou-me a sentir algo parvo, porque o meu tema é apenas a intertextualidade, dança contemporânea e Lacan: valores pós-materiais na China Imperial vistos através do olhar crítico de quatro gerações de mulheres gordas no Irão, nos três dias seguintes à queda do Xá.
Professor: ...nos três dias seguintes à queda do Xá. Isso é ... foda-se, cum caralho, isso é mesmo interessante, é que não que não é só interessante é, no mínimo, muito interessante, talvez algures entre o interessante e o muito interessante mas eu diria que mais próximo do muito interessante, está ali quase, o muito interessante está à vista.
Professor: Então e você, qual é o seu tema?
Aluno A: Eu quero estudar futebol em Moçambique
Professor: Isso é extremamente interessante.
Aluno A: Pois
Professor: O que é a turma acha deste tema tão interessante escolhido pelo colega?
Turma: É muito interessante
Aluno B: É do caraças de interessante
Aluno C: Que inveja, eu que vou estudar a cultura da beterraba entre pescadoras lésbicas de uma ilha do pacífico nunca teria pensado num tema tão interessante como o futebol em Moçambique
Aluno D: Tu vais estudar a cultura da beterraba entre pescadoras lésbicas de uma ilha do pacífico? Isso é brutalmente interessante. Se quiseres dou-te o e-mail de um amigo meu que fez um mestrado sobre a cultura da couve roxa entre pescadores bissexuais que viviam de cócoras dentro de um vulcão de uma ilha do pacífico.
Aluno E: Quem é que se lembraria de uma coisa dessas? Estou-me a sentir algo parvo, porque o meu tema é apenas a intertextualidade, dança contemporânea e Lacan: valores pós-materiais na China Imperial vistos através do olhar crítico de quatro gerações de mulheres gordas no Irão, nos três dias seguintes à queda do Xá.
Professor: ...nos três dias seguintes à queda do Xá. Isso é ... foda-se, cum caralho, isso é mesmo interessante, é que não que não é só interessante é, no mínimo, muito interessante, talvez algures entre o interessante e o muito interessante mas eu diria que mais próximo do muito interessante, está ali quase, o muito interessante está à vista.
Interessante
A academia tem formas várias de interpretar o politicamente correcto que se vai impondo por todo o lado. Uma das expressões fundamentais nesta forma académica de ser politicamente correcto é a palavra interessante. Tudo é interessante: especialmente se o aluno pagar as propinas a tempo e horas. O “interessante” é uma muleta interaccional poderosa, que contribui para que as pessoas gostem, aparentemente, umas das outras. Elias chamar-lhe-ia mais um passo do processo civilizacional. Evitar o confronto. Claro que depois há rituais específicos para proporcionar o conflito. Nesse espaço ritual é possível, aliás é a regra, ser-se crítico e violento (por vezes até de forma artificial). Os ventos pós-modernos libertaram os critérios de avaliação e tudo pode ser, ao mesmo, interessante e odiável, depende, obviamente da corrente teórica ou estética em que navegamos.
quarta-feira, novembro 24, 2004
Love is on the air
Santana Lopes justificou a criação da central de comunicação pelo Executivo que lidera, na terça-feira à noite, no programa «Grande Entrevista» da RTP.
Disse Santana: "É tanta a sensibilidade da comunicação social com este Governo que retribuímos o amor com o amor..."
Ao que parece, desta vez, e para variar, Sampaio não quis ficar a segurar a vela entre os "pombinhos"...
Disse Santana: "É tanta a sensibilidade da comunicação social com este Governo que retribuímos o amor com o amor..."
Ao que parece, desta vez, e para variar, Sampaio não quis ficar a segurar a vela entre os "pombinhos"...
terça-feira, novembro 23, 2004
Canas de Senhorim
O Movimento de Restauração do Concelho de Canas de Senhorim continua a sua saga cómica em prol da elevação daquela lauta terra à figura jurídica de Concelho.
Chefiado por um “artista” aspirante a Presidente de Câmara, de seu nome Luís Pinheiro, o Movimento cortou hoje a linha de caminho de ferro local, tendo por isso enfrentado a GNR. O saldo da refrega consistiu nalgumas baixas hospitalares por parte da população de Canas. Nada de surpreendente, portanto.
O que surpreende, isso sim, é como é que a população de Canas continua convencida da razão da sua reivindicação. Nem sequer vale a pena trazer à colação a dimensão da localidade e a sua exiguidade demográfica. Mais importante do que deixar-se enlevar pelo canto de uma sereia chamada Luís Pinheiro, seria a população de Canas reflectir sobre os factos concretos, nomeadamente aqueles que dizem respeito à circunstância fatal das freguesias que o Movimento propõe que constem do futuro concelho de Canas rejeitarem liminarmente essa pretensão, assentindo antes permanecer no concelho de Nelas, tal como actualmente acontece.
Não é à toa que as restantes localidades não pretendem unir-se ao Concelho de Canas. Culturalmente, as populações sempre se identificaram com a freguesia a que pertencem, não com os concelhos, uma criação político-administrativa muito mais recente, ao contrário das freguesias cujas delimitações espaciais datam do período romano.
Para as populações é-lhes igual ao litro que Canas queira ser Concelho ou não. O que elas pretendem é continuar a pertencer à mesma freguesia de sempre. E uma vez que têm que estar agregadas a um concelho, entre aderir aos novos-cristãos de Canas ou ficarem-se pelo conhecido, optam por Nelas.
Só em Canas de Senhorim, e um tal de Luís Pinheiro, é que não vêem isto, e lá continuam em reivindicações tontas...
Chefiado por um “artista” aspirante a Presidente de Câmara, de seu nome Luís Pinheiro, o Movimento cortou hoje a linha de caminho de ferro local, tendo por isso enfrentado a GNR. O saldo da refrega consistiu nalgumas baixas hospitalares por parte da população de Canas. Nada de surpreendente, portanto.
O que surpreende, isso sim, é como é que a população de Canas continua convencida da razão da sua reivindicação. Nem sequer vale a pena trazer à colação a dimensão da localidade e a sua exiguidade demográfica. Mais importante do que deixar-se enlevar pelo canto de uma sereia chamada Luís Pinheiro, seria a população de Canas reflectir sobre os factos concretos, nomeadamente aqueles que dizem respeito à circunstância fatal das freguesias que o Movimento propõe que constem do futuro concelho de Canas rejeitarem liminarmente essa pretensão, assentindo antes permanecer no concelho de Nelas, tal como actualmente acontece.
Não é à toa que as restantes localidades não pretendem unir-se ao Concelho de Canas. Culturalmente, as populações sempre se identificaram com a freguesia a que pertencem, não com os concelhos, uma criação político-administrativa muito mais recente, ao contrário das freguesias cujas delimitações espaciais datam do período romano.
Para as populações é-lhes igual ao litro que Canas queira ser Concelho ou não. O que elas pretendem é continuar a pertencer à mesma freguesia de sempre. E uma vez que têm que estar agregadas a um concelho, entre aderir aos novos-cristãos de Canas ou ficarem-se pelo conhecido, optam por Nelas.
Só em Canas de Senhorim, e um tal de Luís Pinheiro, é que não vêem isto, e lá continuam em reivindicações tontas...
Um novo conceito de talho
Tempos houve em que alguém desesperado chegou a pensar que uma boa alternativa à míngua do mercado sociológico seria abrir um talho gay. A ideia surgiu de uma apurada leitura das leis da oferta e da procura (Adam Smith q.b.), embora nunca ninguém tenha percebido aquilo que distinguiria um talho gay de um outro talho qualquer. A questão permaneceu eternamente no ar e porventura será melhor que se fique por ai.
Mas a demanda pela reinvenção do talho tradicional, seja lá isso o que for, é um processo irrevogável que atormenta as imaginações além fronteiras. Foi assim que num mercado no sul de Londres nasceu o talho disco. O local chama-se East Street Market e é dos lugares que mais alto subiu na minha escala londrina, imediatamente à frente da Tate Modern, mas ainda assim atrás do Café Estrela. Este mercado é um sítio extraordinário, frequentado maioritariamente por ingleses de origem ganesa, nigeriana, jamaicana e por emigrantes de diversas proveniências. Pois bem, no meio deste mercado há um talho dirigido por turcos. O talho é todo branco, pontuado pelo vermelho de múltiplos animais esventrados, cortados e dilacerados por três homens vestidos com batas brancas pontuadas pelo sangue de múltiplos animais esventrados, cortados e dilacerados, e que se movimentam energeticamente ao som de um poderoso sound system que debita os sons dos últimos êxitos de hip hop, rap e reagge. Os clientes reagiram positivamente aquela imagem da carnificina animal perpetrada ao som ritmado das palavras do rapper. Os amigos turcos parecem felizes. Não alvitrei se a música se altera com a hora do dia e gostava bastante de perceber se o hip hop vende melhor o porco, o peru, a vaca ou os miúdos, salvo seja.
Confesso que não sei se me sentia à vontade para comprar uns bifes do lombo ao som do Eminem. Afinal, a vaca é um animal bucólico e prazenteiro, um pouco obtuso, mas honesto, cuja quietude merece algum respeito. Talvez uma valsa, ou o hino da Eurovisão.
Um talho, com música ou sem música, é um dos lugares mais fascinantes do mundo. Aprende-se imenso.
Mas a demanda pela reinvenção do talho tradicional, seja lá isso o que for, é um processo irrevogável que atormenta as imaginações além fronteiras. Foi assim que num mercado no sul de Londres nasceu o talho disco. O local chama-se East Street Market e é dos lugares que mais alto subiu na minha escala londrina, imediatamente à frente da Tate Modern, mas ainda assim atrás do Café Estrela. Este mercado é um sítio extraordinário, frequentado maioritariamente por ingleses de origem ganesa, nigeriana, jamaicana e por emigrantes de diversas proveniências. Pois bem, no meio deste mercado há um talho dirigido por turcos. O talho é todo branco, pontuado pelo vermelho de múltiplos animais esventrados, cortados e dilacerados por três homens vestidos com batas brancas pontuadas pelo sangue de múltiplos animais esventrados, cortados e dilacerados, e que se movimentam energeticamente ao som de um poderoso sound system que debita os sons dos últimos êxitos de hip hop, rap e reagge. Os clientes reagiram positivamente aquela imagem da carnificina animal perpetrada ao som ritmado das palavras do rapper. Os amigos turcos parecem felizes. Não alvitrei se a música se altera com a hora do dia e gostava bastante de perceber se o hip hop vende melhor o porco, o peru, a vaca ou os miúdos, salvo seja.
Confesso que não sei se me sentia à vontade para comprar uns bifes do lombo ao som do Eminem. Afinal, a vaca é um animal bucólico e prazenteiro, um pouco obtuso, mas honesto, cuja quietude merece algum respeito. Talvez uma valsa, ou o hino da Eurovisão.
Um talho, com música ou sem música, é um dos lugares mais fascinantes do mundo. Aprende-se imenso.
domingo, novembro 21, 2004
Sócrates
Sócrates, a lenda brasileira do futebol dos anos 80, actualmente com 50 anos, regressou neste sábado aos relvados, envergando a camisola do Garthforth, um clube inglês das divisões inferiores .
De acordo com os relatos, durante 20 minutos alardeou a sua classe de forma estridente, de tal forma que o observador da equipa técnica do Sporting aconselhou já a sua contratação na reabertura do mercado aos responsáveis da SAD verde e branca, uma vez que mantém praticamente intactas as faculdades técnicas que o consagraram e evidencia um ritmo de jogo compatível à da maioria dos jogadores do Sporting, superando inclusivé nos piques de corrida, Rui Jorge e Pedro Barbosa.
De acordo com os relatos, durante 20 minutos alardeou a sua classe de forma estridente, de tal forma que o observador da equipa técnica do Sporting aconselhou já a sua contratação na reabertura do mercado aos responsáveis da SAD verde e branca, uma vez que mantém praticamente intactas as faculdades técnicas que o consagraram e evidencia um ritmo de jogo compatível à da maioria dos jogadores do Sporting, superando inclusivé nos piques de corrida, Rui Jorge e Pedro Barbosa.
sexta-feira, novembro 19, 2004
A questão do referendo - 3 em 1
«Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da UE, nos termos da Constituição para a Europa?»
Eis as opções de resposta que virão nos boletins:
Sim para todas;
Não para todas;
Sim para a primeira, Não para a segunda e Sim para a terceira;
Não para a primeira, Sim para a segunda e Não para a terceira;
Sim para a primeira, Sim para a segunda e Não para a terceira;
Não para a primeira, Não para a segunda e Sim para a terceira;
Eis as opções de resposta que virão nos boletins:
Sim para todas;
Não para todas;
Sim para a primeira, Não para a segunda e Sim para a terceira;
Não para a primeira, Sim para a segunda e Não para a terceira;
Sim para a primeira, Sim para a segunda e Não para a terceira;
Não para a primeira, Não para a segunda e Sim para a terceira;
quinta-feira, novembro 18, 2004
CTT
O motivo que os CTT invocam no seu site para a disposição, on-line, de um conjunto diversificado de produtos e serviços, prende-se com a vontade de garantir comodidade e celeridade no atendimento dos seus clientes, eximindo estes da perda de tempo nos balcões dos correios. È uma vontade generosa e que vem por bem.
Pena é essa filosofia de empresa não estar implementada em muitas outras situações comezinhas, como, por exemplo, a autenticação de documentos, faculdade consignada por lei aos CTT.
Estando aos CTT atribuída a função, quando assim requisitada, de autenticar documentos, pensar-se-ia que todos os balcões da instituição o pudessem fazer naturalmente, até porque para o exercício da mesma apenas são necessários dois requisitos: a existência de um carimbo e a competência de leitura por parte do funcionário.
Acontece que, devido a directrizes recentes, nem todos os balcões dos CTT estão autorizados a cumprir a difícil tarefa de autenticar documentos, nomeadamente os balcões mais "pequeninos", segundo os CTT, os quais apesar de anteriormente deterem a mesma dimensão garantiam a autenticação na hora.
Eis como um serviço público consegue desvirtuar o princípio da garantia paritária de serviços nos seus balcões, obrigando os contribuintes a deslocarem-se quilómetros e a perderem uma farturinha de tempo para alcançarem o seu desiderato.
Entretanto, os mesmos balcões mais pequeninos que não têm autorização hierárquica para procederem à sua missão, em alternativa permitem aos clientes a compra de canecas de barro, brincos e até o carregamento de telemóveis, tudo mui nobres e indispensáveis tarefas que um serviço público deve assegurar...
Pena é essa filosofia de empresa não estar implementada em muitas outras situações comezinhas, como, por exemplo, a autenticação de documentos, faculdade consignada por lei aos CTT.
Estando aos CTT atribuída a função, quando assim requisitada, de autenticar documentos, pensar-se-ia que todos os balcões da instituição o pudessem fazer naturalmente, até porque para o exercício da mesma apenas são necessários dois requisitos: a existência de um carimbo e a competência de leitura por parte do funcionário.
Acontece que, devido a directrizes recentes, nem todos os balcões dos CTT estão autorizados a cumprir a difícil tarefa de autenticar documentos, nomeadamente os balcões mais "pequeninos", segundo os CTT, os quais apesar de anteriormente deterem a mesma dimensão garantiam a autenticação na hora.
Eis como um serviço público consegue desvirtuar o princípio da garantia paritária de serviços nos seus balcões, obrigando os contribuintes a deslocarem-se quilómetros e a perderem uma farturinha de tempo para alcançarem o seu desiderato.
Entretanto, os mesmos balcões mais pequeninos que não têm autorização hierárquica para procederem à sua missão, em alternativa permitem aos clientes a compra de canecas de barro, brincos e até o carregamento de telemóveis, tudo mui nobres e indispensáveis tarefas que um serviço público deve assegurar...
Os racistas e os fascistas do politicamente correcto IV
É assim, vivemos entre os racistas básicos do antigamente e os novos fascistas do politicamente correcto que pensam que a sociedade ideal seria controlada por microfones e câmaras para apanhar o cidadão a fazer o comentário errado, para depois o castigar e humilhar publicamente, como naqueles estados americanos em que os presos têm que, através de cartazes, anunciar o seu crime à sociedade: roubei um chocolate no supermercado, disse mal do meu chefe, fiz um comentário sexista, dei um pontapé no cão. Admirável Mundo Novo.
Os racistas e os fascistas do politicamente correcto III
Parece evidente que existe um problema de racismo em Espanha. Isto é diferente, no entanto, de afirmar que todos os espanhóis são racistas. Mas o que é mais irritante nesta prosa jornalística é a pose educadora da raça escolhida. Na Inglaterra, os africanos ocupam os lugares mais baixos da hierarquia profissional. Na Inglaterra, os africanos continuam a ser discriminados nas escolas. Na Inglaterra, vários tablóides sugerem diariamente que os africanos inventaram o crime. Na Inglaterra, todos os partidos do espectro políticos falam dos emigrantes de uma forma que faz do nosso Paulo Portas um menino do coro. Na Inglaterra, os partidos da extrema-direita nacionalista e racista sobem exponencialmente a sua votação. Já agora, a Inglaterra não deve ser confundida com a multicultural e cosmopolita Londres onde, apesar do liberalismo nos costumes, os negros dos bairros periféricos do sul rumam todos os dias a norte para limpar, construir e guardar, os bairros brancos e burgueses do norte. Os jogadores negros foram enxovalhados neste país durante décadas a fio, aliás, o futebol em Inglaterra foi durante muitos anos um desporto onde os negros não entravam. E só não são enxovalhados agora, porque o jogo se tornou um espectáculo caro para a classe média politicamente correcta, aquela que em público é incapaz de ser racista mas que, se fosse possível, gostava que os seus filhos tivessem um saudável casamento branco. É esta sociedade, a mesma cujo governo, com sucesso discutível, procura com armas civilizar o Médio Oriente, que se toma pela zeladora do mundo, numa atitude paternalista insuportável. Assim de repente, chamava-lhe neo-colonialismo. O que sucedeu no Bernabéu só vai levantar tanta celeuma porque era a equipa nacional que jogava. Infelizmente, a base da questão é nacionalista.
Os racistas e os fascistas do politicamente correcto II
O forte nacionalismo inglês, a sua moralista ética protestante, o seu sentido de superioridade sobre todos os povos do mundo, que não é reconhecido pela forma estúpida e primária demonstrada por alguns adeptos espanhóis, mas por uma pose doutoral e distante que alguns súbditos de sua majestade gostam de ensaiar, seria mais suportável se os seus acólitos não cometessem o grave erro de omitir a sua própria realidade. No Guardian, jornal liberal de “esquerda”, um distinto jornalista relatou mais ou menos nestes termos a questão racial em Espanha. Primeiro, explicitou a diferença entre a forma como a Espanha (mediterrânica, atrasada, etc) trata a questão da raça, quando comparada com a Inglaterra (o espaço da civilização). Depois, usou uma retórica perigosa, que, no fundo, não é mais do que o princípio de todos os racismos. Esta retórica, que infelizmente não é a primeira vez que ouço por aqui, consiste em tomar a parte pelo todo. Neste caso preciso, esta estratégia uniu-se a uma outra não menos perigosa: o abuso da adjectivação proporcionada por determinados substantivos colectivos. Deste modo, os Espanhóis, essa raça de 40 milhões de pessoas, foram colectivamente apelidados de xenófobos, através da exposição de quatro ou cinco exemplos de racismo nos campos e nos clubes de futebol do seu pais. Para reforçar a sua ideia, o jornalista disse ainda que na sociedade espanhola os cidadãos de origem africana ocupam os lugares profissionais mais baixos e são constantemente maltratados. Ora, nada disto se passa em Inglaterra.
Os racistas e os fascistas do politicamente correcto -I
Terminou há poucas horas o triste jogo de futebol entre a Espanha e a Inglaterra. O encontro foi irremediavelmente marcado pelos cânticos racistas de parte, aparentemente significativa, dos adeptos espanhóis que se encontravam no estádio. A atitude é intolerável e mostra como às vezes basta uma pequena alteração nas circunstâncias que rodeiam um jogo para os valores da ignorância, da falta de inteligência e da cobardia virem ao de cima. É um racismo explícito, brutal, próprio de pessoas com um evidente défice mental. Não sei que parcela de adeptos se comportou assim, mas é bom lembrar que estávamos no Bernabéu, lugar do Real Madrid e dos Ultra Sur, a sua claque fascista. De lembrar ainda que o encanto futebolístico do Real não altera o facto de o clube ter estado próximo da Espanha franquista, e de os seus adeptos representarem, em termos genéricos, uma população espanhola mais conservadora e reaccionária. A “atenuante” vale de pouco e o comportamento violento demonstrado pelos jogadores ingleses desde o princípio do encontro também não desculpa nada. A questão racial que rodeou este jogo foi, no entanto, levantada anteriormente. Luís Aragonés, treinador espanhol, terá dito a um seu jogador, que alinha no Arsenal de Londres, que devia lutar para tirar o lugar a um seu companheiro de equipa, o francês Henry, apelidando este último de “shit negro”. A conversa foi captada por um microfone e, com razão, a questão racial foi levantada. Aragonés, que terá o seu défice mental, veio retratar-se publicamente, pedindo desculpa e afirmando que os media ingleses retiraram a expressão do contexto. No contexto ou fora do contexto, as palavras falam por si. Os media ingleses não ficaram convencidos e consideraram que Aragonés devia ter sido despedido. É a partir deste momento que os defensores da moral e dos bons costumes se transformam nos fascistas do politicamente correcto.
terça-feira, novembro 16, 2004
Canção Nova
Ao imaginarmos uma televisão religiosa, porventura pensamos logo em programas enfadonhos e aborrecidos até dizer basta . Padres, padrecos, bispos e cardeais a trazerem a luz ao rebanho durante homilias à meia-luz, alvitrando contra as tentações perniciosas dos tempos modernos e à quebra dos valores cristãos. Ou seja, seria algo parecido com os milhentos pasquins católicos que povoam a imprensa escrita regional, semanalmente.
Mas esta visão mais tradicional nem sempre tem uma tradução real. A prová-lo está o canal disponível por cabo, Canção Nova. Brasileiro de nascença, evangélico de baptismo, tem na alegria e na comédia a sua profissão de fé. Aliás, mal se compreende a criação de canais temáticos vocacionados para a comédia, quando a TV Cabo já oferece há muito tempo aos seus espectadores 24 horas de galhofa diária, através do Canção Nova.
No Canção Nova, também há padres, missas e rebanhos. Mas há diferenças em relação ao padrão clássico a que associamos à actividade de salvação das almas terrestres. Um desses exemplos é o programa “Atendimento Espiritual”, onde os espectadores contam todas as suas angústias interiores a um conselheiro espiritual, uma espécie de Prof. Cazombé.
No último programa, Alice, 44 anos, da Baixa da Banheira (identidade fictícia), carpia sobre o marido constantemente embriagado e violento e os filhos despeitados, na esperança de obter um remédio mágico imediato da parte do guia. E consegui-o!
Através do veredicto de que o marido e os filhos da senhora tinham, garantidamente, um coração de pedra, o guia aconselhou a Sra. Alice a aspergir a cama do marido e dos filhos com água, mas não em demasia, para assim as camas não ficarem ensopadas!
A Sra. Alice agradeceu, feliz da vida, por ter visto finalmente a luz ao fundo do túnel, prontificando-se a executar imediatamente as ordens recebidas.
O único senão de tão proveito programa prende-se com o facto de não haver um acompanhamento aos resultados dos auxílios espirituais prestados.
Sempre gostava de saber se a água aspergida nas camas dos que possuem corações duros sempre os amolece, ou se o marido, normalmente chegado a casa embriagado e furioso da vida, ao deitar-se na cama embebida em H2O se passou dos carretos por isso e arreou mais uma grande carga de porrada na desgraçada da Sra. Alice.
Pessoalmente, inclino-me para um desfecho mais em conformidade com esta última hipótese...
Mas esta visão mais tradicional nem sempre tem uma tradução real. A prová-lo está o canal disponível por cabo, Canção Nova. Brasileiro de nascença, evangélico de baptismo, tem na alegria e na comédia a sua profissão de fé. Aliás, mal se compreende a criação de canais temáticos vocacionados para a comédia, quando a TV Cabo já oferece há muito tempo aos seus espectadores 24 horas de galhofa diária, através do Canção Nova.
No Canção Nova, também há padres, missas e rebanhos. Mas há diferenças em relação ao padrão clássico a que associamos à actividade de salvação das almas terrestres. Um desses exemplos é o programa “Atendimento Espiritual”, onde os espectadores contam todas as suas angústias interiores a um conselheiro espiritual, uma espécie de Prof. Cazombé.
No último programa, Alice, 44 anos, da Baixa da Banheira (identidade fictícia), carpia sobre o marido constantemente embriagado e violento e os filhos despeitados, na esperança de obter um remédio mágico imediato da parte do guia. E consegui-o!
Através do veredicto de que o marido e os filhos da senhora tinham, garantidamente, um coração de pedra, o guia aconselhou a Sra. Alice a aspergir a cama do marido e dos filhos com água, mas não em demasia, para assim as camas não ficarem ensopadas!
A Sra. Alice agradeceu, feliz da vida, por ter visto finalmente a luz ao fundo do túnel, prontificando-se a executar imediatamente as ordens recebidas.
O único senão de tão proveito programa prende-se com o facto de não haver um acompanhamento aos resultados dos auxílios espirituais prestados.
Sempre gostava de saber se a água aspergida nas camas dos que possuem corações duros sempre os amolece, ou se o marido, normalmente chegado a casa embriagado e furioso da vida, ao deitar-se na cama embebida em H2O se passou dos carretos por isso e arreou mais uma grande carga de porrada na desgraçada da Sra. Alice.
Pessoalmente, inclino-me para um desfecho mais em conformidade com esta última hipótese...
segunda-feira, novembro 15, 2004
Nick, o mestre
Nestes tempos em que quem paga bilhete para ver um concerto sujeita-se a um desfilar desinspirado de canções tiradas a papel químico do discos do cantor ou da banda, Nick Cave é uma benção. Nada do repertório estereotipado das estrelas do espectáculo, nada das frases formatadas, nada de poses mal ensaiadas, ou tiques de vedeta, apenas um portento de energia criativa que faz parecer qualquer banda de neo-punk como um grupo de baile para o serão familiar. Nick Cave, o extraordinário naipe de músicos que compõe os Bad Seeds, e o coro que acompanha o espectáculo, valem todo o dinheiro gasto no bilhete e ainda mais algum.
As promessas
Arjen Robben tem apenas vinte anos mas já é um dos melhores jogadores de futebol do mundo. Se puderem olhar para o rapaz a correr com a bola aproveitem que é um espectáculo. Quem sabe inspirado pelas exibições extraordinárias do seu pupilo, José Mourinho afirmou – já estava a demorar – que ia ganhar o campeonato inglês, e nem vai precisar das duas últimas jornadas. Por cá, ninguém acredita.
quinta-feira, novembro 11, 2004
O Colonialismo português para lá de Gilberto Freyre
Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
E fazes-me tua mina
Patrão!
Eu sou carvão
E tu acendes-me, patrão
Para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não
Patrão!
Eu sou carvão!
E tenho que arder, sim
E queimar tudo com a força da minha combustão
Eu sou carvão!
Tenho que arder na exploração
Arder até às cinzas da maldição
Arder vivo como alcatrão, meu irmão
Até não ser mais tua mina
Patrão!
Eu sou carvão!
Tenho que arder
E queimar tudo com o fogo da minha combustão
Sim!
Eu serei o teu carvão
Patrão!
Grito Negro
José Craveirinha
E tu arrancas-me brutalmente do chão
E fazes-me tua mina
Patrão!
Eu sou carvão
E tu acendes-me, patrão
Para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não
Patrão!
Eu sou carvão!
E tenho que arder, sim
E queimar tudo com a força da minha combustão
Eu sou carvão!
Tenho que arder na exploração
Arder até às cinzas da maldição
Arder vivo como alcatrão, meu irmão
Até não ser mais tua mina
Patrão!
Eu sou carvão!
Tenho que arder
E queimar tudo com o fogo da minha combustão
Sim!
Eu serei o teu carvão
Patrão!
Grito Negro
José Craveirinha
segunda-feira, novembro 08, 2004
Ursula Rucker no Teatro Viriato
Recém-chegada de uma longa viagem de Moscovo onde havia tocado no dia anterior, a norte-americana Ursula Rucker, ainda assim, proporcionou ao repleto auditório do Teatro Viriato, na passada sexta-feira, um excelso concerto.
Apresentando ao público os temas da sua mais recente obra musical, o álbum “Silver or Lead”, Ursula Rucker, por entre acordes de jazz, hip-hop, soul e blues, aliados à electrónica, entoou a sua “palavra falada” ácida e sussurrante sobre a realidade urbana contemporânea, a condição feminina, a escravatura e a política, espalhando, no final, uma atmosfera de pura doçura musical em todo o espaço.
Se a própria não tivesse confessado ninguém diria que ela estava há quase 48 horas sem dormir.
Apresentando ao público os temas da sua mais recente obra musical, o álbum “Silver or Lead”, Ursula Rucker, por entre acordes de jazz, hip-hop, soul e blues, aliados à electrónica, entoou a sua “palavra falada” ácida e sussurrante sobre a realidade urbana contemporânea, a condição feminina, a escravatura e a política, espalhando, no final, uma atmosfera de pura doçura musical em todo o espaço.
Se a própria não tivesse confessado ninguém diria que ela estava há quase 48 horas sem dormir.
quarta-feira, novembro 03, 2004
Sobre a vitória de Bush
Depois de, ao que tudo indica, Bush ter sido releito como presidente dos EUA, e das sondagens à boca das urnas indicarem que o medo de novos ataques terroristas foi decisivo na opção final de muitos eleitores, relembram-se as palavras de Benjamim Franklim:
"Aqueles que abrem mão da liberdade em troca de um pouco de segurança temporária, não merecem nem liberdade, nem segurança."
"Aqueles que abrem mão da liberdade em troca de um pouco de segurança temporária, não merecem nem liberdade, nem segurança."
terça-feira, novembro 02, 2004
Bush & Kerry
A algumas horas do fecho das urnas os candidatos à Casa Branca, face às sondagens que anunciam um empate técnico entre ambos, colocaram as respectivas máquinas eleitorais em esforços redobrados para conseguirem a vitória.
Telefonemas para os lares dos indecisos, visitas porta a porta aos dúbios, e-mails a pedir a cruzinha no quadrado certo aos hesitantes, a tudo as campanhas democrata e republicana recorrem para os seus líderes poderem ocupar a cadeira do poder.
Com uma pequena nuance.
Enquanto os democratas estimulam o voto em Kerry, os republicanos apelam aos eleitores, não para votarem no Partido Republicano, mas sim no Partido rival, nos democratas.
Buscando ensinamentos nas eleições de há 4 anos atrás, em que Bush obteve, segundo os dados oficiais do colégio eleitoral norte-americano, exactamente menos 540.420 votos que o adversário, e mesmo assim conseguiu, graças ao original sistema eleitoral americano, ser declarado como o grande vencedor da contenda, os partidários de Bush demandam junto de meio milhão dos eleitores para optarem pelo voto em Kerry de molde a garantirem a reeleição de Bush.
Acaso o meio milhão de votos a menos desta vez não seja suficiente para certificar a vitória, os republicanos, precavidos, estimaram já que 1.000.000 de votos a menos do que o candidato democrata seja já uma margem confortável para assegurarem, indiscutivelmente, a vitória de Bush.
Telefonemas para os lares dos indecisos, visitas porta a porta aos dúbios, e-mails a pedir a cruzinha no quadrado certo aos hesitantes, a tudo as campanhas democrata e republicana recorrem para os seus líderes poderem ocupar a cadeira do poder.
Com uma pequena nuance.
Enquanto os democratas estimulam o voto em Kerry, os republicanos apelam aos eleitores, não para votarem no Partido Republicano, mas sim no Partido rival, nos democratas.
Buscando ensinamentos nas eleições de há 4 anos atrás, em que Bush obteve, segundo os dados oficiais do colégio eleitoral norte-americano, exactamente menos 540.420 votos que o adversário, e mesmo assim conseguiu, graças ao original sistema eleitoral americano, ser declarado como o grande vencedor da contenda, os partidários de Bush demandam junto de meio milhão dos eleitores para optarem pelo voto em Kerry de molde a garantirem a reeleição de Bush.
Acaso o meio milhão de votos a menos desta vez não seja suficiente para certificar a vitória, os republicanos, precavidos, estimaram já que 1.000.000 de votos a menos do que o candidato democrata seja já uma margem confortável para assegurarem, indiscutivelmente, a vitória de Bush.
quinta-feira, outubro 28, 2004
As mulheres não gostam de foder - Parte 2
O Ministério Público decidiu abrir um inquérito ao caso de um livro com título alegadamente obsceno que foi exposto, há cerca de mês e meio, na montra de uma livraria de um centro comercial de Viseu.
Após algumas queixas, a PSP de Viseu decidiu aconselhar os proprietários da livraria Polvo a retirarem da montra o livro «As Mulheres Não Gostam de Foder», um ensaio sexual em banda desenhada.
O Ministério Público podia ter arquivado o caso, mas decidiu levar o assunto por diante. Para avançar, o delegado do procurador de Viseu, baseou-se numa lei de 1976 que proíbe a exposição em montras de qualquer produto obscenô.
A decisão surpreendeu os dois proprietários da livraria. «Estou boquiaberto. Só posso dizer que estamos a regredir», disse à TSF um dos sócios, Jorge Deodato.
Em Setembro, uma denuncia levou a PSP de Viseu até à livraria Polvo aconselhando a retirada de determinado livro, que podia ser considerado ofensivo. Os agentes levaram o livro mas o caso não ficou esquecido.
A polémica serviu para fazer de «as mulheres não gostam de foder», uma pequena banda desenhada cómica que custa 2 euros e meio, um sucesso. De tal forma que o autor, Alvarez Rabo, vai estar este fim-de-semana em Viseu.
Após algumas queixas, a PSP de Viseu decidiu aconselhar os proprietários da livraria Polvo a retirarem da montra o livro «As Mulheres Não Gostam de Foder», um ensaio sexual em banda desenhada.
O Ministério Público podia ter arquivado o caso, mas decidiu levar o assunto por diante. Para avançar, o delegado do procurador de Viseu, baseou-se numa lei de 1976 que proíbe a exposição em montras de qualquer produto obscenô.
A decisão surpreendeu os dois proprietários da livraria. «Estou boquiaberto. Só posso dizer que estamos a regredir», disse à TSF um dos sócios, Jorge Deodato.
Em Setembro, uma denuncia levou a PSP de Viseu até à livraria Polvo aconselhando a retirada de determinado livro, que podia ser considerado ofensivo. Os agentes levaram o livro mas o caso não ficou esquecido.
A polémica serviu para fazer de «as mulheres não gostam de foder», uma pequena banda desenhada cómica que custa 2 euros e meio, um sucesso. De tal forma que o autor, Alvarez Rabo, vai estar este fim-de-semana em Viseu.
quarta-feira, outubro 27, 2004
Antes de Anoitecer
Tem sido um filme levado ao colo pela crítica cinematográfica, e não só, por permitir a abertura de um “espaço de encantamento”, pelo “jogo de subtileza” aí presente, por constituir-se como um momento propício para “o espectador ser assaltado pelos seus fantasmas”, etc.
Envolto num envelope tão prendado, ao abri-lo e ao ver-se o filme inserto fica-se com a impressão de que a crítica, realmente, habita um universo muito singular, ensimesmado quanto baste, pois consegue descobrir subtileza onde existe a inanidade quase total, confundir encantamento com corriqueiro, e transpor os seus fantasmas pessoais para os espectadores.
“Antes de Anoitecer” é um filme passado quase em tempo real entre um par que se reencontra nove anos depois de se ter separado em Viena, com promessas mútuas de rápido reencontro mas que os desígnios insondáveis do destino entretanto impediram (onde é que eu já vi isto?). Reencontro cumprido, percorrem Paris recordando Viena, carpindo mágoas sobre as vicissitudes das suas vidas amorosas, divagando acerca da impotência dos homens franceses, por contraponto à tusa constante dos americanos.
No fim, Julie Delpi canta e encanta, Ethan Hawke vê a hora de apanhar o avião aproximar-se a contragosto e descem subitamente as cortinas sobre a história, concedendo-se ao espectador, ao jeito do você decide, o poder de imaginar um enredo feliz de ansiada união ou infeliz de repetida separação.
Ironicamente, a sensação que fica no final é a de que aqueles dois nunca chegam a lado nenhum, antes andam constantemente a engonhar, sendo aquilo que se costumar designar por uns grandes empata-fodas. Cá para mim, Julie Delpi só tem garganta e Ethan Hawke afinal é francês.
Envolto num envelope tão prendado, ao abri-lo e ao ver-se o filme inserto fica-se com a impressão de que a crítica, realmente, habita um universo muito singular, ensimesmado quanto baste, pois consegue descobrir subtileza onde existe a inanidade quase total, confundir encantamento com corriqueiro, e transpor os seus fantasmas pessoais para os espectadores.
“Antes de Anoitecer” é um filme passado quase em tempo real entre um par que se reencontra nove anos depois de se ter separado em Viena, com promessas mútuas de rápido reencontro mas que os desígnios insondáveis do destino entretanto impediram (onde é que eu já vi isto?). Reencontro cumprido, percorrem Paris recordando Viena, carpindo mágoas sobre as vicissitudes das suas vidas amorosas, divagando acerca da impotência dos homens franceses, por contraponto à tusa constante dos americanos.
No fim, Julie Delpi canta e encanta, Ethan Hawke vê a hora de apanhar o avião aproximar-se a contragosto e descem subitamente as cortinas sobre a história, concedendo-se ao espectador, ao jeito do você decide, o poder de imaginar um enredo feliz de ansiada união ou infeliz de repetida separação.
Ironicamente, a sensação que fica no final é a de que aqueles dois nunca chegam a lado nenhum, antes andam constantemente a engonhar, sendo aquilo que se costumar designar por uns grandes empata-fodas. Cá para mim, Julie Delpi só tem garganta e Ethan Hawke afinal é francês.
terça-feira, outubro 26, 2004
O poder dos pesadelos
A BBC iniciou a transmissão de uma série de três documentários sobre o processo político que conduziu ao sistema de poder e de confrontações a que assistimos hoje no mundo. O documentário chama-se The Power of Nightmares e a sua ideia base é a de que o poder actual está intimamente relacionado com a criação de mitos e fantasmas, formas de convencer as pessoas de ameaças que na realidade não existem. Confesso que tenho algumas dúvidas em relação ao modo como a história é contada. No entanto, o trabalho merece atenção. O autor segue duas histórias. A primeira começa com Leo Strauss, filósofo que deu aulas na escola de Chicago durante os anos 50. A segunda, com Sayyid Qutb, um teórico egípcio que estudou nos EUA e que se tornou, mais tarde, o ideólogo de associações fundamentalistas que lutavam contra o Egipto secular pós-independência. Strauss era um anti-liberal, anti-individualista que desejava que os EUA seguissem um modelo social colectivista e comunitário, assente na religião e em princípios conservadores, e alimentado por mitos que atribuíam à América o papel de democratizador do mundo. Strauss foi professor e criou uma espécie de escol. O seu escol esteve sempre ligado a uma facção minoritária da extrema-direita do partido republicano. Com a chegada de Reagan ao poder, os seguidores de Strauss foram-se impondo, ficando conhecidos, entre outras coisas, por fabricar relatórios que atribuíam à União Soviética um poder militar que esta na realidade não possuía. Não é difícil perceber quem são estes homens, hoje denominados por neo-conservadores: Wolfowitz (um dos alunos de Strauss), Rumsfeld, Cheney, entre outros menos conhecidos. O documentário mostra imagens de discursos de Wolfowitz e Rumsfelf realizados nos anos setenta. Se colocarmos Al-Qaeda, ou Saddam, no lugar de União Soviética reconhecemos facilmente que os discursos são muito similares: a mesma forma simplista de falar no bem e no mal, a mesma concepção justiceira da América. A única diferença, significativa, é que a União Soviética era uma realidade mais palpável do que o terrorismo difuso, sem cara e sem Estado, que hoje se tornou no grande inimigo do ocidente. Serão estes homens que, ainda nos anos oitenta, vão levar os EUA a unir-se aos mais primários movimentos islâmicos, para lutar contra o domínio soviético no Afeganistão. Na outra história vemos como o fundamentalismo islâmico se alimentou do ódio aos regimes que dominavam os novos estados independentes no Médio Oriente governados por marionetes do ocidente. Dois casos emblemáticos. O Xá do Irão, que caiu em 1979 às mãos da revolução islâmica de Khomeni, e o caso de Sadat, no Egipto. O fundamentalismo islâmico transformou-se, aos poucos, numa força de defesa dos oprimidos pelas injustiças das novas economias liberais. A sua solução: voltar às interpretações mais rígidas e literais do islão e esmagar o individualismo. Também eles criaram um grande fantasma: o ocidente egoísta que desvia os homens da religião, que transforma as mulheres, que cria mil encantos que destróem a herança islâmica. As histórias são demasiado centradas numa concepção idealista do mundo e da acção humana, pouco articuladas com o processo económico e o saque aos recursos energéticos. Porém, estas genealogias ideológicas do presente geo-político não deixam de ser importantes para acrescentar mais algumas peças ao puzzle.
quinta-feira, outubro 21, 2004
O sistema
Alguns sócios do Benfica tiveram a ideia peregrina de processar o árbitro do último jogo contra o Porto. O próximo passo será processar os jogadores, os treinadores, os médicos. Tanta fúria mal direccionada. O nível do debate futebolístico em Portugal voltou a descer a níveis impensáveis. A escola, reconheça-se, é a do Porto, mas os dirigentes do Benfica seguem fielmente a cartilha, conseguindo, por vezes, bater recordes na arte da sarjeta. É lamentável que ninguém conseguisse tirar ilações do sucedido neste último jogo. É evidente que o Benfica foi prejudicado. O golo não assinalado é um erro objectivo, diferente das intermináveis e subjectivas discussões sobre a intensidade das faltas. Um clube foi prejudicado, o público foi enganado, a questão tem consequências económicas. O que fazer? A resposta está na criação de um novo sistema. Dois, ou três técnicos conhecedores das regras do futebol em comunicação com o árbitro, umas quantas televisões e um ou outro programa informático. Decisão em breves segundos: não quebra o ritmo de jogo. Estou plenamente convencido que, embora o sistema seja ineficaz para medir a existência de algumas faltas, podia ser decisivo para avaliar se a falta foi realmente cometida dentro da área e, mais importante, se o jogador se encontra, ou não, em situação de fora de jogo. Para além, obviamente, de situações idênticas à que se passou neste último domingo na Luz. Se fossemos mais longe, seria ainda útil para avaliar questões disciplinares: se houve, ou não, uma agressão, se o jogador simulou, ou não, uma falta.
quarta-feira, outubro 20, 2004
Académico de Viseu - Fim à Vista?
Só o facto de a assembleia geral do próximo dia 24 contemplar na ordem de trabalhos a possibilidade concreta de acabar com o Clube Académico de Futebol e fazer renascer o clube com outro nome, em consequência da falta de uma direcção e de 300.000 euros para resolver os problemas de tesouraria do clube, é preocupante para aqueles que simpatizam com este clube quase centenário, e que detém a competir pelo seu emblema mais de 500 jovens em diversas modalidades (futebol, atletismo, natação e andebol, principalmente).
Mesmo que a ventilação da possibilidade de extinção tenha como móbil latente o apelo aos associados e simpatizantes no sentido da pronta concertação para se debelar rapidamente os entraves actuais à governação sadia do clube, nunca tal eventualidade deveria sequer constar assumidamente num processo de intenção.
O Clube Académico de Futebol é mais do que um clube descartável devido à dívida de 242000 euros a um antigo jogador ou por alguns dirigentes considerarem que tem uma estrutura pesada, e da qual são parte integrante.
O Clube Académico de Futebol é há muitas décadas a referência máxima de afectos desportivos de uma cidade e de toda uma região e um factor crucial de auto-definição em termos de pertença clubística, ou seja, constitui-se como uma referência identitária indiscutível ao nível do desporto local que nenhum outro clube que agora porventura viesse a ser criado em sua substituição conseguiria alguma vez fazer esquecer, mesmo que esse clube surgisse sem passivo financeiro como o actual...
Tem um passado e um historial de feitos e atletas desportivos que engrandeceram a cidade e é também essa cidade que tem a obrigação de encontrar as soluções para inverter o panorama actual e não deixar cair levianamente um século de história da entidade que dá significado maior à prática desportiva em Viseu.
Mesmo que a ventilação da possibilidade de extinção tenha como móbil latente o apelo aos associados e simpatizantes no sentido da pronta concertação para se debelar rapidamente os entraves actuais à governação sadia do clube, nunca tal eventualidade deveria sequer constar assumidamente num processo de intenção.
O Clube Académico de Futebol é mais do que um clube descartável devido à dívida de 242000 euros a um antigo jogador ou por alguns dirigentes considerarem que tem uma estrutura pesada, e da qual são parte integrante.
O Clube Académico de Futebol é há muitas décadas a referência máxima de afectos desportivos de uma cidade e de toda uma região e um factor crucial de auto-definição em termos de pertença clubística, ou seja, constitui-se como uma referência identitária indiscutível ao nível do desporto local que nenhum outro clube que agora porventura viesse a ser criado em sua substituição conseguiria alguma vez fazer esquecer, mesmo que esse clube surgisse sem passivo financeiro como o actual...
Tem um passado e um historial de feitos e atletas desportivos que engrandeceram a cidade e é também essa cidade que tem a obrigação de encontrar as soluções para inverter o panorama actual e não deixar cair levianamente um século de história da entidade que dá significado maior à prática desportiva em Viseu.
terça-feira, outubro 19, 2004
Os Diários de Che Guevara
Retrato fílmico da incursão de Ernesto Guevara e do seu amigo Alberto Granado pelos confins da América Latina, ao comandos de uma “Poderosa” Hudson 500, em 1952, é também o espelho que reflecte o germinar de uma consciência crítica em Ernesto perante a miséria humana e as flagrantes injustiças presenciadas durante a aventura, fossem elas a expulsão dos camponeses das terras de onde retiravam o seu sustento, a repressão exercida sobre os mineiros ou o apartheid imposto aos doentes leprosos.
Frequentemente envoltos em episódios bastante caricatos, os dois inseparáveis amigos vão descobrindo empiricamente ao longo viagem a realidade social, económica e política do seu continente, até então desconhecida da maioria das pessoas que partilhavam a sua (favorável) condição social.
Esta descoberta provoca em Ernesto uma nostalgia de um mundo que nunca conheceu, aferrando-lhe galhardamente até ao final da viagem um conjunto de ideais outrora adormecidos e que o irão impelir na tentativa de mudar o status quo, porque doravante também o seu Eu passaria a ser um outro Eu, aquele que o iria transformar em ícone e deixar para a posteridade.
Frequentemente envoltos em episódios bastante caricatos, os dois inseparáveis amigos vão descobrindo empiricamente ao longo viagem a realidade social, económica e política do seu continente, até então desconhecida da maioria das pessoas que partilhavam a sua (favorável) condição social.
Esta descoberta provoca em Ernesto uma nostalgia de um mundo que nunca conheceu, aferrando-lhe galhardamente até ao final da viagem um conjunto de ideais outrora adormecidos e que o irão impelir na tentativa de mudar o status quo, porque doravante também o seu Eu passaria a ser um outro Eu, aquele que o iria transformar em ícone e deixar para a posteridade.
domingo, outubro 17, 2004
sábado, outubro 16, 2004
Poesia Brasileira
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai pela frente do corpo.
A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda –
esses garotos ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas em rotundo meneio.
Anda por si na cadência mimosa, no milagre de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte por conta própria.
E ama.
Na cama agita-se.
Montanhas avolumam-se, descem.
Ondas batendo numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda.
Vai feliz na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda, rebunda.
Carlos Drummond de Andrade
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai pela frente do corpo.
A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda –
esses garotos ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas em rotundo meneio.
Anda por si na cadência mimosa, no milagre de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte por conta própria.
E ama.
Na cama agita-se.
Montanhas avolumam-se, descem.
Ondas batendo numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda.
Vai feliz na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda, rebunda.
Carlos Drummond de Andrade
quinta-feira, outubro 14, 2004
Bailado em Alvalade
Um dos problemas do futebol como espectáculo é a sua indeterminação. Neste aspecto é muito diferente de outros géneros artísticos. Antes de ver um filme ou uma peça de teatro podemos ler as críticas, inteirarmo-nos sobre o seu conteúdo e sobre a forma como este é apresentado. No futebol, como no cinema ou no teatro, conhecemos o elenco mas não podemos prever como será o espectáculo. Temos que ir esperando que algo de especial aconteça. Ontem houve bailado em Alvalade. O elenco português esteva bem montado. Não é difícil perceber quais as opções do encenador, são claras e fazem sentido. Mas depois tudo depende das circunstâncias e dos intérpretes de ambos os lados. Ontem a equipa de Portugal, recorrendo à gíria futebolística, “abriu o livro”, contra uma selecção russa bem acima da média. É certo que as bolas pareciam telecomandadas e que tanta exactidão é quase impensável. Não é menos verdade, porém, que a equipa foi muito para além dos golos marcados. O realizador da RTP foi feliz, no final do jogo, ao revelar os bailados executados pelos principais artistas – movimentos que podem, ou não, estar relacionados com os golos. Acima de todos Deco. É lindíssimo vê-lo jogar assim. O controlo que tem sobre o corpo, a sua noção de espaço, de passe, tornam-no quase perfeito. A seguir Ronaldo. O modo como avança para a defesa é sublime, como que dizendo ao adversário que nada pode fazer contra a sua arte. Deve meter muito medo defender alguém como Ronaldo. Tenho assistido a alguns jogos dos seus jogos no Manchester e é sempre assim. Os ingleses preferem falar de Rooney. Por último Carvalho: de uma elegância única, demonstrando toda a beleza inerente ao ofício de defender. Haverá poucos defesas no mundo como ele. Os actores principais foram bem coadjuvados pelos restantes intérpretes e é bom saber que há outras opções para os diferentes lugares. O mais importante deste jogo foi que, por breves momentos, as pessoas esqueceram-se que assistíamos a uma competição entre nações, deixando-se levar pelo espectáculo. No Café Estrela estavam cinco russos. Depois do intervalo aplaudiram de pé todos os golos portugueses. Para quem gosta de futebol era a única coisa a fazer. Ontem houve bailado em Alvalade.
Selecção
Como ontem à noite considerava o Gil, e com inteira razão, é inadmissível como é que a Selecção Nacional permitiu que a Rússia marcasse um golo!
terça-feira, outubro 12, 2004
Alberto João é um Milagre
Depois de ainda ontem ter comentado, no final da visualização do mais recente filme de Emir Kusturica, “A Vida é Um Milagre”, que a capacidade inventiva do realizador jugoslavo continua a dar cartas no seu cinema étnico, eis quando hoje de manhã me vejo confrontado com a óbvia necessidade de relativizar o talento criador do jugoslavo, ao deparar com as frases proferidas pelo líder do Governo Regional da Madeira a propósito da detenção do Presidente da CM de Ponta do Sol por alegada corrupção.
Num dos comício pré-eleitorais, insinuou Alberto João que o PCP «está infiltrado» na Polícia Judiciária da Madeira e teve influência para o desfecho agora obtido (nem se deve ter apercebido de que estava a fazer um grande elogio à competência e ao profissionalismo dos tais elementos policiais comunas infiltrados...).
Realmente, perante isto, Kusturica ao lado de AJJ é apenas um mero principiante na arte de fantasiar ficções surreais e delirantes. Tão fértil é a imaginação do líder madeirense que consegue até inverter as sequências reais com uma naturalidade estonteante. Só assim se consegue compreender como é que a mesma pessoa que envia uma missiva ao Ministro da Justiça, antes das detenções preventivas de quadros da Câmara Municipal da Ponta do Sol, a queixar-se da actuação da Inspecção da Polícia Judiciária (PJ), no período pré-eleitoral, nomeadamente a notificação de um destacado quadro da administração regional para depor, como arguido, num processo judicial em curso, consegue vir depois a terreiro apregoar que mesmo em época de eleições pediu à polícia que actuasse sem medo!
Definitivamente, está visto que AJJ não pede meças aos grandes mestres da sétima arte na elaboração de enredos criativos, plenos de farta imaginação e pródigos em humor.
Num dos comício pré-eleitorais, insinuou Alberto João que o PCP «está infiltrado» na Polícia Judiciária da Madeira e teve influência para o desfecho agora obtido (nem se deve ter apercebido de que estava a fazer um grande elogio à competência e ao profissionalismo dos tais elementos policiais comunas infiltrados...).
Realmente, perante isto, Kusturica ao lado de AJJ é apenas um mero principiante na arte de fantasiar ficções surreais e delirantes. Tão fértil é a imaginação do líder madeirense que consegue até inverter as sequências reais com uma naturalidade estonteante. Só assim se consegue compreender como é que a mesma pessoa que envia uma missiva ao Ministro da Justiça, antes das detenções preventivas de quadros da Câmara Municipal da Ponta do Sol, a queixar-se da actuação da Inspecção da Polícia Judiciária (PJ), no período pré-eleitoral, nomeadamente a notificação de um destacado quadro da administração regional para depor, como arguido, num processo judicial em curso, consegue vir depois a terreiro apregoar que mesmo em época de eleições pediu à polícia que actuasse sem medo!
Definitivamente, está visto que AJJ não pede meças aos grandes mestres da sétima arte na elaboração de enredos criativos, plenos de farta imaginação e pródigos em humor.
sábado, outubro 09, 2004
O Tal Canal
Acerca das censuras que se exercem sobre a televisão, por parte dos detentores dos media:
"São factos tão grandes e grosseiros que a crítica mais elementar se apercebe, mas que escondem os mecanismos anónimos, invisíveis, por meio dos quais se exercem todas as censuras de todas as ordens que fazem da televisão um formidável instrumento de conservação da ordem simbólica."
Pierre Bourdieu, "Sobre a Televisão".
"São factos tão grandes e grosseiros que a crítica mais elementar se apercebe, mas que escondem os mecanismos anónimos, invisíveis, por meio dos quais se exercem todas as censuras de todas as ordens que fazem da televisão um formidável instrumento de conservação da ordem simbólica."
Pierre Bourdieu, "Sobre a Televisão".
sexta-feira, outubro 08, 2004
Marcelo
O universo político tem uma autonomia própria que não permite análises simplistas. Longe de ser um mero reflexo de uma infra-estrutura material, o mundo político é ele próprio produtor do real. A questão “Marcelo” é uma machadada poderosa desferida neste governo. Figura mediática, quase com dois milhões de espectadores por domingo, Marcelo faz parte da nossa cultura popular e conseguiu, com distinção, ganhar o respeito de um imaginado português médio. O professor anda há muito cometido numa luta, disputada em jornadas semanais, contra o primeiro-ministro e os seus acólitos. A sua auto-exclusão dos noticiários da TVI, depois de ter sido amavelmente convidado a calar-se, foi o seu último ataque, o mais contundente. A sombra da censura não vai largar o governo. Foi bom, também, termos um exemplo visível do modo como os media vão funcionando e das suas relações com o mundo político. Mas a questão mais interessante é perceber se Marcelo tem lugar noutra televisão portuguesa. A SIC é propriedade do fundador do PSD. A RTP, já se sabe, é de quem está no poleiro. Nos media da PT, com o exemplo de jornalismo independente que se tornou o Diário de Notícias de Luís Delgado, o senhor, recorde-se, que está à frente da Lusa, também não deve caber. Onde colocamos Marcelo?
Apesar de as pessoas relativamente educadas já terem percebido o que significa este governo, resta ainda o perigo real do populismo, especialidade absoluta de Santana e Portas. E como é preciso levantar poeira para esconder a destruição sistemática de tudo o que é público neste país (isto é, de todos, mas que quase sempre é apropriado pelos senhores feudais que governam o rectângulo) preparem-se para o regresso das promessas aos velhinhos, das inaugurações em catadupa, da defesa da lavoura, e, quem sabe, do reaparecimento em força do discurso contra os emigrantes, empossados da responsabilidade do desemprego e dos baixos salários.
Apesar de as pessoas relativamente educadas já terem percebido o que significa este governo, resta ainda o perigo real do populismo, especialidade absoluta de Santana e Portas. E como é preciso levantar poeira para esconder a destruição sistemática de tudo o que é público neste país (isto é, de todos, mas que quase sempre é apropriado pelos senhores feudais que governam o rectângulo) preparem-se para o regresso das promessas aos velhinhos, das inaugurações em catadupa, da defesa da lavoura, e, quem sabe, do reaparecimento em força do discurso contra os emigrantes, empossados da responsabilidade do desemprego e dos baixos salários.
quarta-feira, outubro 06, 2004
Espectro
"O ex-presidente do PSD Marcelo Rebelo de Sousa anunciou hoje que vai deixar de fazer comentários na TVI, na sequência de uma reunião a pedido de Miguel Paes do Amaral, presidente da Media Capital."
Até apetece plagiar, com algumas novas nuances, um filósofo alemão:
"Um espectro ronda Portugal - o espectro do censura."
Até apetece plagiar, com algumas novas nuances, um filósofo alemão:
"Um espectro ronda Portugal - o espectro do censura."
segunda-feira, outubro 04, 2004
Baldrick e a arqueologia do trabalho
Alguém se lembra de Baldrick? Baldrick era aquela figura pequena, normalmente suja e não muito inteligente, que acompanhava as aventuras de Black Adder, personagem televisiva imortalizada pelo conhecido cómico inglês Rowan Atkinson. Pois bem, Baldrick, ou melhor o actor Tony Robinson, está de volta, apresentando uma série de documentários sobre os piores trabalhos existentes na Inglaterra oitocentista da rainha Vitória. O título é algo guloso, mas a intenção comercial proporciona uma curiosa e interessante, se bem que ligeira, arqueologia do trabalho no período de intensificação da revolução industrial. Robinson viaja por diversos espaços laborais, demonstra como se edificaram as grandes obras, quem construía os túneis e as valas, por onde passaram os comboios, revela as condições nas fábricas, a exploração da mão-de-obra nos campos, os trabalhos forçados, o trabalho infantil. A presença nos ambientes de trabalho e a exemplificação de “como se fazia” possibilitam a compreensão da violência inerente a muitas ocupações (Violência que sobreviveu, em larga medida, à Inglaterra industrial vitoriana. As fotografias de Sebastião Salgado sobre o “trabalho” são um bom exemplo do tratamento do tema na actualidade). Os documentários apresentados por Robinson permitem, ainda, de uma forma geral, mergulhar na vida quotidiana dos grupos sociais mais baixos, traçando a sua genealogia. Este programa passa em horário nobre, ao Sábado, num dos principais canais ingleses. Diga-se que a televisão inglesa está muito longe de ser um exemplo de qualidade. No entanto, é considerável a atenção conferida ao documentário. A utilização de actores como Tony Robinson, ou como os ex-Monty Phyton Terry Jones e Michael Palin, na apresentação de documentários históricos ou de viagens, é uma forma encontrada de transmitir de forma simples e didáctica, não descurando a qualidade, conteúdos históricos e sociais. Um facilitismo, dirão alguns. Ao conseguir unir a distracção ao conhecimento estes documentários cumprem, porém, uma função importante que não belisca o seu valor. Isto faz-me lembrar quanto seria necessário encontrar em Portugal alternativas ao José Hermano Saraiva, que, pese embora a sua historiografia, povoada em demasia por reis, rainhas, príncipes e princesas, lá vai fazendo o seu trabalho de divulgação.
sábado, outubro 02, 2004
A Igreja do carmo
É a terceira igreja mais representativa da cidade de Viseu. Herdeira da tradição secular das igrejas aldeãs, também ela é branca, está orientada na direcção leste-oeste de forma a permitir aos fiéis ficarem voltados para o sol-nascente, e o seu acesso faz-se por intermédio de alguns degraus de pedra, os quais separam o templo do solo profano.
Se, como as igrejas dos camponeses, a Igreja do Carmo partilha com estas, pela sua imponência e grandiosidade, a função simbólica de domínio sobre o espaço envolvente, no entanto, actualmente distingue-se da simbologia tradicional das igrejas aldeãs por um infeliz e notório aspecto: o seu estado de conservação, ou melhor a absoluta ausência dele.
Sempre foi regra nas igrejas aldeãs que a sua conservação e reparação fossem um dever de todos os habitantes da aldeia. Para isso a norma era criarem-se comissões que arrecadavam de forma autorizada fundos monetários visando a manutenção da integridade das igrejas.
No caso específico da Igreja do Carmo, desconheço a quem compete zelar por esta obrigação, se à igreja católica, aos fiéis da freguesia, ou ambos.
O que salta à vista desde há bastante tempo é o ostracismo a que esta Igreja tem sido votada. Tinta a desprender-se em massa das paredes, deixando clareiras enorme de cimento e pedra à vista, vidros partidos, madeira carcomida, um sino completamente enferrujado, arcadas de pedra asfixiadas pelo negrume da poluição e inundadas de fungos, enfim, uma desgraça total!
Perante isto, a Igreja Católica não tem vergonha em deixar um tão nobre edifício naquele paupérrimo estado de conservação? E os fiéis da freguesia e da cidade não se inquietam pela desagregação evidente da sua Igreja e do seu património?
Eu, que não sou católico nem professo qualquer fé religiosa, dei-me conta por mais de uma vez nos últimos dias a cirandar perto do templo nos últimos para ver para crer como é possível deixar chegar aquele edifício a tão deplorável aspecto, tal o espanto...
Se, como as igrejas dos camponeses, a Igreja do Carmo partilha com estas, pela sua imponência e grandiosidade, a função simbólica de domínio sobre o espaço envolvente, no entanto, actualmente distingue-se da simbologia tradicional das igrejas aldeãs por um infeliz e notório aspecto: o seu estado de conservação, ou melhor a absoluta ausência dele.
Sempre foi regra nas igrejas aldeãs que a sua conservação e reparação fossem um dever de todos os habitantes da aldeia. Para isso a norma era criarem-se comissões que arrecadavam de forma autorizada fundos monetários visando a manutenção da integridade das igrejas.
No caso específico da Igreja do Carmo, desconheço a quem compete zelar por esta obrigação, se à igreja católica, aos fiéis da freguesia, ou ambos.
O que salta à vista desde há bastante tempo é o ostracismo a que esta Igreja tem sido votada. Tinta a desprender-se em massa das paredes, deixando clareiras enorme de cimento e pedra à vista, vidros partidos, madeira carcomida, um sino completamente enferrujado, arcadas de pedra asfixiadas pelo negrume da poluição e inundadas de fungos, enfim, uma desgraça total!
Perante isto, a Igreja Católica não tem vergonha em deixar um tão nobre edifício naquele paupérrimo estado de conservação? E os fiéis da freguesia e da cidade não se inquietam pela desagregação evidente da sua Igreja e do seu património?
Eu, que não sou católico nem professo qualquer fé religiosa, dei-me conta por mais de uma vez nos últimos dias a cirandar perto do templo nos últimos para ver para crer como é possível deixar chegar aquele edifício a tão deplorável aspecto, tal o espanto...
sexta-feira, outubro 01, 2004
O Gado
A BBC tem um programa semanal em que um painel de convidados, das mais diversas especialidades mas com forte representação política, responde a perguntas de uma audiência seleccionada. As perguntas debruçam-se sobre temas da actualidade. Um dos assuntos tratados num dos últimos programas foi a emigração. O líder do partido conservador, Michael Howard, propôs um regime restrito de quotas para estancar o número de emigrantes que entra todos os anos no país. O partido conservador, que perdeu o centro político para os trabalhistas e se vê ameaçado pelo liberais democratas, guindou a sua política para a direita tentando pescar votos a partidos extremistas e xenófobos, renovados pela onda anti-europeísta. As opiniões dos convidados perante o problema foram quase consensuais. Os representantes conservador, trabalhista e liberal democrata concordaram, com diferentes graus de rigor e linguajar, com as quotas. Entre os convidados encontrava-se uma jornalista do Daily Mail, tablóide conhecido pela sua política editorial anti-emigrante. Começando por afirmar que não era racista, porque tinha sido bem educada, a senhora defendeu as quotas afirmando, no entanto, que a Inglaterra precisava de emigrantes. E que tipo de emigrantes? Emigrantes seleccionados por uma espécie de renovação da prática da eugenia, isto é, tem que ser jovens, sãos e fortes, qualificados, obedientes, que não ponham em causa as instituições, que conheçam e se adaptem obrigatoriamente à cultural britânica, que sejam trabalhadores obedientes. Perante a afirmação, não contrariada pelos outros convidados, um jovem da plateia, filho de emigrantes, acusou a jornalista de tratar as pessoas como gado. Podia ter-lhe chamado nazi. Adiantou ainda que, como ela bem sabia, a Inglaterra precisa da mão-de-obra emigrante e se existem clandestinos é porque há interesses económicos que beneficiam com a sua entrada, especialmente porque não lhes oferecem direitos sociais, lhes pagam salários baixos e não cumprem as leis laborais. A resposta foi a habitual: mas acha que o país pode abrir as portas a toda a gente?
Claro que os países não podem abrir as portas a toda a gente. Mas o debate tem que se descentrado da política interna dos países que acolhem emigrantes para ser focado na sua política externa. É precisamente pelo facto de os países desenvolvidos estrangularem as economias do terceiro mundo, exploradas primeiro pelo colonialismo e agora pelo neo-colonialismo económico, que os seus habitantes são obrigados a moverem-se. E vão, naturalmente, continuar a fazê-lo. O modo como os ingleses colocam publicamente a questão da emigração, mesmo os representantes do partido trabalhista, vai muito para além do que ouvimos à direita portuguesa. Não digo que os métodos não sejam os mesmos, mas o despudor das afirmações públicas, de políticos e de jornalistas, são preocupantes, porque tornam o racismo – sem lhe chamar racismo claro -, na coisa mais banal do mundo. Pelo rectângulo, apesar de tudo, ainda há alguma vergonha. Até quando?
Claro que os países não podem abrir as portas a toda a gente. Mas o debate tem que se descentrado da política interna dos países que acolhem emigrantes para ser focado na sua política externa. É precisamente pelo facto de os países desenvolvidos estrangularem as economias do terceiro mundo, exploradas primeiro pelo colonialismo e agora pelo neo-colonialismo económico, que os seus habitantes são obrigados a moverem-se. E vão, naturalmente, continuar a fazê-lo. O modo como os ingleses colocam publicamente a questão da emigração, mesmo os representantes do partido trabalhista, vai muito para além do que ouvimos à direita portuguesa. Não digo que os métodos não sejam os mesmos, mas o despudor das afirmações públicas, de políticos e de jornalistas, são preocupantes, porque tornam o racismo – sem lhe chamar racismo claro -, na coisa mais banal do mundo. Pelo rectângulo, apesar de tudo, ainda há alguma vergonha. Até quando?
sexta-feira, setembro 24, 2004
A Antiguidade dos Administradores da Galp
A informação esta noite veiculada num canal televisivo de que dois administradores da Galp Energia, nomeados para os respectivos postos há 2 anos, possuem contratos de trabalho onde consta a informação de que têm um vínculo contratual com a citada empresa há 15 anos (!!!), isto é, ainda a Galp Energia não existia e estes dois excelsos administradores já deixavam sangue, suor e lágrimas em prol da mesma, configura, para ser comedido, uma autêntica canalhice, própria de indivíduos sem quaisquer escrúpulos e vergonha.
Ainda segundo a notícia, a administração da empresa admitiu a veracidade da informação, mas escusou-se a comentá-la, uma vez que, na sua opinião, não tinha a obrigação de o fazer.
Dito isto, realmente parece que o descaramento não tem limites para a administração da Galp Energia. Não lhe bastou ter sido recentemente adjectivada de pouco zelosa e desleixada no estabelecimento de directrizes atinentes ao cumprimento da normas de segurança no seu exercício de actividade, na sequência do gravoso acidente da refinaria de Leça. Pois bem, agora arroga-se no direito de não justificar o favorecimento ilícito e infame destes seus dois administradores, tendo em vista precavê-los aquando das suas saídas com faustosas indemnizações por tempo de serviço e no encurtamento do seu tempo de descontos para efeitos de reforma.
Vai por caminhos muito lúgubres e pantanosos a ética de quem está à frente desta empresa maioritariamente financiada pelo erário público. É mais uma entidade onde a desfaçatez e a impunidade correm, pelos vistos, lado a lado com a incompetência e a incúria. Até quando, gostava eu de saber...
Ainda segundo a notícia, a administração da empresa admitiu a veracidade da informação, mas escusou-se a comentá-la, uma vez que, na sua opinião, não tinha a obrigação de o fazer.
Dito isto, realmente parece que o descaramento não tem limites para a administração da Galp Energia. Não lhe bastou ter sido recentemente adjectivada de pouco zelosa e desleixada no estabelecimento de directrizes atinentes ao cumprimento da normas de segurança no seu exercício de actividade, na sequência do gravoso acidente da refinaria de Leça. Pois bem, agora arroga-se no direito de não justificar o favorecimento ilícito e infame destes seus dois administradores, tendo em vista precavê-los aquando das suas saídas com faustosas indemnizações por tempo de serviço e no encurtamento do seu tempo de descontos para efeitos de reforma.
Vai por caminhos muito lúgubres e pantanosos a ética de quem está à frente desta empresa maioritariamente financiada pelo erário público. É mais uma entidade onde a desfaçatez e a impunidade correm, pelos vistos, lado a lado com a incompetência e a incúria. Até quando, gostava eu de saber...
quarta-feira, setembro 22, 2004
O maravilhoso mundo do golfe
Realizou-se neste último fim-de-semana uma competição de golfe chamada Ryder Cup. Para quem não saiba bem que desporto é este avanço com duas ilustrações. O golfe é aquela modalidade que está a transformar a nossa paisagem rural num conjunto de terrenos arrelvados com 18 buracos assinalados por um bandeira, povoados por uma catrefada de ingleses e alemães gordos, de meias brancas e uns tacos na mão. O golfe também é, ao mesmo tempo, o desporto das novas elites endinheiradas portuguesas, especialmente daqueles novos ricos que resolvem começar a praticar a coisa aos sessenta anos, com os sapatinhos do golfe, os bonezinhos como aparecem nas revistas, as camisolinhas da Lacoste, e uma falta de jeito olímpica, habituados que estão à sueca e ao bilhar às três tabelas. Mas adiante.
A Ryder Cup realiza-se de dois em dois anos e opõe uma equipa de golfistas norte-americanos a uma equipa de golfistas europeus. Este ano os europeus, entre os quais se encontravam uns quantos britânicos, deram uma cabazada aos americanos. Em face disto, a BBC resolveu questionar os seus espectadores com a seguinte pergunta: depois da vitória europeia na Ryder Cup ficou com orgulho em ser europeu? A pergunta, relativamente pateta, dá azo a inúmeras leituras extra-desportivas. 39% daqueles que responderam afirmaram que sim, que sentem orgulho em ser europeus, mas 61% afirmou que não. As análises adiantam que, de um ponto de vista progressista, os números nem são maus. O nacionalismo em Inglaterra tem-se tornado uma realidade mais visível desde que o momento em que a União Europeia começou a ganhar uma forma definitiva. A libra, a rainha, as recordações do império, etc., são símbolos da singularidade britânica que influenciam as atitudes dos ingleses perante a Europa: o outro mais próximo. A Europa só parece atraente no contexto político internacional, isto é, a maior parte dos ingleses revê-se mais na opinião política dos governos da «velha Europa» no que na posição de Blair. Mas a decisão sobre o futuro da Inglaterra, especialmente ao que respeita a economia e o futuro da libra, deve estar dependente de outros processos: resistirá o nacionalismo à pressão económica, resistirá a libra ao enorme mercado da zona euro? A ver.
A Ryder Cup realiza-se de dois em dois anos e opõe uma equipa de golfistas norte-americanos a uma equipa de golfistas europeus. Este ano os europeus, entre os quais se encontravam uns quantos britânicos, deram uma cabazada aos americanos. Em face disto, a BBC resolveu questionar os seus espectadores com a seguinte pergunta: depois da vitória europeia na Ryder Cup ficou com orgulho em ser europeu? A pergunta, relativamente pateta, dá azo a inúmeras leituras extra-desportivas. 39% daqueles que responderam afirmaram que sim, que sentem orgulho em ser europeus, mas 61% afirmou que não. As análises adiantam que, de um ponto de vista progressista, os números nem são maus. O nacionalismo em Inglaterra tem-se tornado uma realidade mais visível desde que o momento em que a União Europeia começou a ganhar uma forma definitiva. A libra, a rainha, as recordações do império, etc., são símbolos da singularidade britânica que influenciam as atitudes dos ingleses perante a Europa: o outro mais próximo. A Europa só parece atraente no contexto político internacional, isto é, a maior parte dos ingleses revê-se mais na opinião política dos governos da «velha Europa» no que na posição de Blair. Mas a decisão sobre o futuro da Inglaterra, especialmente ao que respeita a economia e o futuro da libra, deve estar dependente de outros processos: resistirá o nacionalismo à pressão económica, resistirá a libra ao enorme mercado da zona euro? A ver.
O erro da raça
Os jornais britânicos andam muito preocupados com o facto dos estudantes ingleses de origem africana continuarem a apresentar piores resultados escolares que os alunos dos outros grupos étnicos. Incapazes de afirmar que se trata de uma qualquer tendência natural ou genética, seria politicamente incorrecto, tentam encontrar uma causa que explique o fenómeno. Com base em alguns relatórios elaborados por especialistas chegaram à conclusão que o problema são os professores brancos. O ensino é dominado por professores brancos descrentes das capacidades dos alunos de origem africana. Para estes últimos, tratados diferenciadamente, a vida torna-se um inferno. Vamos admitir que, em certa medida, a discriminação efectuada pelos professores brancos é responsável pelo insucesso dos alunos negros. Mas vamos imaginar que, por artes mágicas, eliminávamos o factor discriminatório, e que, mesmo assim, os alunos de origem africana continuavam a ser os piores. Perante tal cenário, como é que os políticos e os jornais iriam explicar o fenómeno?
A insistência de tratar as perfomances escolares com base na questão da raça é algo bastante perigoso. Bem sei que a palavra classe está fora de moda mas não vejo outra forma de lidar com o assunto. As teorias da sociologia da educação sobre a função de reprodução social inerente ao sistema educativo já há muito saíram do gueto académico. Sabemos, numa apreciação muito genérica, que a linguagem da escola favorece as classes médias. O que se passa, pelo mesmo na área de Londres, é que as classes baixas estão fortemente etnicizadas. Para os indivíduos de origem africana o handicap da origem de classe junta-se a outros problemas relacionados com a etnia, nomeadamente as línguas faladas em casa pelas famílias, quase sempre formas autóctones, jamaicanas, nigerianas, ganesas, etc, do inglês. Noutro sentido, as famílias de origem africana, e os seus filhos, rapidamente percebem que o seu futuro não vai em grande medida depender das qualificações escolares. Eles vão ocupar os lugar mais baixos da estrutura profissional e cada ano perdido na escola é menos dinheiro a entrar em casa.
A insistência de tratar as perfomances escolares com base na questão da raça é algo bastante perigoso. Bem sei que a palavra classe está fora de moda mas não vejo outra forma de lidar com o assunto. As teorias da sociologia da educação sobre a função de reprodução social inerente ao sistema educativo já há muito saíram do gueto académico. Sabemos, numa apreciação muito genérica, que a linguagem da escola favorece as classes médias. O que se passa, pelo mesmo na área de Londres, é que as classes baixas estão fortemente etnicizadas. Para os indivíduos de origem africana o handicap da origem de classe junta-se a outros problemas relacionados com a etnia, nomeadamente as línguas faladas em casa pelas famílias, quase sempre formas autóctones, jamaicanas, nigerianas, ganesas, etc, do inglês. Noutro sentido, as famílias de origem africana, e os seus filhos, rapidamente percebem que o seu futuro não vai em grande medida depender das qualificações escolares. Eles vão ocupar os lugar mais baixos da estrutura profissional e cada ano perdido na escola é menos dinheiro a entrar em casa.
A sensibilidade burguesa
Várias televisões do mundo transmitiram há poucos dias imagens dos protestos dos caçadores ingleses em frente ao Parlamento britânico. O órgão legislativo deliberou proibir a caça à raposa, tradição centenária por terras de sua majestade. Milhares de indivíduos rumaram a Londres demonstrando a sua ira em relação à decisão governamental. Alguns dos argumentos adiantados para justificar o protesto sugeriam que se tratava de mais uma luta entre o campo e a cidade. As classes médias urbanas e os seus representantes políticos não percebem os modos de vida do campo obrigando todo o país a sujeitar-se à sua sensibilidade particular. Para quem não esteja por dentro do contexto da caça em Inglaterra o argumento poderia fazer algum sentido.
A caça foi desde sempre uma forma de sobrevivência. Num contexto de necessidade, falar em direitos dos animais é absurdo. Sabemos, infelizmente, que os defensores dos direitos dos animais tendem muitas vezes a esquecer os direitos das pessoas. Uma inversão lamentável. O que se passa em Inglaterra, porém, nada tem a ver com um contexto de necessidade. A caça à raposa é um dos mais evidentes resquícios de uma mentalidade aristocrata de uma Inglaterra serôdia. O ritual que acompanha a caça à raposa é, sem dúvida, uma demonstração de posição de classe. Homens montados a rigor e dezenas de cães a bater o terreno e a perseguir implacavelmente as raposas. A figura literária do Robin dos Bosques representa, em certa medida, a luta pela democratização da caça num contexto em que os senhores feudais monopolizavam as terras. Os descendentes desses mesmos senhores pretendem, sob a capa da tradição e da cultura, preservar os seus rituais distintivos. O parlamento inglês decidiu acabar com isto.
É simplista, no entanto, afirmar que a questão da caça à raposa é um reflexo da oposição entre o campo e a cidade. Talvez seja mais adequado considerá-la como mais uma etapa da luta da burguesia contra a aristocracia. A sensibilidade das classes médias urbanas, o grande estrato de uma concepção alargada de burguesia, tende a impor a sua lei, seja em relação às tradições aristocráticas, seja em relação às tradições operárias. O processo é evidente num conjunto largo de fenómenos sociais: hábitos de alimentação, de consumo, defesa dos direitos dos animais, consciência ecológica, a importância dada à cultura, a defesa da diversidade das opções sexuais, a defesa dos direitos das crianças, etc. Esta sensibilidade burguesa é, porém, quase sempre muito estreita. É com dificuldade que a encontramos, por exemplo, na luta pelos direitos de saúde, de educação ou do trabalho. A existência de hospitais privados, escolas privadas, empregos assegurados e bem remunerados, afasta estes grupos de preocupações tão comezinhas. Sabemos bem que a maior parte dos nossos políticos representa os interesses desta sensibilidade social.
A caça foi desde sempre uma forma de sobrevivência. Num contexto de necessidade, falar em direitos dos animais é absurdo. Sabemos, infelizmente, que os defensores dos direitos dos animais tendem muitas vezes a esquecer os direitos das pessoas. Uma inversão lamentável. O que se passa em Inglaterra, porém, nada tem a ver com um contexto de necessidade. A caça à raposa é um dos mais evidentes resquícios de uma mentalidade aristocrata de uma Inglaterra serôdia. O ritual que acompanha a caça à raposa é, sem dúvida, uma demonstração de posição de classe. Homens montados a rigor e dezenas de cães a bater o terreno e a perseguir implacavelmente as raposas. A figura literária do Robin dos Bosques representa, em certa medida, a luta pela democratização da caça num contexto em que os senhores feudais monopolizavam as terras. Os descendentes desses mesmos senhores pretendem, sob a capa da tradição e da cultura, preservar os seus rituais distintivos. O parlamento inglês decidiu acabar com isto.
É simplista, no entanto, afirmar que a questão da caça à raposa é um reflexo da oposição entre o campo e a cidade. Talvez seja mais adequado considerá-la como mais uma etapa da luta da burguesia contra a aristocracia. A sensibilidade das classes médias urbanas, o grande estrato de uma concepção alargada de burguesia, tende a impor a sua lei, seja em relação às tradições aristocráticas, seja em relação às tradições operárias. O processo é evidente num conjunto largo de fenómenos sociais: hábitos de alimentação, de consumo, defesa dos direitos dos animais, consciência ecológica, a importância dada à cultura, a defesa da diversidade das opções sexuais, a defesa dos direitos das crianças, etc. Esta sensibilidade burguesa é, porém, quase sempre muito estreita. É com dificuldade que a encontramos, por exemplo, na luta pelos direitos de saúde, de educação ou do trabalho. A existência de hospitais privados, escolas privadas, empregos assegurados e bem remunerados, afasta estes grupos de preocupações tão comezinhas. Sabemos bem que a maior parte dos nossos políticos representa os interesses desta sensibilidade social.
As Grandes Barracas
Após a débacle monumental em que se transformou, este ano, o concurso de colocação dos professores, o Ministério da Educação encontrou finalmente uma solução alternativa à empresa Machete & Couto dos Santos, vulgo Compta, para a resolução do imbróglio, noutra dupla, aquela formada por Dias da Cunha & Peseiro.
Numa solução bem ponderada e reflectida, como é apanágio de Santana Lopes, o Governo chegou à conclusão de que este duo é, à partida, através do primeiro componente, garante da desculpabilização dos erros próprios que surgirem na ordenação das listas, ao invocar o sistema educativo como o responsável pela situação, e uma voz autoritária capaz de ordenar o silêncio de todos os portugueses que acometam de críticas o processo de colocação, e, através do segundo elemento, certeza absoluta de uma ordenação e colocação de professores nas mais originais posições, seja por intermédio da táctica do losango, da táctica W ou da táctica do pirilau.
Deste modo o Governo espera que, através da dupla Dias da Cunha & Peseiro, o impasse da colocação dos professores seja resolutamente ultrapassado e o ano lectivo possa começar rapidamente e em força.
Numa solução bem ponderada e reflectida, como é apanágio de Santana Lopes, o Governo chegou à conclusão de que este duo é, à partida, através do primeiro componente, garante da desculpabilização dos erros próprios que surgirem na ordenação das listas, ao invocar o sistema educativo como o responsável pela situação, e uma voz autoritária capaz de ordenar o silêncio de todos os portugueses que acometam de críticas o processo de colocação, e, através do segundo elemento, certeza absoluta de uma ordenação e colocação de professores nas mais originais posições, seja por intermédio da táctica do losango, da táctica W ou da táctica do pirilau.
Deste modo o Governo espera que, através da dupla Dias da Cunha & Peseiro, o impasse da colocação dos professores seja resolutamente ultrapassado e o ano lectivo possa começar rapidamente e em força.
quinta-feira, setembro 16, 2004
Shôrss Agentess
Dois agentes da PSP de Viseu, um deles graduado, "aconselharam", anteontem, os responsáveis por uma livraria a retirarem da montra um livro com um título eventualmente polémico: "As mulheres não gostam de foder". O ensaio sexual em banda desenhada, da autoria do espanhol Alvarez Rabo, encontrava-se exposto na montra da loja que as Edições Polvo abriram, há cerca de dois meses, no shopping Ícaro, no centro da cidade.
"Estiveram da parte de fora a ler os títulos. Depois entraram e pediram para ver o livro. Vinham fardados. No princípio, julguei que estavam aqui como clientes. Mas não. Fiquei espantado quando o graduado, em jeito de aviso, aconselhou a retirar a obra da montra", explicou ontem, Alexandre de Melo, colaborador da livraria.
Os agentes da autoridade terão justificado o aviso ao livreiro, com "várias" queixas recebidas na PSP. "Com a maior correcção, explicaram-me que Viseu é uma cidade muito especial e que aquele livro não ficava bem na montra", lembra Alexandre Melo, que afirma ter argumentado que a editora e a obra em causa "eram absolutamente legais".
Fonte: Viseu Online
"Estiveram da parte de fora a ler os títulos. Depois entraram e pediram para ver o livro. Vinham fardados. No princípio, julguei que estavam aqui como clientes. Mas não. Fiquei espantado quando o graduado, em jeito de aviso, aconselhou a retirar a obra da montra", explicou ontem, Alexandre de Melo, colaborador da livraria.
Os agentes da autoridade terão justificado o aviso ao livreiro, com "várias" queixas recebidas na PSP. "Com a maior correcção, explicaram-me que Viseu é uma cidade muito especial e que aquele livro não ficava bem na montra", lembra Alexandre Melo, que afirma ter argumentado que a editora e a obra em causa "eram absolutamente legais".
Fonte: Viseu Online
terça-feira, setembro 14, 2004
Condutores de Domingo
Dadas as estatísticas cruéis da sinistralidade rodoviária, a velocidade excessiva, as transgressões grosseiras do código da estrada, o mau estado de conservação das estradas e o sono, têm estado sempre presentes nos discursos do apuramento das funestas causas do negro panorama de acidentes em Portugal, o qual não tem fim à vista.
A todos estes comprovados motivos, eu acrescentaria, por elementar justiça, um outro, que, ou muito me engano eu ou já tem provocado bastantes acidentes pelo desespero que provoca, mesmo nos condutores com um histórico de cadastro sem infracções, levando-os à prática de manobras arriscadas para se apartarem do perigo: os Condutores de Domingo.
Os Condutores de Domingo pegam na sua carripana ao domingo, geralmente bem conservada depois de uma semana de pousio na garagem, com esposa, descendentes e sogros a acompanhar, e lançam-se no alcatrão determinados a nunca exceder os 30 ou 40km/h, no máximo, e com isso conseguirem igualar a média de qualquer cicloturista.
Abnegados e inflexíveis, é vê-los agruparem-se aos magotes depois do almoço para se passearem descontraidamente, frequentemente com os braços de fora dos vidros, apontando incessantemente para todas as direcções “Olhem aquela casa salmão. Bonita, mas acho que as caves são pouco altas”; “Vejam, vejam aqui à direita, aquele relvado com macieiras de bravo de elmolfe!”.
Demitindo-se das filas de quilómetros que a sua vagarosidade assumida acarreta, começam por levar o mais cumpridor das regras de trânsito à apoquentação, depois à ânsia, a seguir à aflição e, por fim, ao desespero total (que está na origem da tentativa enfurecida de ultrapassar colericamente esta sub-espécie das nossas estradas para poder prosseguir na estrada com uma mudança superior à 2).
A solução, e depreendendo que tais condutores são encartados, alguns há 40 ou 50 anos, e por isso têm o direito de conduzir, está em construir um ou dois circuitos, não de velocidade, mas sim de vagarosidade, para poderem livremente dar azo aos seus ímpetos obstrucionistas.
A todos estes comprovados motivos, eu acrescentaria, por elementar justiça, um outro, que, ou muito me engano eu ou já tem provocado bastantes acidentes pelo desespero que provoca, mesmo nos condutores com um histórico de cadastro sem infracções, levando-os à prática de manobras arriscadas para se apartarem do perigo: os Condutores de Domingo.
Os Condutores de Domingo pegam na sua carripana ao domingo, geralmente bem conservada depois de uma semana de pousio na garagem, com esposa, descendentes e sogros a acompanhar, e lançam-se no alcatrão determinados a nunca exceder os 30 ou 40km/h, no máximo, e com isso conseguirem igualar a média de qualquer cicloturista.
Abnegados e inflexíveis, é vê-los agruparem-se aos magotes depois do almoço para se passearem descontraidamente, frequentemente com os braços de fora dos vidros, apontando incessantemente para todas as direcções “Olhem aquela casa salmão. Bonita, mas acho que as caves são pouco altas”; “Vejam, vejam aqui à direita, aquele relvado com macieiras de bravo de elmolfe!”.
Demitindo-se das filas de quilómetros que a sua vagarosidade assumida acarreta, começam por levar o mais cumpridor das regras de trânsito à apoquentação, depois à ânsia, a seguir à aflição e, por fim, ao desespero total (que está na origem da tentativa enfurecida de ultrapassar colericamente esta sub-espécie das nossas estradas para poder prosseguir na estrada com uma mudança superior à 2).
A solução, e depreendendo que tais condutores são encartados, alguns há 40 ou 50 anos, e por isso têm o direito de conduzir, está em construir um ou dois circuitos, não de velocidade, mas sim de vagarosidade, para poderem livremente dar azo aos seus ímpetos obstrucionistas.
segunda-feira, setembro 13, 2004
Evidentemente mediterrânico
Esplanada do café Estrela. Selecção nacional na Letónia. Sagres a quinhentos paus, bifanas e saladas de polvo. Aproxima-se um velho que me pede para se sentar à minha mesa. Sentou-se. Esperou dois minutos até encontrar o meu olhar, até ai perdido nos movimentos televisionados dos pupilos de Scolari, e pergunta-me de onde sou. Respondo e ele diz: eu também sou do mediterrâneo. Era sírio. Faz sentido.
O nosso homem em Londres
Pensaram que o indivíduo se ia calar? Pensaram que ia transformar os seus modos por respeito ao país onde trabalha, que ia deixar de ser malcriado e arrogante, que ia começar a sorrir? Pensaram mal. José Mourinho continua igual, sem tirar nem pôr. Os jornais ingleses adoram-no porque ele é notícia. Divertem-se com as suas baboseiras e esperam gulosos que Mourinho se espalhe para o ridicularizar implacavelmente. Já passaram cinco semanas e continuam à espera. Têm a certeza, no entanto, que o momento virá. Mourinho diz mal dos árbitros, não é polido com os adversários, diz mal dos métodos de treino em Inglaterra e chegou a insinuar, dirigindo-se ao mundo britânico, que só recebia lições de quem ganhava mais trofeus internacionais do que ele. Há alguém por aí que tenha ganho mais do que eu? Depois de afirmar que antes dele só Deus, o treinador de Setúbal afirmou que só o todo poderoso lhe tira o sono, sugerindo que os media ingleses lhe eram perfeitamente indiferentes. O homem já comprou mil guerras, mas é extraordinário o modo como pretende ganhá-las uma a uma.
Mourinho consegue, como todos sabemos, ser bastante irritante. Mas como estas coisas têm sempre que ser avaliadas dentro do seu próprio contexto, o nosso homem em Londres têm alguma graça. Habituados à emigração portuguesa da cabeça vergada, do trabalhador pouco instruído e economicamente debilitado vemos de repente aterrar na sobranceira capital do que foi o maior império do mundo um indivíduo obviamente latino, com um ar chateado, um ordenado milionário e uma confiança do tamanho do universo que o leva, com a maior das irresponsabilidades, a disparar para todo o lado enfrentando qualquer adversário, independendemente da sua origem, história, tradição, fleuma, etc. Continuamos à espera do momento da queda de Mourinho.
Mourinho consegue, como todos sabemos, ser bastante irritante. Mas como estas coisas têm sempre que ser avaliadas dentro do seu próprio contexto, o nosso homem em Londres têm alguma graça. Habituados à emigração portuguesa da cabeça vergada, do trabalhador pouco instruído e economicamente debilitado vemos de repente aterrar na sobranceira capital do que foi o maior império do mundo um indivíduo obviamente latino, com um ar chateado, um ordenado milionário e uma confiança do tamanho do universo que o leva, com a maior das irresponsabilidades, a disparar para todo o lado enfrentando qualquer adversário, independendemente da sua origem, história, tradição, fleuma, etc. Continuamos à espera do momento da queda de Mourinho.
quarta-feira, setembro 08, 2004
O Guerreiro
O Guerreiro é o antigo comandante do exército privado de um senhor feudal, numa Índia remota e cercada pelo deserto. Líder feroz e impiedoso ao serviço da extorsão da vida e das colheitas alimentares das aldeias sob o jugo inclemente do senhor, rebela-se, a certa altura, contra este ao abandonar o seu posto para regressar à aldeia natal. Imediatamente perseguido pelos sequazes do suserano, que se considerava afrontado na sua honra, vê o filho ser degolado às mãos dos anteriores companheiros de guerra, logo no início da sua viagem de retorno primordial.
Por entre paisagens desérticas e montanhas enregeladas, a viagem de retorno torna-se a partir desse momento um ritual da tentativa de expiação de antigos pecados, sempre presentes, seja pela activação espontânea da memória seja pelo acompanhamento inseparável de um descendente das suas inúmeras vítimas, símbolo do passado, ou pela repulsa da sábia anciã que busca as águas sagradas, no seu auxílio motor.
Amargurado pela sucessão de recordações, vagarosamente se arrasta sob tempestades de areia ou de areia, numa absoluta resignação aos desígnios providenciais, até chegar a ser encontrado pelo ambicioso antigo coadjuvante de epopeias de destruição. Abdicando da vingança imediata, coloca-se sob o alcance do punhal do sicário, até que o seu jovem companheiro de viagem, sombra do seu passado maldito, lhe salva a vida.
Notável do ponto de visto do enquadramento natural, o Guerreiro é uma metáfora singular do arrependimento e da busca de perdão.
Por entre paisagens desérticas e montanhas enregeladas, a viagem de retorno torna-se a partir desse momento um ritual da tentativa de expiação de antigos pecados, sempre presentes, seja pela activação espontânea da memória seja pelo acompanhamento inseparável de um descendente das suas inúmeras vítimas, símbolo do passado, ou pela repulsa da sábia anciã que busca as águas sagradas, no seu auxílio motor.
Amargurado pela sucessão de recordações, vagarosamente se arrasta sob tempestades de areia ou de areia, numa absoluta resignação aos desígnios providenciais, até chegar a ser encontrado pelo ambicioso antigo coadjuvante de epopeias de destruição. Abdicando da vingança imediata, coloca-se sob o alcance do punhal do sicário, até que o seu jovem companheiro de viagem, sombra do seu passado maldito, lhe salva a vida.
Notável do ponto de visto do enquadramento natural, o Guerreiro é uma metáfora singular do arrependimento e da busca de perdão.
segunda-feira, setembro 06, 2004
Queremos mesmo que Bush se vá embora?
A questão parece estranha, mas confesso que não conheço a resposta. O problema nem passa pelo argumento de que Bush e Kerry são iguais e que republicanos e democratas representam, cada qual à sua maneira, a América dos interesses. Se esta última afirmação é no geral verdadeira é justo afirmar que Bush e Kerry não são totalmente iguais. Bush é uma versão mais rude, violenta e perigosa de Reagan. Bush é a prova que a democracia pode transformar-se numa completa aberração, uma retórica dirigida a autênticos mentecaptos, um simplificação absoluta das ideias, uma prática maniqueista primária, manipulatória e, como se pode observar, criminosa e assassina. Neste sentido, Bush é pior, talvez não muito pior, mas efectivamente pior. Para o povo americano é melhor que Kerry ganhe. Com Kerry, não que dele se esperem maravilhas, os direitos sociais vão aguentar-se e a economia talvez cresça, à semelhança do que sucedeu com Clinton.
Mas noutro sentido, talvez seja melhor que Bush ganhe. A consciencialização política de largas camadas da população do mundo, especialmente aquelas que mais afastadas estão da vida cívica e política, deve muito ao presidente Bush. Os seus modos básicos chegam tão rapidamente aos seus apoiantes como às pessoas que acham a política algo esotérico e distante, coisa de especialistas. Quantas pessoas passaram a ter opinião política desde que Bush apareceu? Quantas pessoas se juntaram a manifestações porque o alvo era George W. Bush e a política imperialista americana. Os movimentos sociais na Europa e no Mundo ganharam muito com Bush, apesar de, por vezes, de forma errada, se confundir a política americana com o povo americano. Queremos mesmo que Bush se vá embora?
Mas noutro sentido, talvez seja melhor que Bush ganhe. A consciencialização política de largas camadas da população do mundo, especialmente aquelas que mais afastadas estão da vida cívica e política, deve muito ao presidente Bush. Os seus modos básicos chegam tão rapidamente aos seus apoiantes como às pessoas que acham a política algo esotérico e distante, coisa de especialistas. Quantas pessoas passaram a ter opinião política desde que Bush apareceu? Quantas pessoas se juntaram a manifestações porque o alvo era George W. Bush e a política imperialista americana. Os movimentos sociais na Europa e no Mundo ganharam muito com Bush, apesar de, por vezes, de forma errada, se confundir a política americana com o povo americano. Queremos mesmo que Bush se vá embora?
O Trabalho no mundo
1) O Guardian publicou, na sua edição do último dia dois de Setembro, os resultados de um relatório do International Labour Office sobre o universo laboral. Noventa países foram colocados numa escala segundo vários critérios: salário, representação sindical, segurança do posto de trabalho, segurança no trabalho, direitos de saúde e segurança social, entre outros. Os resultados, no geral, não são muito surpreendentes. Em primeiro lugar a Suécia, depois a Finlândia, a Noruega, a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica, a França, o Luxemburgo, a Alemanha e o Canadá. Portugal surge no 14.º lugar, depois da Irlanda, da Áustria e da Espanha e imediatamente à frente do Reino Unido. Os Estados Unidos, o país mais rico do mundo, estão em 25.º lugar. O primeiro país asiático é o Japão, em 18.º lugar e não há quaisquer sinais de países árabes nem das novas democracias do leste da Europa entre os primeiros 20. Na cauda da tabela está, como se esperaria, um contingente de países africanos. Segundo o mesmo relatório, a progressiva privatização dos sistemas de segurança social tem levado a um efectivo empobrecimento das populações. Contra esta tendência foi apontado como factor positivo o incremento das pensões sociais no Brasil.
2) A luta contra a União Europeia é, nos nossos dias, um anacronismo. É elementar, no entanto, desejar uma outra Europa. O primeiro passo para alcançar este objectivo passa por impedir todas as forças que pretendem destruir um modelo de direitos sociais e do trabalho que, sendo já de si bastante débil e injusto, ainda faz da Europa um lugar à parte no contexto mundial. As últimas tendências não são, infelizmente, positivas.
3) O resultado alcançado por Portugal é, de certo modo, espantoso, nomeadamente porque o país chegou a 74 com uma infra-estrutura de apoio social e de direitos do trabalho muito débil, quando comparada, por exemplo, com o pujante welfare-state britânico construído depois da Segunda Guerra Mundial. É útil olhar para a história portuguesa destes últimos 30 anos e procurar os momentos e as causas que proporcionaram a inversão. Não será difícil perceber, basta olhar para as estatísticas, que o grande momento de social-democratização do país foi precisamente o período revolucionário após o 25 de Abril de 74. Tarefa realizada, refira-se, em contra-ciclo económico. Também não é difícil compreender que o maior ataque a este conjunto de direitos se realizou a partir dos anos noventa, pela mão de governos socialistas e sociais-democratas. Basta olhar, por exemplo, para a evolução da legislação dos contratos a prazo. Quanto tempo mais nos vamos aguentar no 14.º lugar?
2) A luta contra a União Europeia é, nos nossos dias, um anacronismo. É elementar, no entanto, desejar uma outra Europa. O primeiro passo para alcançar este objectivo passa por impedir todas as forças que pretendem destruir um modelo de direitos sociais e do trabalho que, sendo já de si bastante débil e injusto, ainda faz da Europa um lugar à parte no contexto mundial. As últimas tendências não são, infelizmente, positivas.
3) O resultado alcançado por Portugal é, de certo modo, espantoso, nomeadamente porque o país chegou a 74 com uma infra-estrutura de apoio social e de direitos do trabalho muito débil, quando comparada, por exemplo, com o pujante welfare-state britânico construído depois da Segunda Guerra Mundial. É útil olhar para a história portuguesa destes últimos 30 anos e procurar os momentos e as causas que proporcionaram a inversão. Não será difícil perceber, basta olhar para as estatísticas, que o grande momento de social-democratização do país foi precisamente o período revolucionário após o 25 de Abril de 74. Tarefa realizada, refira-se, em contra-ciclo económico. Também não é difícil compreender que o maior ataque a este conjunto de direitos se realizou a partir dos anos noventa, pela mão de governos socialistas e sociais-democratas. Basta olhar, por exemplo, para a evolução da legislação dos contratos a prazo. Quanto tempo mais nos vamos aguentar no 14.º lugar?
sexta-feira, setembro 03, 2004
Seinfeld - o Regresso
Agora, que já estamos na contagem decrescente para a reexibição do Verdadeiro Artista (dia 20 de Setembro, na Sic Radical), a horas decentes para a maioria dos seres, fica aqui um pequeno aperitivo:
"Porque será tão difícil e desconfortável estar nu? É porque quando estamos vestidos, é sempre possível fazer aqueles pequenos arranjos, que as pessoas adoram fazer. Puxar, endireitar, ajustar. Achamos que estamos a ficar bem. «Ah, estou mesmo jeitoso. Sinto-me bem, muito bem». Mas quando estamos nus, não há nada a fazer. «Pronto, é isto. Não posso fazer mais nada.»
É por isso que eu gosto de pôr um cinto quando estou nu. Sinto que tenho qualquer coisa. Gostava de ter uns bolsos pendurados no cinto. Não era o máximo? Imaginem! Estar nu e, mesmo assim, conseguir pôr as mãos nos bolsos. Acho que seria uma grande ajuda."
"Porque será tão difícil e desconfortável estar nu? É porque quando estamos vestidos, é sempre possível fazer aqueles pequenos arranjos, que as pessoas adoram fazer. Puxar, endireitar, ajustar. Achamos que estamos a ficar bem. «Ah, estou mesmo jeitoso. Sinto-me bem, muito bem». Mas quando estamos nus, não há nada a fazer. «Pronto, é isto. Não posso fazer mais nada.»
É por isso que eu gosto de pôr um cinto quando estou nu. Sinto que tenho qualquer coisa. Gostava de ter uns bolsos pendurados no cinto. Não era o máximo? Imaginem! Estar nu e, mesmo assim, conseguir pôr as mãos nos bolsos. Acho que seria uma grande ajuda."
terça-feira, agosto 31, 2004
A oriente tudo de novo
Tenho partilhado a minha condição de estudante no Reino Unido com uma vasta comunidade oriental. Chineses, japoneses, coreanos, tailandeses, etc Temo-nos dado bem e uma japonesa chegou mesmo a dizer-me que eu era parecido com o primo dela, mas para não me preocupar – como se uma comparação com um oriental fosse uma espécie de ofensa. Entre japoneses mais sofisticados e chineses mais tímidos uma coisa em comum: a obsessão com o ocidente e, especialmente, com o american way of life. A China é um caso particularmente interessante. As roupas, as marcas, os gestos, as séries de televisão, o cinema, os carros, são ambicionados por milhões de chineses (muitos milhões digamos). A grande maioria dos chineses que frequentam a SOAS estão a expensas das famílias. Estamos a falar de quase três mil contos por ano de propinas mais os custos da habitação, alimentação, etc. Asseverou-me o chinês que já há muita gente na China a poder pagar tais quantias. As universidades britânicas agradecem.
Portugal Olímpico
Tenho à minha frente o quadro completo das medalhas atribuídas nos jogos olímpicos de Atenas. Portugal situa-se no 61.º lugar entre os setenta e cinco países que ganharam alguma coisa. A equipa nacional alcançou duas medalhas de prata e uma de bronze. Destas, apenas a última me parece poder ser considerada o resultado de um qualquer investimento estrutural. Rui Silva é há muito um valor evidente e, embora não se esperasse dele uma medalha, sabia-se que poderia fazer um bom resultado. O feito de Sérgio Paulinho, sem lhe tirar o mérito, muito dificilmente se voltará a repetir. Foi, de certa forma, um feliz acaso. Francis Obikwelu é um nigeriano que treina em Espanha e que Portugal, e muito bem, acolheu na sua equipa. É fantástico o que fez, mas não se pode considerar o produto da política desportiva do país. Não é preciso recorrer ao quadro de medalhas para perceber o desastre que é a actividade desportiva em Portugal. No país do futebol fala-se muito e pratica-se pouco. Agitam-se bandeirinhas pela pátria mas não se percebe quão efémeras são as conquistas do futebol face à fragilidade de tudo o resto. É certo que as medalhas não são o único, sem sequer o melhor, critério de avaliação da saúde desportiva de uma população. Mas basta ouvir as queixas de atletas, nadadores, judocas, velejadores, corredores, etc, para perceber que o que fazem é quase sempre muito mais do que tinham que fazer. É nestas ocasiões que os argumentos esgrimidos por aqueles que lutaram contra o “país dos dez estádios” parecem realmente válidos.
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